domingo, 30 de novembro de 2008

Roraima, estado sim, mas sem terras

Antes de encerrar as atividades do Supremo Tribunal Federal no corrente ano, a questão relacionada com a controvérsia em torno da reserva Raposa Serra do Sol deve ter continuidade. No voto já proferido pelo relator da matéria, ministro Ayres de Brito, confirmou-se a procedência jurídica do ato demarcatório, o que significa dizer que os índios, até o presente momento, ganham a causa. Pelo referido voto, os limites e confrontações das terras da reserva estão preservados, procedidos que foram pela Fundação Nacional do Índio e sancionados por ato do governo federal. Aguarda-se, ainda, a tomada de votos dos outros 10 juízes componentes da Corte. 

Criada pela Constituição de 1988, a nova unidade federada padece de mal congênito. De toda a área de 224.298,980 km2, apenas aproximadamente 12,5% do território são consideradas terras do estado. O restante abrange reservas indígenas e parques nacionais de conservação ambiental. As terras agricultáveis, coincidentemente, se localizam nessa mesma região, onde se cultivam quase que exclusivamente arroz e, em menor escala, outros grãos de subsistência. O maior peso econômico sustenta-se na produção de arroz, pode-se dizer o único meio de geração de tributos e empregos. Se os proprietários forem forçados a se desalojarem das fazendas, haverá perda irreparável para os cofres do estado e prejuízo a seu combalido desenvolvimento. 

Desde 1774, quando os portugueses chegaram à região, Portugal já incentivava a ocupação de suas terras por colonos portugueses. O curioso, do ponto de vista histórico, é que a fixação de colonos na área acabou se ampliando até boa parte da margem esquerda do Rio Essequibo, hoje território da Guiana. O fato provocou disputa de limites entre o Brasil e a Inglaterra, que se resolveu por meio de juízo arbitral. Joaquim Nabuco foi, em 1903, o advogado contratado para defender os direitos do país. A escolha do árbitro recaiu no duque de Baden. Quando os trabalhos se iniciavam, a Inglaterra, inconformada com a indicação, por ser duque de status inferior a rei, exigiu substituição por monarca. A nova designação recaiu em Victor Emmanuel III, rei da Itália. Embora o melhor direito estivesse do lado brasileiro, como reconhecido por renomados jurisconsultos europeus, o Brasil perdeu a demanda. 

Remonta a esse tempo a ocupação de terras por brancos na região da reserva. Lá remanescem herdeiros dos primeiros proprietários e outros detentores de direitos posteriormente adquiridos, além de novos colonos que passaram a dispor de propriedades na área. Para proceder à demarcação, a Funai baixou portaria com os elementos constitutivos do ato, como ordena a lei. Elaborado o laudo, a demarcação foi questionada em juízo. Como a União havia perdido a causa, o governo baixou outra portaria, aproveitando, sem cerimônia, o mesmo laudo originariamente subscrito por antropóloga do órgão. É essa nova demarcação, praticamente reprodução da primeira, que está sendo contestada perante o STF. 

De tudo o que se sabe, das comunidades indígenas que disputam a reserva somente os índios Macuxi se batem por sua legitimação. Assim mesmo com divergências. As outras etnias — Wapixana, 

Patamona, Ingarikó e Taurepang — são contrárias. Destaque-se que, para acompanhar os atos de demarcação, somente os Macuxi foram convidados, por indicação do Conselho Indigenista Missionário. As outras comunidades não tiveram oportunidade de se manifestar no curso dos trabalhos. Tratando-se de faixa de fronteira, que há de merecer proteção do Estado, é estranho que o Conselho de Defesa Nacional não tenha sido ouvido, em virtude de desinteresse do governo. 

As relações entre fazendeiros e índios no local da reserva são pacíficas e regulares. Ainda que a maioria dos índios seja favorável à permanência dos brancos na área, outro é o aspecto transcendental que não deverá passar desapercebido aos ministros do STF. É certo que a Constituição garante pertencerem aos índios terras por eles tradicionalmente ocupadas. O que está em jogo, entretanto, é saber se, com tanto tempo de permanência dos fazendeiros na região, assim mesmo devem ser dela expungidos, sem levar em conta a tradicionalidade da ocupação. Dois municípios foram constituídos na área da reserva. Um bom número de fazendeiros tem títulos legitimados em cartório. Indaga-se: é possível passar por cima desses direitos, com as peculiaridades que contornam a questão? 

O que parece desarrazoado é afirmar a imemorialidade das terras em benefício dos índios e não garantir os mesmos direitos aos fazendeiros, depois de tanto tempo decorrido de uso da terra. Bem poderia o STF, face às peculiaridades do caso, reconhecer a demarcação descontínua da reserva, garantindo o direito dos não-índios às suas propriedades e aos índios as terras que tradicionalmente ocupem. Nessa decisão do STF põe-se a sorte da viabilidade econômica de Roraima. Caso contrário, será mais uma desventura que o Estado já tão depauperado de terras terá de suportar. 

 

Chávez pede a Exército que se prepare contra opositores

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, pediu aos militares e a seus apoiadores para estarem prontos para uma disputa dura com os recém-eleitos governadores e prefeitos da oposição, dizendo a seus partidários para estar "preparados para morrer pela revolução."

Chávez disse que os líderes de oposição eleitos em cinco Estados e na capital, Caracas, "querem uma confrontação" e estão voltando "ao cenário de 2002", quando sofreu uma tentativa de golpe.

Ele afirmou que acontecimentos recentes, como um suposto incêndio criminoso em um posto de saúde público, têm intenção de enfraquecer seu governo e pediu a militares "se prepararem para defender a revolução".

A tensão entre governo e oposição aumentou depois das eleições locais do domingo passado.

"Foi ativado um pré-cenário de violência, estou consciente disso. O governo de Miranda [região metropolitana de Caracas], o governo distrital e Sucre, tenham a certeza de que são da extrema direita fascista", disse Chávez, na quinta-feira.

Reestruturação da Abin fica congelada após a Satiagraha

Afastamento de Paulo Lacerda da agência de inteligência paralisa processo de integração com outros órgãos federais

A Abin não comenta a crise nem fala se algum órgão do governo federal já teria indicado representante para integrar ações da agência

DA REPORTAGEM LOCAL 

 

A crise deflagrada pela Operação Satiagraha põe em risco o projeto de reestruturação da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). O afastamento do delegado Paulo Lacerda da direção do órgão desacelerou o processo de mudanças que vinha implementando havia 11 meses e que tinha, como linha mestra, a integração com outros órgãos do governo.

A denúncia de que teria autorizado a participação irregular de agentes da Abin na investigação, comandada pelo delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, contaminou a reforma, causando desconfiança entre as autoridades do governo sobre as conseqüências de futuras ações conjuntas. Até que a situação seja esclarecida, não há clima de cooperação.

Um dos pilares da breve gestão de Lacerda foi a criação do Disbin (Departamento de Integração do Sisbin), um centro de operações que funcionaria em regime de plantão, 24 horas por dia, incluindo representantes de todos os órgãos do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), entre eles, Polícia Federal, Coaf, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Forças Armadas e Receita Federal.

Quando ainda estava na Abin, Lacerda mandou reformar um dos 16 prédios do complexo da agência em Brasília. Estariam à disposição salas com mobiliário de escritório, equipamentos de informática e suporte de rede segura, além de dormitórios. Questionada pela reportagem, a Abin não comentou as mudanças nem informou se os demais órgãos já indicaram representantes.

Para o deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), presidente da CPI do Grampo, "o sistema de inteligência está desmontado". "A Abin está no limbo", afirma. Crítico de Lacerda, Itagiba defende a integração. "Mas tudo vai por água abaixo quando a pessoa que idealiza isso, como o Lacerda, trai o princípio estabelecido. Ele saiu da integração institucional e foi para uma integração pessoal", diz.

Desde outubro de 2007, quando trocou a PF pela Abin, Lacerda conseguiu a aprovação de um plano de carreira para os arapongas, melhorias salariais e até um concurso para admitir novos efetivos. A meta do delegado era ampliar o atual contingente de 1.700 para cerca de 5.000 funcionários -em cinco anos na Polícia Federal ele triplicou o efetivo e engordou o caixa. A expectativa era que fizesse o mesmo na Abin.

 

Controle de operações

Embora as medidas trabalhistas tenham agradado a maioria dos servidores, o mesmo não ocorreu com a reformulação operacional. Especialmente a criação da corregedoria e a extinção do Departamento de Operações de Inteligência, que analistas consideram a principal causa da falta de controle sobre a atividade dos agentes na Satiagraha.

"O controle das operações é o calcanhar de aquiles de qualquer sistema de inteligência. Descentralizar para outros três departamentos foi um erro e permitiu os desmandos", diz Marco Antonio dos Santos, diretor da Prospect Intelligence e ex-integrante do CIE (Centro de Inteligência do Exército). Santos atuou na elaboração da lei 9.883/99, que criou o Sisbin.

O especialista concorda que a crise adia os planos de reforma e sugere que a Abin tenha na direção alguém "com visão estratégica e experiência no ramo". (CLAUDIO DANTAS SEQUEIRA)

 

Escola Superior de Guerra pode ir do Rio para Brasília

Mudança proposta pela Defesa divide militares

O ministro Nelson Jobim visita a Escola Superior de Guerra 

ANDRÉ ZAHAR

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, NO RIO 

 

A possível transferência para Brasília da ESG (Escola Superior de Guerra), sediada há 59 anos no Rio, causa inquietação entre militares. A proposta é estudada pelo governo federal no âmbito da Estratégia Nacional de Defesa e deve ser encaminhada ao Congresso no início de dezembro. Um dos principais defensores, o ministro Nelson Jobim (Defesa) alega a necessidade de incrementar a produção de pesquisa e a formação de quadros civis na área da sua pasta. 

Procurado pela Folha, Jobim disse, por meio de sua assessoria, que "o que está sendo proposto em relação à ESG é a transferência da sede da instituição para Brasília sem prejuízo de sua presença no Rio de Janeiro". No e-mail enviado à reportagem, ele acrescenta que os detalhes da transferência serão acertados depois de a proposta ser aprovada. Ao saber da intenção do ministério, no início de novembro, o comandante da ESG, almirante Luiz Umberto de Mendonça, determinou ao corpo permanente do instituto a preparação de um relatório detalhado sobre a mudança. O documento, encaminhado à Defesa em novembro, sustenta que a mudança implicaria um custo maior de manutenção e de ajuda de custo para os alunos. 

"A síntese do estudo é que transferir a ESG para Brasília é viável, mas para ela continuar as tarefas que hoje realiza no Rio terá um custo mais alto. Se o poder político levar a escola para Brasília entende-se que está disposto a aportar os recursos necessários para que ela não tenha prejuízo das suas atividades", diz Mendonça. 

O militar evita críticas diretas à proposta, mas teme pela autonomia da instituição. Mendonça considera ainda que o trabalho acadêmico pode ser prejudicado com a distância do eixo Rio-São Paulo-Minas Gerais, "onde se concentra a maioria das universidades, setores de produção de defesa e centros de estudos científicos e tecnológicos". 

"O universo acadêmico não se restringe a esse triângulo do Sudeste, como demonstra a vibrante produção da UnB (Universidade de Brasília), e de dezenas de centros de pesquisa espalhados pelo Brasil, muitos vocacionados para as realidades locais (Amazônia, semi-árido etc.), com conhecimentos essenciais à Defesa Nacional", rebate a nota do ministério. 

O vice-almirante da reserva Sérgio Tasso Vásquez de Aquino, que foi vice-presidente da Adesg (Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra) em 2001 e 2002, faz ressalvas à mudança. "Além da ESG, as Escolas de Guerra Naval, de Comando do Estado Maior do Exército e de Comando do Estado Maior da Aeronáutica ficam no Rio. Existe uma grande troca de informações, estudos e professores entre essas escolas. É mais um motivo para a ESG ficar aqui." Para Aquino, a presença da ESG no Rio a deixa "mais imune às influências deletérias do poder". "Com todos esses processos de informática, não precisa ficar perto do centro de poder", completa. 

O presidente do Clube Militar do Rio, general da reserva Gilberto Barbosa de Figueiredo, tem opinião diferente. Ele considera que a ESG "precisa ser repensada". "Quando o Rio era capital da República, o corpo político estava aqui. Hoje está difícil conseguir estagiários [alunos] representativos do segmento do Judiciário e do Legislativo. Sob esse aspecto, Brasília é mais central", observa. 

Colaborou RAPHAEL GOMIDE , da Sucursal do Rio.

 

Plano de defesa do governo não inclui custos

Minuta da Estratégia Nacional de Defesa, que será apresentada em dezembro, não traz cifras sobre compras de equipamentos

Documento elaborado sob a supervisão de Mangabeira Unger propõe reorganizar Forças Armadas e reativar a indústria de defesa do país

CLAUDIO DANTAS SEQUEIRA

DA REPORTAGEM LOCAL 

 

A minuta da Estratégia Nacional de Defesa, que deverá ser apresentada oficialmente em dezembro, propõe uma ampla reorganização das Forças Armadas, a revalorização da carreira militar e a reativação da indústria de defesa, a partir de um regime tributário específico. O documento, obtido pela Folha, não traz cifras sobre compras de equipamentos nem detalhes orçamentários. Mas defende, em termos gerais, a necessidade de aquisição e desenvolvimento próprio de armamentos e meios que ampliem a capacidade de ação militar das Forças Armadas. Até março de 2009, as forças deverão apresentar planos específicos de equipamentos.

Por enquanto, foi feita uma lista genérica com itens, como aviões de ataque, submarinos de propulsão nuclear, mísseis, veículos aéreos não-tripulados, radares e equipamento individual interativo de última geração. Sonhos de consumo de qualquer militar, mas que custam caro. Os valores para se atingir os objetivos dessa estratégia são o item de maior divergência dentro do governo.

Em reunião com parlamentares na última terça-feira, o ministro Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) fez uma exposição das diretrizes do documento, mas não entrou em detalhes. A idéia original de que o orçamento da Defesa seja um percentual fixo do PIB (cerca de 2,5%) tem resistência.

Segundo o deputado Marcondes Gadelha (PSB-PB), que participou do encontro, o ministro defendeu que o sistema de defesa nacional reflita a estatura econômica do país. Mangabeira defendeu a auto-suficiência tecnológica nas áreas espacial, cibernética e nuclear, além da integração da cadeia produtiva bélica, especialmente com Argentina e Chile.

 

Ações

Segundo a minuta da Estratégia Nacional, a capacitação tecnológica busca atender a um horizonte de ação difuso e que não se restringe às fronteiras do país. Os militares devem priorizar "em situações de normalidade" as estratégias de dissuasão, presença e projeção de poder. Significa não apenas ter capacidade militar para infligir temor a eventuais inimigos mas demonstrar esse poder na prática em ações "fora do território nacional e das águas jurisdicionais". "Podem incluir o bombardeio naval, operações anfíbias e os ataques com mísseis", no caso da Marinha, por exemplo. Em crises, seria adotada a estratégia "ofensiva".

Na lista de objetivos de defesa, estão a "salvaguarda das pessoas e do patrimônio brasileiro no exterior ou sob jurisdição brasileira fora do território nacional" e o "incremento de atividades destinadas à manutenção da estabilidade regional". Essa definição reproduz o esboçado na Política Nacional de Defesa e se alinha ao texto do decreto 6.592 -promulgado em outubro- que define como "agressão estrangeira", dentre outros, "os atos lesivos à soberania nacional" "ainda que isso não signifique invasão ao nosso território". A minuta sugere maior participação do Brasil em missões de paz, a prevenção de atos terroristas e a cobertura de infra-estruturas críticas como energia, água e transportes. A Amazônia segue como principal alvo de defesa, mas há atenção especial sobre gerenciamento de crises, como desastres naturais e pandemias. Uma proposta complementar deve alterar a atual legislação para resguardar juridicamente os militares em ações de polícia (Garantia da Lei e da Ordem). O serviço militar continuará obrigatório, e haverá um serviço civil voluntário.

"Oportunidade de ganhar peso"

Karla Correia

BRASÍLIA

 

O diretor do Departamento de Organismos Internacionais do Itamaraty, ministro Carlos Duarte, vê na aproximação entre os Brics, em meio ao cenário de crise econômica mundial, o embrião de um grupo capaz de fortalecer um modelo multipolarizado nas relações internacionais. Ao Jornal do Brasil, o ministro fala sobre o novo papel desses países e sobre como o Brasil pode se mover nesse novo ambiente internacional.

Em maio, os Brics se reconheceram pela primeira vez como um fórum econômico, em um gesto de grande peso político para o grupo. Que tipo de oportunidade essa aproximação pode abrir para o Brasil?

De fato, a reunião entre representantes dos quatro países em Ekaterinburgo (Rússia) teve um caráter fortemente político, mais do que econômico. Faz parte da defesa de uma multipolaridade das relações internacionais. Esse elemento é importante, são países que se posicionam de forma muito clara a favor de uma nova ordem mundial. Para o Brasil e para os demais Brics, a oportunidade é de ganhar mais peso no cenário internacional.

Do ponto de vista político, então, em que a nova relevância desses países no cenário internacional pode ter influência mais marcada?

Uma das mais importantes é a questão ambiental. São economias importantes, cujas decisões terão impacto forte nas negociações em torno das emissões de carbono e nos arranjos na área ambiental, perseguidos por todos os países em nível global.

Como os Brics podem se afirmar como novas lideranças mundiais, em meio à crise?

Eu acho que eles podem se tornar um fator de estabilização econômica global neste momento. Isso se daria pela diversificação comercial, que contribuiria como um contraponto à crise que afeta os países mais centrais no sistema econômico global.

Isso vai ao encontro das afirmações que o presidente Lula tem feito sobre a diversificação de parceiros comerciais do Brasil...

A redução da atividade econômica afeta todos os países. Mas, de fato, pode-se observar que, no Brasil, a diversificação dos parceiros comerciais tem promovido uma mitigação nos efeitos dessa crise. Hoje pode-se ver claramente que trata-se de uma política externa bastante acertada.

Esses parceiros não seriam igualmente afetados pela crise, reduzindo as importações?

Em termos. Há um efeito que não é linear em todos os parceiros comerciais do Brasil. O comércio com a China que, apesar de também ser afetado pela crise, continua crescendo. Isso vai compensar a redução na atividade comercial com os países que experimentam uma queda maior na atividade.

Equador quer, na verdade, que Brasil perdoe dívida de US$554 milhões

Maior parte é em financiamentos do BNDES para projetos da Odebrecht 

José Casado 

 

O objetivo do governo do Equador é conseguir do Brasil "perdão" para a dívida acumulada de US$554 milhões - a maior parte (US$462 milhões) relativa a financiamentos do BNDES para projetos de infra-estrutura executados pela empreiteira Odebrecht. 

Há precedente: no ano passado, a Noruega anulou US$35 milhões em dívidas para a compra de barcos pesqueiros pela estatal Frota Bananeira Equatoriana. 

A empresa faz parte de uma parceria do Estado (99% das ações) com a família Noboa Naranjo (1%), uma das mais ricas do país. O sócio privado ficou com a administração da frota, voltada para o transporte das bananas exportadas pela família Noboa Naranjo. 

O negócio prosperou até o início desta década, quando os barcos entraram na fase de obsolescência e o clã vendeu suas ações. O governo equatoriano assumiu 100% do capital mais a dívida externa e uma frota sem capacidade de navegação. 

Essa fatia da dívida equatoriana já motivava protestos de redes de ONGs no Equador e na Europa quando Rafael Correa assumiu o poder, em janeiro do ano passado. O Parlamento norueguês aceitou a pressão e "perdoou" esses débitos. 

Para Correa serviu de estímulo a auditoria com a cooperação de ONGs empenhadas na defesa dos interesses de países pobres. Instaladas na América do Sul, Europa e EUA, desde o fim dos anos 80, parte está agrupada na Rede Jubileu, que tem respaldo da Igreja Católica e do PT - entre os conselheiros nacionais está o senador Eduardo Suplicy. As ONGs brasileiras têm no histórico uma meia-vitória de lobby político: conseguiram inscrever na Constituição de 1988 a obrigatoriedade de auditoria na dívida do país - até hoje não realizada. 

 

Revisão da dívida externa é apoiada por ONGs 

Alguns ativistas brasileiros têm reputação de especialistas. Um deles é Maria Lúcia Fatorelli Carneiro, ex-presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco). Outro é Rodrigo Ávila, economista, coordenador da ONG Dívida Cidadã e assessor da liderança do PSOL na Câmara dos Deputados. Ambos trabalharam para o governo do Equador na comissão de auditoria, cujo resultado deflagrou uma crise política com o Brasil. Nessa disputa, o PSOL alinhou-se ao governo Correa: "Ao invés de reconhecer o grave prejuízo causado ao povo do Equador, o governo Lula preferiu tomar partido pela Odebrecht, chantageando e retirando o embaixador brasileiro do Equador" - disse em nota divulgada na semana passada. 

Para a auditora e o economista foi algo mais que uma experiência de auditagem: 

- Foi extraordinário examinar 30 anos de história pelos contratos bancários. Trabalhei 18 horas por dia, de abril a setembro - conta Maria Lúcia. - Só a análise da dívida comercial tem mil páginas, mais a documentação entregue ao Arquivo Nacional. Encontramos muitas ilegalidades. 

Rodrigo Ávila viajou a Quito algumas vezes: 

- Constatamos, sim, inúmeras ilegalidades, até títulos de dívida sem registro oficial. 

Outros militantes de ONGs e de partidos políticos - do PT ao PSTU - também participaram, fazendo traduções e análises de contratos financeiros. Em Belo Horizonte, por exemplo, atuaram os economistas Dirlene Marques e Gabriel Strautman. 

Os contratos do Equador com o BNDES foram examinados por uma ONG carioca, o Instituto de Pesquisas Sociais, Econômicas e Educação, coordenada pelo economista Marcos Arruda: 

- Foi uma colaboração pontual. Verificamos como esses contratos combinavam ou não com a legislação brasileira e equatoriana - ele conta. 

Como os demais que participaram da auditoria, Arruda acha que o Brasil deveria agir em relação ao Equador como fez a Noruega, "perdoando" a dívida. 

- Isso já aconteceu aqui, no início da década de 30. No período Getulio Vargas, o Oswaldo Aranha renegociou e conseguiu reduzir em mais de 50% o estoque da dívida. Com isso, o governo pode preparar o terreno para a modernização do parque industrial do país. 

No fim de setembro, quando Maria Lúcia retornou a Brasília, o presidente do Equador já tinha cópia do relatório final. O Brasil era destacado: "Os três contratos principais (com a empreiteira Odebrecht) pelo valor de US$464,2 milhões terminaram em US$831 milhões, quer dizer 80% a mais do que o contratado. O governo do Brasil, através do Banco do Brasil, foi a entidade que financiou. Existe co-responsabilidade das entidades financeiras brasileiras BNDES e Banco do Brasil, ao tomar parte nessa cadeia de operações." 

Rafael Correa decretou intervenção com tropas militares nos canteiros de obras da Odebrecht, bloqueou os bens da empreiteira e da estatal Furnas, responsável pela fiscalização, e proibiu que os funcionários brasileiros saíssem do Equador. Por fim, anunciou o calote. 

O embaixador do Brasil em Quito, Antonino Porto e Santos, acolheu dois diretores da Odebrecht: 

- Disse que seriam muito bem-vindos lá em casa. São criaturas excelentes - contou no Senado, na semana passada. 

O presidente Lula recebeu a notícia durante uma viagem a Nova York. E comentou: 

- Não tem jeito. O Brasil tem o papel de ser cobrado, porque somos o maior.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Brasil faz acordo de defesa com a Rússia

DEFESA
DEFESA@NET 25 Novembro 2008
Valor 24 Novembr 2008 

Brasil - Rússia
Brasil faz acordo de defesa com a Rússia

Sergio Leo 

Sem alarde, o Brasil fechou o contrato de compra de 12 helicópteros de ataque MI-35 fabricados pela Rússia, a um custo estimado em cerca de US$ 300 milhões. A compra põe fim a uma negociação de quase dois anos, equipará as Forças Armadas com verdadeiros tanques blindados aéreos que se destinarão à vigilância da Amazônia e é um exemplo do que não prevê o acordo de cooperação em matéria de defesa que os dois governos também assinarão durante a visita do presidente russo ao Brasil, Dmitri Medvedev, nesta semana. O governo quer mais, quer fabricar armamentos com a Rússia. 

E não só com a Rússia. Em dezembro, chega ao país o presidente da França, Nicolas Sarkozy, com quem também será assinado acordo de cooperação em matéria de defesa. Como informou ao Valor o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, as negociações com os franceses estão até mais avançadas do que as com os russos. 

Sarkozy entendeu que o Brasil não quer acordos de compra e venda de mercadorias, mas de aliança para fabricação de armamentos e pesquisas tecnológicas. A Marinha brasileira discute com os franceses planos conjuntos na construção de submarinos, e o Exército negocia projetos de cooperação para tecnologias do chamado "combatente do futuro" das tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), com uso de sofisticados sistemas de informática e posicionamento por satélite para auxiliar o deslocamento, identificação e mobilização de soldados em campo de batalha. 

A compra dos helicópteros russos é considerada, no governo, um negócio "atípico" e excepcional em relação ao que se pretende com a nova estratégia de alianças no setor de defesa. Os brasileiros negociaram a instalação de centros completos de manutenção para os novos helicópteros, para evitar os problemas já identificados na vizinha Venezuela, onde o abastecimento de peças depende de estoques limitados e encomendas a Moscou. Mas a compra é uma operação estritamente comercial, sem o chamado offset, compensações comerciais concedidas pelo fornecedor de equipamentos. 

O objetivo declarado das conversas com Paris e Moscou - explicitado por Mangabeira Unger em recente ronda pela Europa - é evitar a excessiva dependência de fornecedores de alguma parte do globo e buscar aproveitar a reestruturação das Forças Armadas para incentivar o desenvolvimento tecnológico do setor de armamentos no país. Essa foi a razão, segundo explicou o governo brasileiro ao russo, pela qual os jatos Sukhoi foram excluídos da licitação para o projeto FX de compra de novos jatos para a Força Aérea Brasileira. Os russos foram os únicos a não oferecer transferência de tecnologia no pacote de venda. 

Além do anúncio da compra dos helicópteros, está prevista para a visita de Medvedev a assinatura de um dos três acordos que pautarão a cooperação dos dois países em matéria de defesa. Em agosto já havia sido assinado outro, pelo gabinete de Segurança Institucional da Presidência, do ministro general Jorge Félix, com a ex-KGB russa, de proteção de informações confidenciais. O acordo desta semana é de cooperação técnico-militar e prevê troca e intercâmbio de pessoal, aquisição de equipamentos, transferência de tecnologia e até co-produção. 

Há um terceiro acordo em fase de finalização, sobre propriedade intelectual. As autoridades brasileiras esperam que o acordo permita às indústrias dos dois países conhecer melhor o que é produzido e comercializado nos dois mercados, abrindo caminho para que as empresas brasileiras façam contatos e encontrem oportunidades de negócios com os russos. Não é fácil, a Rússia, especialmente na esfera militar, ainda tem a arrogância de grande potência, mas há forte interesse da indústria bélica brasileira, em campos como a fabricação de blindados, por exemplo. 

Toda essa movimentação é vista com mau humor por tradicionais exportadores brasileiros, como os de carne, que lamentam a falta de resultados do governo brasileiro nos esforços para abrir ao Brasil maior espaço nas cotas de importação russas, grande parte delas reservadas a exportadores europeus e americanos. Na semana passada reuniu-se em Brasília a comissão intergovernamental Brasil-Rússia de cooperação econômica, comercial, científica e tecnológica, em preparação à visita de Medvedev. E a discussão sobre agricultura levou apenas a queixas da parte brasileira pela falta de empenho dos russos em avançar no tema de cooperação agrícola. 

A visita de Medvedev será acompanhada dos anúncios pomposos dessas ocasiões, como a meta de elevar o comércio bilateral dos US$ 5 bilhões de 2007 para US$ 10 bilhões em 2010. Mas a crise financeira mundial, que chegou pesadamente à Rússia, obscurece as perspectivas comerciais com o país - a queda nos preços do petróleo já fez Medvedev adiar anúncios de investimentos que faria nesta semana, na Venezuela, e praticamente concentrou as expectativas nos negócios do campo militar. 

As reservas internacionais da Rússia, de quase US$ 600 bilhões em agosto, caíram para pouco mais de US$ 450 bilhões e continuam caindo no ritmo de mais de US$ 20 bilhões por semana, o crédito secou, começaram as demissões nos setor automotivo e o governo já anunciou pacotes bilionários de salvamento, como no Ocidente. Tudo isso reduz a atratividade da cooperação econômica com o país, mas não afetou, até agora, os planos em matéria de defesa. 

As autoridades brasileiras dizem considerar normal a aproximação entre Rússia e Venezuela, que farão exercícios militares juntos, no Caribe, nesta semana. Enquanto Chávez apresenta a aliança como uma resposta ao "Império" americano, os próprios russos minimizam essa volta às Américas, que insistem em classificar como um ressurgimento do interesse puramente econômico na região. Combinado com a decisão dos países sul-americanos de, pela primeira vez, estabelecerem um Conselho de Defesa que exclui a grande potência ao Norte, esse movimento tem, porém, forte implicações geopolíticas. Mesmo que os presidentes Lula e Medvedev, amanhã, digam o contrário. 

Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras

No Brasil, Medvedev tenta driblar crise

DEFESA
DEFESA@NET 25 Novembro 2008
Folhaonline 24 Novembr 2008 

Brasil - Rússia
No Brasil, Medvedev tenta driblar crise 

Em momento delicado para Moscou, presidente russo desembarca
hoje no Rio dentro de viagem que inclui Cuba e Venezuela
Kremlin visa estreitar laços na antiga área de influência dos EUA, 
mas esbarra em queda do preço do petróleo e em atritos com ex-rivais

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA 


O presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, desembarca hoje à noite no Rio para a segunda etapa de um giro latino-americano no qual pretende vender a nova dimensão estratégica de seu país.

Embora Medvedev (pronúncia aproximada: "midviêdef)" esteja efetivamente brincando no quintal geopolítico dos Estados Unidos, promovendo sua aliança com a antiamericana Venezuela e tentando fortalecer laços com o Brasil, a quantidade de problemas recentes em casa tirou um pouco da desenvoltura dos russos.

No Brasil, assinará acordos de cooperação e tentará engatilhar vendas de armas, algo difícil (leia texto ao lado).

O cenário inicial era favorável ao Kremlin. Medvedev chega em um momento em que seu país humilhou o Ocidente na guerra de agosto com a Geórgia. Moscou só não ocupou todo o pequeno país para poder garantir uma volta rápida da Europa à mesa de negociações -o que já ocorreu.

Ontem, em seu segundo dia de viagem, lembrou de suas "diferenças" ao encontrar-se com o colega americano George W. Bush na cúpula de países da Ásia e do Pacífico em Lima, Peru. "A despeito da existência de pontos em que nós divergimos pesadamente, nós temos trabalhado bem e vamos continuar esse trabalho", disse o russo, que ainda tirou uma casquinha do presidente que deixa o cargo em janeiro: "Ficaremos felizes em recebê-lo na Rússia". Um assessor ainda sugeriu: "Ele pode ir pescar", disse Sergei Prikhodko a agências de notícias.

Agenda de crise

Só que será com Barack Obama, e não Bush, com quem Medvedev e seu líder político, o premiê Vladimir Putin, irão negociar a partir de 2009. E a agenda é extensa, incluindo Geórgia, o sistema antimísseis que os EUA querem instalar na Europa, terrorismo, expansão da Otan, entre outros.

Os problemas para Medvedev não param aí. Todo o ressurgimento geopolítico da Rússia nos oito anos de governo Putin foi lastreado no apetite mundial por hidrocarbonetos. Com o barril de petróleo na casa dos US$ 50 e uma recessão mundial em desenvolvimento, os dólares para financiar as aventuras russas ficam comprometidos. Além disso, o mercado de ações e o sistema bancário do país estão sofrendo pesadamente com a vertente financeira da crise global.

Por isso, cabe especial atenção à terceira perna da viagem de Medvedev, Caracas. Lá, o presidente Hugo Chávez assinará acordos energéticos com os russos sentindo o peso do mesmo problema, a queda no preço do petróleo que lhe garante coisas como compras de US$ 5 bilhões desde 2005 em armamentos da Rússia. É de se esperar que ambos adotem a cautela retórica sobre Washington, à espera de Obama.

Isso não muda dois fatos que são vistos com preocupação nos meios militares americanos. Primeiro: depois de exercícios com dois bombardeiros estratégicos usando bases venezuelanas, uma frota naval russa fará exercícios com navios de Chávez no Caribe -o venezuelano anunciou que a esquadra chegaria já ontem ou hoje.

Segundo: na etapa final do giro, Medvedev irá ao antigo satélite de Cuba, onde pretende estabelecer uma nova cooperação militar -interrompida com o fim da União Soviética em 1991. Há rumores de que bases cubanas possam servir de apoio logístico à aviação de longo alcance russa, embora alguns analistas duvidem da real capacidade operacional de Moscou.

Com uma agenda de crise, o giro de Medvedev não terá o brilho esperado em Moscou, mas nem tampouco pode ser descartado do ponto de vista de novidade geopolítica.



Rússia busca ampliar venda militar ao Brasil 

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


Em sua primeira visita ao Brasil, Dmitri Medvedev assinará os acordos de cooperação bilateral costumeiros desse tipo de viagem. Mas um dos grandes interesses de sua delegação está nos bastidores, na tentativa de recuperar o espaço perdido para a França no campo de intercâmbio militar.

Com efeito, a grande esperança dos diplomatas russos é poder anunciar durante a visita o fechamento de um negócio de US$ 250 milhões que vem se desenrolando há dois anos, a compra de 12 helicópteros de transporte e ataque Mi-35 para a Força Aérea Brasileira. A FAB desconversa.

O nó a ser desatado é a exigência de que fossem instalados aviônicos israelenses feitos no Brasil pela empresa AEL, o que os russos consideravam antieconômico numa compra tão pequena.

De certa forma, a questão resume o principal problema nas sempre travadas negociações comerciais entre os dois países. O Brasil defende que não quer fazer compras de prateleira, exigindo contrapartidas comerciais e tecnológicas. A Rússia concorda, mas demanda escala para que isso seja viável -como nos acordos para produção de aviões de caça seus na Índia e na China.

Além dos helicópteros, os russos irão ofertar aviões de treinamento básico Yak-130 e sistemas de mísseis, mas essas ainda são negociações incertas.

Com uma nova política de defesa sendo elaborada a passos lentos pelo governo brasileiro, contudo, Paris ultrapassou Moscou e tornou-se a parceira estratégica preferencial. O primeiro sinal foi a retirada da lista de finalistas para fornecer o novo caça da FAB, motivada também pelo temor de um alinhamento com a grande compradora de armas russas na região, a antiamericana Venezuela, assim como considerações técnicas.

Mas isso não deverá mudar o peso que a Rússia tem como parceiro comercial no campo de carnes, principais produtos na pauta exportadora do Brasil para o país.

As exportações brasileiras para a Rússia subiram de US$ 423 milhões em 2000 para US$ 3,7 bilhões no ano passado. Já o Brasil comprou US$ 1,7 bilhão em produtos russos em 2007. A Câmara de Comércio Brasil-Rússia espera que o volume entre os países chegue a US$ 7 bilhões neste ano, e a US$ 10 bilhões em 2010.

Medvedev, que chega hoje ao Rio e fará turismo amanhã pela cidade, será recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com um churrasco no Palácio das Laranjeiras.

Na quarta-feira, assinarão um acordo de cooperação nuclear e outros visando acabar com a exigência de vistos entre os dois países. Memorandos na área energética também devem ser assinados

Equador recua e faz pagamento

Governo de Quito desmente calote ao BNDES e confirma que honrará as próximas parcelas da dívida. Presidente Correa afirma que Brasil perderá contrato de aviões se suspender venda

Viviane Vaz

Da equipe do Correio 

 

“Quero deixar isso claro: o Equador nunca agirá fora do domínio da lei”, garantiu ontem a ministra das Relações Exteriores, Maria Isabel Salvador. O governo do país andino baixou o tom e afirmou que esperará pela decisão de uma corte internacional antes de suspender o pagamento de US$ 460 milhões para o BNDES. Sem os juros, o valor original do financiamento era de US$ 242,9 milhões. O dinheiro foi liberado para financiar a hidrelétrica de San Francisco, construída pela empreiteira brasileira Odebrecht. Falhas na obra resultaram na expulsão da empresa do país, mesmo após reparos. 

A ministra não especificou para qual corte será encaminhada a reivindicação, mas na semana passada o Equador abriu processo na Câmara Internacional de Comércio, em Paris, para tentar cancelar a dívida. “O relatório da auditoria encontrou problemas de responsabilidade e ilegalidades (...) que têm que ser tratadas internamente pela procuradoria-geral, e fora do país, eventualmente, por processos e julgamentos internacionais”, disse a chanceler. 

O governo do presidente Rafael Correa justificou-se ao dizer que está questionando a validade de um terço de toda a sua dívida externa, que soma US$ 10 bilhões. No entanto, até agora apenas a fatia devida ao Brasil foi levada à arbitragem internacional. A resposta brasileira foi convocar para consultas o embaixador em Quito, Antonino Marques Porto e Santos. 

O ministro equatoriano de Setores Estratégicos, Galo Borja, confirmou que a próxima parcela da dívida com o BNDES vence no fim de dezembro, e que o pagamento será feito. “Esse tipo de empréstimo se faz com pagamentos automáticos de Banco Central a Banco Central. Isso foi respeitado e não será tomada nenhuma decisão diferente até que haja um pronunciamento da Câmara de Comércio Internacional, de Paris”, disse o ministro. 

A chanceler afirmou ainda que espera que os 30 projetos de cooperação técnica em andamento entre Brasil e Equador não sejam afetados pelo incidente. Entre eles está a construção de um corredor que facilitaria o acesso brasileiro ao Pacífico e ao mercado asiático. “Espero que isso não afete a integração, porque será um impacto muito grande para o Brasil se o projeto Manta-Manaus não se realizar”, disse Salvador. 

 

Aviões 

O presidente equatoriano descartou a hipótese de que a controvérsia sobre o pagamento ao BNDES crie problemas para a compra de 24 aviões Supertucano e um Legacy 600 da Embraer, por US$ 270 milhões. O contrato já foi assinado, a primeira parcela já foi paga e a empresa brasileira tem as primeiras entregas dos Supertucanos previstas para 2009. O Legacy seria usado para o transporte de Correa, e a entrega está marcada para o mês que vem. 

“Nós, pela integração regional, sempre buscamos privilegiar os mercados regionais, mas podemos comprar os aviões, inclusive o presidencial, de outra nação”, disse Correa aos jornalistas antes de viajar para Caracas, onde participa hoje da cúpula da Alternativa Bolivariana das Américas (Alba). “A culpa pelo que está acontecendo é da Odebrecht, empresa corrupta e corruptora, que fez muito mal ao país, e de certos contratos de empréstimos que foram um verdadeiro assalto, como esse para financiar a hidrelétrica”, reclamou Correa. 

O Equador recebeu em 26 de setembro outro avião da Embraer. O modelo foi um ERJ-145, entregue à estatal Petroecuador para o transporte dos empregados da petroleira, de Quito para a região amazônica do país. Os Supertucanos servirão para missões operacionais nas áreas de fronteira e treinamento avançado

Cúpula do Bric será em Moscou

Lula e Medvedev anunciam no Rio a realização de reunião dos líderes de Brasil, Rússia, Índia e China em 2009. Presidentes assinam acordos nas áreas espacial e militar, além de isenção de visto para turistas

Da Redação

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega russo, Dmitri Medvedev, pretendem realizar em Moscou, no próximo ano, a primeira cúpula do Bric — grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China. Os quatro países reuniram-se como grupo pela primeira vez no encontro de ministros de Finanças do G-20 em São Paulo, realizado este mês, e divulgaram um comunicado conjunto pedindo maior participação dos países emergentes nas questões mundiais e sobre a economia global. 

O chefe de Estado brasileiro declarou que a crise é uma oportunidade para os países em desenvolvimento. Lula comentou que essas nações já respondem hoje por mais de 60% do crescimento da economia mundial e disse esperar que elas “não permitam que a crise prejudique o crescimento e a geração de empregos”. O presidente lembrou que Brasil e Rússia defendem mecanismos de regulação transparente em relação à economia e querem evitar atitudes protecionistas no comércio, com a conclusão da Rodada Doha ainda este ano. 

Ele ainda citou o apoio dado à entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio (OMC) e agradeceu o interesse de Moscou ao pleito brasileiro de ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Lula disse que os dois países têm potencial para diversificar o comércio bilateral. “Não podemos ficar apenas nas commodities”, ressaltou. “Falei com ele (Medvedev) sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A Rússia poderia fornecer equipamentos para novas usinas hidrelétricas no Brasil”, comentou o brasileiro. Ele ainda destacou a importância do acordo bilateral no setor aerospacial, manifestando “pleno apoio aos trabalhos de modernização do Veículo Lançador de Satélites brasileiro (VLS)”. 

Em 2003, um incêndio na plataforma do VLS, no Centro de Lançamentos de Alcântara, causou a morte de 21 técnicos brasileiros. Desde então, especialistas russos trabalham em São José dos Campos (SP), nas instalações do Comando Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA), em cooperação com engenheiros nacionais. A idéia é desenvolver um primeiro estágio que use combustível líquido, em lugar do atual, que emprega material sólido. Ontem, as duas partes também firmaram um acordo que permite ao Brasil integrar-se ao sistema de posicionamento global de Moscou, o Glonass. 

Assunto de principal interesse do empresariado brasileiro, a exportação de carnes não foi citada no documento conjunto. O Brasil é o maior fornecedor do produto para o mercado russo, mas as vendas vêm caindo nos últimos anos em função de medidas protecionistas. Moscou estabeleceu cotas que limitam a entrada do produto, de acordo com cada fornecedor. Na última revisão, os produtores nacionais ficaram na categoria outros, o que favoreceu produtores europeus e norte-americanos. 

 

Consolação 

O governo brasileiro também assinou um acordo militar-tecnológico, abrangendo a cooperação direta entre as duas partes, o sigilo tecnológico e a proteção dos direitos autorais dos equipamentos militares. Além disso, confirmou a compra de 12 helicópteros de combate Mil Mi-35M, que serão empregados no combate ao narcotráfico pela Força Aérea Brasileira. O contrato, estimado em US$ 300 milhões, serve como compensação à desclassificação da Sukhoi no programa F-X2 — concorrência para aquisição de 24 a 36 caças supersônicos, estimada em US$ 2,4 bilhões. 

O Itamaraty, por sua vez, comemorou o fim dos vistos para viagens de turismo com duração inferior a 90 dias. “O processo era extremamente burocrático e chegava a levar dois meses”, comentou um diplomata.

Alba apóia Correa em revisão de dívida

Bloco liderado por Chávez diz que Equador tem direito a refutar débitos que o lesaram, em momento em que Quito recorre contra BNDES

Equatoriano diz que reação do Brasil foi desproporcional e que seu país "não tem que pedir permissão a ninguém para exercer sua soberania"

FABIANO MAISONNAVE

DE CARACAS

 

Em meio à crise diplomática com o Brasil, o presidente do Equador, Rafael Correa, pediu e obteve o apoio ontem da Venezuela, da Bolívia e dos demais países da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) para a revisão da dívida externa equatoriana, que teve sua primeira medida prática na solicitação de uma arbitragem internacional para não pagar um empréstimo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

"Nós, diante da clamorosa ilegalidade da dívida, estamos analisando mecanismos para não pagar e, numa luta legal, ir aos tribunais internacionais, mas já estamos sofrendo as ameaças e pressões dos mesmos de sempre. Por isso, pedimos aos membros da Alba e da América Latina inteira que nos respaldem", disse Correa em Caracas, em cúpula do bloco idealizado por Chávez que tem ainda Bolívia, Nicarágua, Cuba, Honduras e Dominica.

O equatoriano, que só anunciou sua presença anteontem, assistiu à cúpula convocada para discutir a crise econômica mundial como "observador" -ele não participa do bloco.

Momentos depois, Chávez leu o documento final no qual a Alba apóia a iniciativa equatoriana de "proteger seus interesses soberanos". O texto "alerta os organismos financeiros internacionais sobre respostas conjuntas de nossos países para enfrentá-los em caso de ações que atentem contra a vontade do Equador de impugnar os créditos que tenham lesionado a economia do país".

Na semana passada, o Equador divulgou uma auditoria que aponta irregularidades em quase 40% da dívida externa do país -US$ 3,9 bilhões, incluindo o empréstimo de US$ 243 milhões ao BNDES.

Cerca de uma hora depois do final da cúpula, Chávez recebeu, também no Palácio Miraflores, o presidente russo, Dmitri Medvedev, que ficará no país por dois dias, vindo do Brasil.

 

Correa

Antes de embarcar para Caracas, Correa disse que a decisão do governo brasileiro de chamar o seu embaixador para consultas, na sexta-feira, foi "desproporcional". A medida de Brasília foi a reação ao anúncio por Quito, na véspera, de que havia recorrido à arbitragem para não pagar o BNDES.

O montante foi concedido ao Equador para a construção, pela brasileira Odebrecht, da hidrelétrica de San Francisco -que em menos de um ano apresentou falhas e teve que ser paralisada por quatro meses. Em outubro, Correa expulsou a empreiteira do país.

Há uma semana, Correa disse que enviara recurso à Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional em Paros para não pagar o BNDES.

O Equador "não tem de pedir permissão a ninguém para exercer sua soberania", disse Correa. "A culpa do que está ocorrendo é da Odebrecht, empresa corrupta e corruptora."

Ele também voltou a negar que tenha pedido crédito ao BNDES para um negócio com a Embraer: "Compramos os aviões com dinheiro equatoriano." Mas afirmou que, "se esse país [o Brasil] suspender a transação, as aeronaves podem ser adquiridas de outro".

O recuo de Correa

O Ministro de Setores Estratégicos do Equador, Galo Borja, afirmou que o país continuará honrando a dívida de US$ 243 milhões contraída no BNDES para a construção da hidrelétrica de San Francisco. Trata-se de um gesto positivo, que corrige a atitude hostil da semana passada, quando Quito anunciou um calote.

Com a medida, a querela em torno da usina volta ao seu curso normal. Sem a pressão do calote, a divergência sobre eventuais vícios de construção ocasionados pela empreiteira Odebrecht deveria agora ser encaminhada para as cortes, observando-se o devido processo legal.

Foi o governo Correa que, ao ameaçar a moratória, elevou o assunto a um nível de Estado. O desembolso teria de ser bancado pelo contribuinte brasileiro, já que a dívida é assegurada pelo Tesouro. Além disso, o Equador seria prejudicado no âmbito do Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR), pacto que garante o comércio de bens e serviços entre os países da Associação Latino-Americana de Integração.

Após o gesto amigável de Quito, o impasse pode retornar à esfera comercial. Para isso, foi decisiva a mudança de tom de Brasília. Até então, bravatas e violências contra interesses brasileiros eram tratadas com condescendência pelo governo Lula.

Foi o caso da invasão militar de uma refinaria da Petrobras na Bolívia. No Equador, além da ocupação de instalações da Odebrecht, executivos da empreiteira precisaram se refugiar na representação brasileira, pois foram sumariamente ameaçados de prisão. Ações truculentas e injustificáveis desse tipo não podem ser recebidas passivamente.

O anúncio do calote levou o Planalto a convocar o embaixador brasileiro em Quito, o movimento mais agressivo da diplomacia no governo Lula. Respostas diplomáticas duras são um recurso extremo: não podem ser banalizadas, nem tampouco descartadas por princípio.

Brasil compra 12 helicópteros russos de combate para a FAB

Contrato assinado por Lula e Medvedev é estimado entre US$ 250 mi e US$ 300 mi

Em reunião no Itamaraty, no Rio, presidentes firmam acordo para isentar turistas dos dois países de vistos para visitas de até 90 dias 

RAPHAEL GOMIDE

DA SUCURSAL DO RIO 

 

O Brasil anunciou ontem a compra de 12 helicópteros de ataque e transporte de tropas Mi-35M para a Força Aérea Brasileira, durante o último dia da visita do presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, ao país.

O contrato, estimado entre US$ 250 milhões e US$ 300 milhões, prevê ainda o fornecimento de peças para as aeronaves. A FAB não falou sobre detalhes do contrato, que vinha sendo negociado há dois anos.

O Mi-35M é um dos mais modernos helicópteros do mundo, podendo transportar oito soldados, e deverá ser empregado na Amazônia -por sinal um dos teatros de operações do mesmo aparelho na vizinha Venezuela. Hoje o Brasil não tem helicópteros de ataque, improvisando armamentos em aparelhos de transporte.

Foi assinado também um protocolo de intenção de cooperação militar de amplo espectro, mas de pouca substância. De todo modo, é um passo para Moscou tentar reposicionar-se na disputa com a França pelo papel de parceiro estratégico do país no campo de defesa -embora o acordo a ser assinado com Paris na visita do presidente Nicolas Sarkozy em dezembro deverá ser bem mais detalhado e aprofundado.

Ele deverá incluir a compra de 50 helicópteros de transporte, de tecnologia menos avançada, da França. Eles seriam montados em Minas Gerais pela Helibrás, que é subsidiária da francesa Eurocopter.

A aquisição das aeronaves foi informada durante o encontro do presidente Lula com Medvedev, no Palácio do Itamaraty, no centro do Rio. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, estava presente no encontro ontem.

A Agência Espacial Brasileira e a Agência Federal Espacial da Federação da Rússia firmaram programa de cooperação para usar e desenvolver o Sistema Global de Navegação por Satélite russo, o Glonass -que pretende ser uma alternativa ao consagrado GPS, controlado pelos Estados Unidos.

Pelo combinado no acordo, as partes não podem vender ou transferir a terceiros produtos de destinação militar ou informações obtidas nesse intercâmbio, sem autorização prévia, por escrito, da outra parte.

Outro fruto das reuniões dos presidentes do Brasil e da Rússia foi a isenção de vistos de curta duração para turistas brasileiros e russos. Nacionais dos dois países poderão entrar, sair e transitar pelo outro Estado por até 90 dias, a cada período de 180 dias, a partir da primeira entrada, sem visto.

A decisão vale apenas para as visitas de turismo; para exercer alguma atividade profissional, missionária, trabalho voluntário, estudo, estágio ou pesquisa, continua a ser necessário ter o visto correspondente.

O presidente do Brasil afirmou que o comércio com a Rússia deve ir além das commodities e incluir produtos de maior valor agregado. Lula citou as áreas de tecnologia e militar, e disse que o PAC oferece uma oportunidade de empregar a experiência russa em ferrovias e infra-estrutura, bem como a Rússia pode se beneficiar do know-how brasileiro em biocombustíveis.

Medvedev foi ontem para a Venezuela, onde navios russos chegaram para polêmicos exercícios conjuntos no Caribe, e depois segue para Cuba.

 

Rússia e Brasil: mais perto que nunca

Isenção da necessidade de vistos entre as nações marca novo patamar nas relações bilaterais

Marsílea Gombata

 

"Brasil e Rússia estão mais próximos do que a distância geográfica sugere". A declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reflete um momento auspicioso das relações entre Brasil e Rússia – os parceiros nos Brics nunca estiveram tão próximos. E o maior símbolo dessa cooperação foi acertado ontem, com o Acordo para Supressão de Vistos para Portadores de Passaportes Comuns, assinado pelos chanceleres Celso Amorim e Sergei Lavrov – seguido por tapinhas nas costas – no Palácio do Itamaraty, no Rio.

– Sabemos que para isso (aumentar a cooperação bilteral), precisamos aproximar nossos povos – lembrou Lula. – Com esse novo termo, teremos mais fluxo de pessoas entre os dois países.

O encontro, que confirmou a determinação dos dois líderes em aprofundar a Parceria Estratégica bilateral, lançada em 2002, celebrou também o 180° aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas entre os países.

– Nos próximos dois ou três anos, no entanto, devemos fazer muito mais do que foi feito nesses anos – sinalizou Medvedev.

 

Acordos

Na reunião, estritamente pragmática, os dois mandatários assinaram acordos de cooperação entre os dois governos. Num deles, foi estabelecido o apoio russo para modernização do Veículo Lançador de Satélites brasileiro (VLS), além do desenvolvimento do sistema de satélite com base na tecnologia russa do Glosnass (o GPS russo).

Os acordos firmados de Cooperação Aero-Militar e Técnico-Militar têm por objetivo dar continuidade ao contrato entre o Comando da Aeronáutica do Brasil e a Empresa Federal Estatal Unitária Rosoboronexport, relativo à aquisição de helicópteros MI-35-M, apoio técnico para manutenção das aeronaves, além de fortalecer a colaboração entre a Aeronáutica e o Serviço Técnico-Militar Russo, e permitir a formação de parcerias para o desenvolvimento de novas tecnologias no setor de defesa.

Após a assinatura dos acordos, Lula fez questão de sublinhar o interesse do governo brasileiro em receber investimentos russos para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

– Acredito que a Rússia poderia colaborar na parte de infra-estrutura das hidrelétricas que estão sendo feitas – pediu.

O presidente brasileiro reafirmou, ainda, as posições brasileira e russa quanto à necessidade de fortalecer e reformar a Organização das Nações Unidas e agradeceu o apoio de Moscou à candidatura do Brasil para membro permanente do Conselho de Segurança.

 

Cultura

Durante o encontro, o setor cultural recebeu especial atenção. Enquanto Lula elogiou o desempenho das atividades da escola do Teatro Bolshoi em Joinville, Santa Catarina, Medvedev mostrou entusiasmo em relação às escolas brasileiras de futebol na Rússia:

– Também queremos atingir o nível que tem o futebol brasileiro. Em visita ao Maracanã, ontem, tive muito prazer em ver como tratam esse esporte aqui.

No setor econômico, Medvedev assinalou que o caminho para se evitar a dupla tributação é fundamental para a cooperação entre empresários dos dois países. O Brasil é, atualmente, o principal parceiro comercial de Moscou na América Latina. A troca comercial entre os países triplicou desde 2003 e fechará o ano em torno de US$ 6 bilhões. 

Depois de concordarem sobre a urgência da criação de mecanismos contra a crise atual – classificada por Lula como oportunidade para fortalecer os Brics – os líderes concordaram com a realização da primeira reunião do grupo na Rússia, no ano que vem.

Equador ameaça não comprar aviões do Brasil

Crise com BNDES deve afetar vendas de país vizinho 

 

BRASÍLIA. O presidente do Equador, Rafael Correa, revelou ontem que o país pode recorrer a outro fornecedor que não o Brasil para a compra de 24 aeronaves de combate e um avião para uso presidencial, segundo a agência de notícias AFP. 

- Nós, pela integração regional, sempre tentamos privilegiar os mercados regionais, mas podemos comprar de outro país - disse Correa à AFP, antes de embarcar para uma cúpula da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) em Venezuela. 

A ameaça de suspender a compra de aeronaves da Embraer é mais um capítulo do impasse entre Correa e o BNDES, que levou o Brasil a considerar a revisão dos projetos bilaterais com o Equador. A decisão deve frustrar o sonho de empresários equatorianos de venderem mais ao Brasil. 

Está na lista de itens sujeitos à suspensão a adoção de um programa de substituição competitiva das importações, cujo fim seria diminuir barreiras tarifárias, técnicas e fitossanitárias que dificultam as vendas de produtos equatorianos para o Brasil, como bananas, têxteis, palmito, flores e pescados. 

Com isso, a idéia de buscar mais equilíbrio na balança comercial entre os dois países fica postergada. O Brasil tem superávits significativos com os países da América do Sul. O Equador, por exemplo, amargou déficit de US$670,8 milhões entre janeiro e outubro deste ano, 40,6% acima do registrado no mesmo período de 2007. 

 

Custo elevado do transporte é empecilho 

Segundo técnicos do governo, o estreitamento do intercâmbio comercial entre os dois países passaria ainda pelo custo de transporte. Pesquisa da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex) mostra que não há como transportar mercadorias por terra. O transporte marítimo é afetado pela baixa freqüência de navios e o tempo da viagem, que elevam o custo e inviabilizam a venda de mercadorias frescas. A freqüência de fretes aéreos também é muito baixa. 

A suspensão do projeto do complexo de transporte multimodal Manta-Manaus, com financiamento do BNDES estimado em US$1 bilhão, é um balde de água fria nesta integração. O Brasil interrompeu as negociações do projeto logo após a expulsão da Odebrecht. (Eliane Oliveira, com agências internacionais)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Polêmica russa no mar caribenho de Chávez

Embarcações da Rússia que participarãode manobras militares chegaram ontem a porto da VenezuelaO presidente da Venezuela, Hugo Chávez, não perdeu tempo se lamentando pela derrota sofrida nas eleições estaduais e municipais. Ontem, tratou de se ocupar com um assunto tão polêmico quanto ele próprio: a chegada de navios russos para exercícios militares em pleno Mar do Caribe. Esta é a primeira vez, desde a Guerra Fria, que a Rússia autoriza uma ação desse tipo em mares sob influência dos Estados Unidos.

O cruzador Pedro, o Grande e o destróier Almirante Chabanenko – apoiados por outras duas embarcações – chegaram por volta das 9h a La Guaira, cidade a cerca de 30 quilômetros da capital, Caracas. Quando entraram no porto, os russos dispararam uma salva de 21 tiros de canhão para dar as boas-vindas aos anfitriões venezuelanos, que responderam com o mesmo número de disparos.

Na segunda-feira, longe dali, no Palácio de Miraflores, Chávez insistia em dizer que as manobras eram apenas um exercício militar e não uma provocação aos EUA:

– Estão espalhando a mentira de que a Venezuela está se convertendo em uma plataforma no Caribe para uma nova Guerra Fria.

Em seguida, completou:

– Estamos fazendo treinamentos até mesmo com o Brasil. Não é uma provocação, é apenas um intercâmbio entre dois países livres.

Exercícios contarão com a participação de 2,3 mil homens

Para analistas políticos, os exercícios militares nas águas do Caribe fazem parte de uma estratégia do Kremlin de, a longo prazo, se contrapor à hegemonia americana nas Américas. Moscou também estaria se aproximando de conhecidos inimigos dos EUA, como Venezuela e Cuba, em uma resposta à crescente influência de Washington junto a países da antiga União Soviética – situação que se acirrou com o apoio americano à Geórgia após a invasão da Ossétia do Sul e com os planos de instalação de um escudo antimísseis na Europa. Seja como for, observadores americanos estarão na região, de olho nos exercícios que começam a ser realizados a partir de hoje em porto e, a partir de 1º de dezembro, em alto-mar. Chávez não precisou onde ocorrerão as manobras.

O início das atividades coincide com a chegada do presidente da Rússia, Dmitry Medvedev, prevista para hoje. Uma visita dos dois chefes de Estado à frota ainda não está confirmada.

No total, 2,3 mil homens dos dois países participarão de exercícios de comunicação, manobras de combate ao narcotráfico e ao terrorismo, transferência em alto-mar e simulação de guerra antiaérea – que incluirá o uso de caças russos Sukhoi. A Venezuela já gastou mais de US$ 4 milhões em compras de armamento russo e deve analisar novas aquisições durante a visita de Medvedev.

Itamaraty baixa o tom da crise

Em depoimento no Senado, embaixador em Quito aponta “sinais positivos” e nega que o BNDES tenha sofrido calote. Diplomata diz que reação do governo foi “correta”, mas oposição cobra firmeza

Isabel Fleck 

Da equipe do Correio 

 

Após o mal-estar criado com a decisão anunciada pelo governo equatoriano de não pagar uma dívida de US$ 242,9 milhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o governo brasileiro tentou ontem amenizar o tom em relação ao país vizinho. Em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, o embaixador brasileiro em Quito, Antonino Marques Porto e Santos, negou que tenha havido calote e disse que o governo de Rafael Correa tem dado “sinais positivos” em relação ao tema. O diplomata também elogiou várias vezes a decisão do Itamaraty de convocá-lo para vir ao Brasil a fim de reavaliar as relações bilaterais. Horas antes, o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, tinha dito que é preciso “deixar a coisa decantar”. 

“Não vamos falar em calote, porque não foi isso que aconteceu. O que houve foi uma indicação, por parte do presidente Correa, no discurso de apresentação de um relatório sobre a dívida externa equatoriana, de que ele recorrerá à Corte Internacional de Paris”, disse o embaixador. Ele lembrou que a primeira parcela da dívida já foi paga. Segundo Antonino, a decisão de Quito de questionar a dívida contraída para construir a hidrelétrica de San Francisco — obra realizada pela construtora brasileira Odebrecht — perante a Câmara de Comércio Internacional (CCI) faz parte de uma política muito mais ampla do governo equatoriano. “Eles estão revendo toda a questão da dívida externa. Isso está na plataforma política de Correa”, argumentou. 

O ministro de Setores Estratégicos do Equador, Galo Borja, disse à agência France-Presse que o país continuará pagando o empréstimo ao BNDES até que saia a decisão judicial na CCI. A notícia, segundo Antonino, é um bom sinal. “Não é necessariamente uma demonstração de abertura, mas é a indicação de uma maneira muito positiva de tratar a questão”, disse. A próxima parcela, no valor de US$ 18 milhões, vencerá no fim deste mês. Segundo o embaixador brasileiro, a dívida com o BNDES pode chegar a US$ 462 milhões, somados juros e encargos. 

 

Perplexidade 

Diante dos questionamentos dos senadores sobre a reação do governo brasileiro, Antonino foi enfático ao responder, várias vezes, que a decisão do Itamaraty de chamá-lo ao Brasil para conversar foi acertada. “A reação do governo brasileiro foi muito adequada ao tipo de situação, e demonstrou, de modo diplomático, a perplexidade e o desconforto com a decisão do Equador”, disse. O embaixador revelou que, nos últimos dias, autoridades brasileiras e equatorianas têm mantido contato e que, em Brasília, o governo está reavaliando cerca de 30 acordos de cooperação bilateral. Entre eles está o corredor Manta-Manaus — que ligaria os oceanos Atlântico e Pacífico — e que, segundo o diplomata, está “um pouco sub judice”. 

Para o presidente da Comissão, senador Heráclito Fortes (DEM-PI), o Brasil “não pode cochilar” neste momento. “O presidente Correa, tentando dar satisfação ao povo do seu país por um motivo que não vem ao caso, está tentando fazer uma empresa brasileira de bode expiatório e, acima de tudo, passar um calote em um banco do governo brasileiro, o que nós não podemos aceitar”, disse Fortes. O senador ainda criticou o fato de o BNDES ter investido tamanha quantia no exterior sem consentimento do Legislativo. “É inaceitável que esse dinheiro todo saia do Brasil sem autorização do Congresso Nacional, por meio de sua Comissão de Assuntos Econômicos. Se empréstimos do BNDES para governos estaduais têm que passar, por que não o que vai lá para fora?”, questionou.

 

Saída à francesa

É por causa do satélite de comunicações e do submarino nuclear que o presidente Lula prefere a parceria com a França, em detrimento dos Estados Unidos e da Rússia

Não existe nada que deixe um russo mais satisfeito com a hospitalidade brasileira do que um bom rodízio de churrasco regado a caipirinha. O risco é o convidado passar mal de tanto comer e beber. Nada mais natural, portanto, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ofereça um banquete à gaúcha ao jovem presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, sob a guarda do Cristo Redentor, no Palácio Guanabara, no Rio, tendo como co-anfitrião o governador Sérgio Cabral Filho (PMDB). 

 

Rússia 

Por trás da gastronomia, porém, há dois recados: o Brasil pretende comprar os “soviéticos” helicópteros de ataque MI-35, verdadeiros tanques voadores, mas quer que os russos ampliem as cotas de exportação para os produtos brasileiros, principalmente a carne. Ou seja, a cooperação militar com a Rússia depende da ampliação das relações comerciais de US$ 5 bilhões para US$ 10 bilhões e, principalmente, de uma política de transferência de tecnologia na área militar, à qual os russos são reticentes. Eles argumentam que isso exigiria uma escala de compras de armamentos semelhante às da China e da Índia, o que não é o caso brasileiro. 

Oficialmente, no Ministério da Defesa, essa é a razão de o Brasil ter desclassificado os mais versáteis aviões de caça da atualidade, o Sukhoi SU-35, na licitação para renovação da esquadrilha de ataque da Força Aérea Brasileira. Os helicópteros russos, porém, são eficientes e robustos, têm tecnologia menos sofisticada e servirão de pau para toda obra na Amazônia. Além disso, os russos topam produzir no Brasil as peças de reposição. A compra dos aviões russos, diga-se de passagem, foi uma das causas da queda do ex-ministro da Defesa José Viegas Filho. 

O governo brasileiro acendeu uma vela para Deus e outra para o diabo. Ao rejeitar os Sukhoi na habilitação para a licitação, sinalizou aos norte-americanos que vai manter a cooperação com os russos em termos moderados, ao contrário da Venezuela de Hugo Chávez ; ao mesmo tempo, abriu a porta para a compra de novos caças franceses Rafaele F 3 em substituição aos velhos Mirages. O problema é que os pilotos brasileiros preferem os F-18 E norte-americanos. Aliás, recentemente, com os F-5 recauchutados da FAB, deram um baile nos pilotos franceses durante exercícios aéreos conjuntos da Cruzex IV em que derrubaram os Mirage2000 baseados na Guiana Francesa. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, por razões geopolíticas, não esconde a torcida pelo Rafaele; o comandante da Aeronáutica, Junit Saito, por razões militares, prefere os aviões ianques. 

 

França 

No governo, quem defende maior cooperação com a Rússia é o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, por causa do futuro da Amazônia, da qual os russos estão mais distantes. Mas o que avança mesmo é a cooperação militar com a França (que tem um pedaço do território no subcontinente), na qual Jobim aposta todas as suas fichas. Haveria de parte dos franceses mais disposição para a transferência de tecnologias do que revelam norte-americanos e russos. Além dos aviões, os franceses querem nos vender um novo satélite de comunicações, que deixaria o Brasil livre da dependência em relação aos norte-americanos nessa área. Em tempos de “guerra eletrônica”, durante visita à França, Jobim se encantou com o projeto de “soldado do futuro” (infantaria com comunicação e equipamentos integrados), utilizando veículos blindados leves de transportes de tropas como ponto de apoio para “guerra em rede”. 

Porém, a menina dos olhos da cooperação militar Brasil-França é a transferência de tecnologia para a construção do submarino nuclear que está sendo desenvolvido pela Marinha brasileira. Em termos doutrinários, para os militares, nosso país não terá “poder de dissuasão” para defender a plataforma continental e a chamada “Amazônia Azul” sem esse submarino, capaz de submergir por longos períodos e atacar de surpresa à longa distância da costa. Os ciclos de construção do seu reator nuclear e do combustível (urânio enriquecido) estão dominados, mas falta o principal em qualquer embarcação: o casco. O Brasil precisa construir os enormes anéis do casco e soldá-los; a França se dispõe a fazer isso por aqui, num estaleiro preparado para transferir tecnologia. É por causa do satélite e do submarino nuclear que o presidente Lula prefere a parceria com a França, em detrimento dos Estados Unidos e da Rússia. De quebra, deixaria o Brasil de fora da histórica rivalidade entre os dois protagonistas da antiga Guerra Fria. Tudo isso, é claro, se uma recessão mundial não atrapalhar.

 
Aposta duplicada

Dmitri Medvedev reafirma no Rio a meta de dobrar o comércio da Rússia com o Brasil e atingir US$ 10 bilhões “nos próximos anos”. Petrobras faz apresentação de biocombustíveis e negocia parcerias

Da Redação 

 

O presidente da Federação Russa, Dmitri Medvedev, pretende duplicar o comércio com o Brasil e ampliar a cooperação em áreas de alta tecnologia. “Espero que nos próximos anos o total atinja US$ 10 bilhões por ano”, disse Medvedev em almoço oferecido pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, com a presença de empresários dos dois países. Em 2007, o comércio bilateral totalizou US$ 5 bilhões. Em apenas um ano, segundo o visitante, esse montante poderia ser ampliado em US$ 1 bilhão. Participaram do evento o prefeito eleito do Rio, Eduardo Paes, e o governador de São Paulo, José Serra. 

O almoço teve cardápio requintado, com direito a moqueca de peixe acompanhada de espuma de coco, com mousse de fruta-do-conde para sobremesa. Mas no jantar oferecido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Itamaraty optou, a pedido da comitiva russa, por um simples churrasco. Em suas declarações, Medvedev não evitou assuntos considerados indigestos. Disse que Brasília e Moscou montaram uma parceria estratégica e lideram o crescimento global. Lembrou que conversou há poucos dias com Lula para que os dois países se esforcem em aumentar a cooperação, apesar da crise financeira. Os dois presidentes terão hoje um encontro de trabalho no Palácio do Itamaraty (no Rio). 

Para o presidente russo, os países do Bric (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia e China) estão em melhores condições do que os demais para se saírem bem em meio ao cenário econômico desfavorável. Medvedev citou que a Rússia mantém um crescimento respeitável, na casa dos 7%. Depois, em entrevista coletiva, afirmou que seu país gostaria que a carteira do comércio bilateral, hoje composta basicamente por matérias-primas, fosse mais diversificada. “Está longe do ideal. A principal tarefa é incluir setores de alta tecnologia. Podemos trocar opiniões e criar joint ventures nas áreas espacial, de aviação, militar-industrial e energética, inclusive no campo nuclear. Temos esse potencial.” 

 

Petróleo e armas 

Uma das áreas de cooperação delimitadas pela comitiva russa foi a da produção de petróleo. Pela manhã, Medvedev visitou a sede da Petrobras e assistiu a uma palestra do presidente da empresa, José Sergio Gabrielli de Azevedo, que apresentou detalhes sobre a atuação da estatal, no Brasil e no exterior. O chefe de Estado percorreu uma exposição sobre biocombustíveis, com amostras de matérias-primas (cana-de-açúcar e sementes de oleaginosas, como mamona, soja e girassol), informações sobre pesquisa e produção e sobre veículos flex. O presidente russo recebeu amostras de biodiesel obtido a partir das diferentes plantas. 

A Petrobras tem um memorando de entendimentos assinado com a Gazprom, maior empresa russa e maior produtora mundial de gás (a Rússia tem as principais reservas). O documento tem o objetivo de avaliar oportunidades de parceria entre as companhias, inclusive na extração em águas profundas e na camada pré-sal. 

Antes de visitar a Petrobras, o presidente russo depositou uma coroa de flores no Monumento aos Pracinhas, no Parque do Flamengo. Por questões protocolares, os ministros não podem se reunir com um chefe de Estado estrangeiro antes que ele se encontre com o mandatário brasileiro. Por isso, nenhuma autoridade civil acompanhou Medvedev na cerimônia, que teve como anfitrião o comandante militar do Leste, general Luiz Cesário da Silveira Filho. 

O Brasil precisa reequipar suas Forças Armadas, o que atrai o interesse de inúmeras indústrias bélicas estrangeiras. A Rússia espera participar desse mercado e aguarda a assinatura do contrato da concorrência AH-X, para o fornecimento de 12 helicópteros de ataque, vencida pela fabricante russa Mil com o modelo Mi-35. O valor previsto, de US$ 240 milhões, pode subir para US$ 300 milhões com a exigência brasileira de incluir equipamentos nacionais da Aeroeletrônica, subsidiária da Elbit (israelense) instalada em Porto Alegre. 

Por enquanto, o Ministério da Defesa vem privilegiando a França. Em dezembro, o presidente Nicolas Sarkozy assinará no Rio um acordo de aliança estratégica que oferecerá ao Brasil não apenas armas, mas também a tecnologia para a produção doméstica de helicópteros e submarinos. 

 

 

Viagem de resultados

Principais acordos e entendimentos fechados na visita de Dmitri Medvedev 

 

Declaração política 

Abordará a crise financeira global e a necessidade de proteger as economias em desenvolvimento do contágio recessivo 

Afirmará as coincidências em temas como a reforma das Nações Unidas, mas sem apoio explícito à candidatura brasileira ao Conselho de Segurança 

Definirá um plano de ação para a parceria estratégica firmada entre os dois países em 2004.

 

Vistos 

Será suprimida, em caráter recíproco, a exigência de visto para turistas nas viagens entre os dois países 

 

Cooperação militar 

Será fechada a compra de 12 helicópteros russos Mi-35, de ataque 

Será firmado um acordo de parceria para o desenvolvimento de equipamento bélico, composto de um acordo-quadro, um de proteção de conhecimentos e outro sobre propriedade intelectual 

Uma área específica que está sendo contemplada para trabalho conjunto é a aviônica (equipamento eletrônico de bordo) 

 

Energia 

A Gazprom, gigante estatal do petróleo e do gás e uma das maiores empresas do mundo, prepara a instalação de escritório no Rio de Janeiro. Já tem parcerias em estudos e em andamento com a Petrobras 

A Lukoil, maior petroleira privada da Rússia, enviou ao Rio seu presidente e explora as possibilidades de participar na prospecção e extração no Brasil, especialmente na camada pré-sal 

 

Aliança tecnológica 

Em nível governamental, os dois países selecionam áreas como nanotecnologia e microeletrônica 

Integra a comitiva o presidente da empresa espacial Roskosmos, que já tem técnicos trabalhando com o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos (SP), no redesenho do Veículo Lançador de Satélites (VLS) 

 

  

BNDES é notificado sobre processo do Equador

Se governo equatoriano der o calote no banco, pode ser expulso do Convênio de Créditos Recíprocos

Denise Chrispim Marin



O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já está formalmente notificado sobre o processo de arbitragem promovido pelo Equador para não pagar os US$ 243 milhões devidos ao banco brasileiro.

Anteontem, o BNDES recebeu a notificação da Comissão de Comércio Internacional (CCI) do acolhimento do pedido de Quito e começou a preparar sua defesa.

A rigor, o Equador ainda não deu o calote no BNDES. Se houver inadimplência, o Tesouro terá de cobrir o rombo no banco porque concedeu o seguro do risco político da operação e Quito se verá diante da possível expulsão do Convênio de Créditos Recíprocos, mecanismo que reduz custos dos financiamentos das exportações entre os 12 sócios da Associação Latino-Americana de Integração.

A expectativa do Itamaraty e do BNDES é que o Equador tenha o cuidado de não efetivar o calote. A prova dos noves se dará em 29 de dezembro, quando o Equador terá de pagar a segunda parcela - de US$ 28 milhões - do financiamento para a construção da Hidrelétrica de San Francisco.

Ontem, na Comissão de Relações Exteriores do Senado, o embaixador do Brasil em Quito, Antonino Marques Porto e Santos, disse que o ministro equatoriano de Coordenação de Setores Estratégicos, Galo Borja, declarou que seu país não dará um calote enquanto o processo de arbitragem estiver em andamento.

Na semana passada, o Itamaraty começou a rever os 30 projetos de cooperação do Brasil com o Equador e anunciou, anteontem, que suspenderá todos que envolvam financiamento de instituições oficiais brasileiras.

O ministro de Defesa equatoriano, Javier Ponce, disse ontem que Quito não vai pedir empréstimo ao BNDES para financiar a compra de 24 aviões Supertucanos, da brasileira Embraer, no valor de US$ 261 milhões.

Jobim apresenta plano estratégico

O ministro Nelson Jobim apresentou ontem a parlamentares pontos do Plano Estratégico de Defesa, a ser discutido com o presidente Lula. A proposta prevê expansão dos meios da Marinha - por conta das descobertas de petróleo nas áreas do pré-sal -, recomposição da frota da Força Aérea e ampliação da elasticidade e flexibilidade do Exército. A idéia de fixar o orçamento da Defesa em 2,5% do PIB foi abandonada.

 

 

Plano Amazônia prevê doar lotes 

 

O plano do governo para regularização fundiária da Amazônia prevê a doação dos lotes de até 400 hectares aos atuais ocupantes, disse ontem o ministro Mangabeira Unger, coordenador do Plano Amazônia. De 401 a 1.500 ha, as áreas terão a regularização acelerada; de 1.501 a 2.500 ha, o governo tentará agilizar as regras de licitação; e, de 2.501 hectares para cima, abrirá caminho para a retomada de terras griladas.

Medvedev dá as regras do jogo

Presidente russo pede maior cooperação bilateral e um novo patamar de trocas com o Brasil

Marsílea Gombata

 

O presidente russo, Dmitri Medvedev, fez questão de ser direto e dizer a que veio, logo na primeira oportunidade:

– A Rússia está totalmente pronta para cooperar bilateralmente com o Brasil, apesar das dificuldades da crise – frisou. – Rússia e Brasil são conceitos importantes. O Brasil é nosso primeiro parceiro comercial na América Latina. Em 2007, o comércio bilateral foi de US$ 5 bilhões de dólares, mas a meta é que atinja US$ 10 bilhões anuais.

Na abertura do almoço – em que comeu moqueca, escondidinho de carne seca e mousse de fruta do conde – que teve com o governador Sérgio Cabral, no Palácio das Laranjeiras, o mandatário ressaltou a importância da parceria estratégica entre Rússia e Brasil, que "não pode ser impedida por nenhum obstáculo". Ambos os países, ressaltou Medvedev, estão se tornando líderes do crescimento global.

Além do intuito de duplicar o comércio com o Brasil e ampliar a cooperação tecnológica, o líder russo pediu um outro tipo de parceria com o governo brasileiro.

– Há setores em que podemos trocar opiniões, criar joint ventures, como o espacial, de aviação, o complexo militar-industrial e o setor energético – lembrou. – Precisamos passar desse tipo de intercâmbio de compra e venda para um novo patamar, com produção de alta tecnologia e comércio de itens com maior valor agregado.

Para explorar tal propósito, no entanto, ele defendeu o fim de dupla tributação e também a dinamização do trabalho do conselho empresarial Brasil-Rússia.

 

Gazprom

Depois do descontraído discurso de Sérgio Cabral – no qual lembrou que o estado do Rio é a "capital energética, sede das principais empresas da área do Brasil, e maior produtor de petróleo e gás" – o presidente russo ressaltou que todas as promessas feitas anteriormente por Moscou permanecem.

– A Gazprom inaugurar seu primeiro escritório aqui será um passo muito importante – disse o líder, que visitara rapidamente o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.

No encontro que terá hoje com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Medvedev assinará acordos para intensificar a cooperação aeroespacial, nuclear e de defesa, que inclui a venda de helicópteros, blindados e outros equipamentos ao Brasil.

O governo brasileiro, empenhado no Plano Estratégico de Defesa Nacional – a ser lançado ainda este ano – e no Conselho de Defesa Sul-Americano, pretende gastar bilhões de dólares para reequipar suas Forças Armadas.

Brasil e Equador ensaiam distensão

Vizinhos avisam que vão esperar decisão da Corte antes de consumar o calote no BNDES

Ayr Aliski

BRASÍLIA

 

A crise deflagrada pela ameaça de calote do governo do Equador no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) começa a dar sinais de distensão. Ontem, no mesmo dia em que a diplomacia brasileira pediu que o tema deixe de ser tratado como calote, o ministro de Setores Estratégicos do Equador, Galo Borja, confirmou que o país continuará a honrar a dívida de US$ 243 milhões contraída junto ao banco de fomento até uma decisão da corte arbitral de Paris.

– Não vamos falar em calote, porque não foi isso o que houve – afirmou o embaixador do Brasil em Quito, Antonino Marques Porto e Santos, ao participar de audiência pública na comissão de Relações Exteriores do Senado para tratar do assunto. – O que houve foi uma indicação por parte do presidente (Rafael) Correa, cujos elementos principais nós não conhecemos os detalhes.

O crédito, de US$ 243 milhões, foi concedido para a construção da hidrelétrica de San Francisco pela empreiteira brasileira Odebrecht. Menos de um ano antes de ser concluída, a usina apresentou problemas, o que provocou a paralisação das operações por quatro meses. Na última quinta-feira, quando anunciou que havia oferecido na véspera o recurso à Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, sediada em Paris, Correa ameaçou suspender imediatamente o pagamento. A ameaça, porém, não foi concretizada.

O embaixador Porto e Santos confirmou que a primeira parcela devida ao BNDES já foi paga. O próximo vencimento, de US 28 milhões, vence em 29 de dezembro. Por isso, preferiu tratar as declarações de Correa como ameaça. As autoridades brasileiras preferem não considerar a pior hipótese, por avaliar que poderia abalar a credibilidade do CCR, o Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos.

 

Caráter irrevogável

O CCR é um mecanismo de compensações entre os bancos centrais dos países que compõem a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). O ministro de Setores Estratégicos do Equador, Galo Borja, disse à imprensa equatoriana que só vai deixar de pagar o BNDES caso haja uma decisão favorável da Corte de Arbitragem.

Ontem, o BNDES foi oficialmente notificado pela Corte de que o governo equatoriano deu entrada no processo para cancelar o pagamento. Em 21 de novembro, nota do BNDES indicou que "o curso da operação no CCR confere à dívida caráter irrevogável e irretratável" e que "o não pagamento implica inadimplência do banco central devedor com os demais bancos centrais signatários do convênio". O entendimento é que a dívida do Equador com o BNDES é, portanto, parte da dívida externa.

Se houver decisão por não pagar o que deve pela usina de San Francisco, restará apenas a alternativa do Equador revogar a sua participação no CCR. A perda de credibilidade no CCR faria com que novas obras tivessem de ser pagas por meio de outros mecanismos – o que aumentaria custos, uma vez que exigiria maiores gastos com seguro. Um executivo do BNDES afirmou que, nas operações via CCR, o seguro tem um componente político.

O certo é que com pagamento ou com calote, as relações entre Brasil e Equador mudaram. É a primeira vez desde a Guerra do Paraguai que o Brasil chama de volta um embaixador da América Latina.

– Fui chamado pelo chanceler Amorim para consultas. Consultas significa um reexame das relações bilaterais à luz do que sucedeu. A partir daí serão tomadas decisões – disse Porto e Santos, que evitou comentar o impacto para outras operações bilaterais com o Equador.

A Odebrecht tem outros projetos em andamento no Equador, que demandaram US$ 650 milhões em investimentos. Entre os quais, a hidrelétrica Toachi-Pilatón, o sistema de irrigação Carrizal-Chone, o projeto Baba, de abastecimento de água e construção de uma pequena usina, além do aeroporto de Tena, na região amazônica. Por conta dos problemas em San Francisco a Odebrecht foi expulsa do país.

 

Equador: não vamos falar em calote, diz embaixador

BRASÍLIA - O embaixador do Brasil no Equador, Antonino Marques Porto e Santos, evitou classificar de "calote" a decisão do presidente equatoriano, Rafael Correa, de anunciar o não pagamento de um empréstimo de US$ 243 milhões ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em virtude de eventuais irregularidades em uma obra da Odebrecht no país. 

- Não vamos falar em calote - comentou o diplomata após participar de audiência pública na Comissão de Relações Exteriores do Senado. 

Ainda sobre o tema, o colegiado irá ouvir, em data a ser marcada, um representante de Relações Internacionais da Odebrecht.

Na avaliação do embaixador do Brasil em Quito, o governo brasileiro agiu corretamente ao, por meio de uma resposta diplomática, cancelar uma missão de alto nível que seria enviada ao país para negociar projetos no setor de transportes. 

Em audiência no Senado, Porto e Santos contestou ainda a iniciativa do governo de Rafael Correa de submeter à Câmara de Comércio Internacional, em Paris, o contrato de financiamento da usina de San Francisco, construída pela empreiteira brasileira. 

- Não posso dizer quais razões levaram o presidente do Equador a adotar essa medida. As razões ainda não estão exatamente claras para nós. O fato é que a lei utilizada no caso de diferença (contestação de contrato) é a lei brasileira, é o foro do Rio de Janeiro - disse.

Presente na audiência pública que debateu o embate diplomático entre Brasil e Equador, o chefe do Departamento de Relações Comerciais e de Governo do BNDES, Antonio Prado, confirmou que o banco de fomento recebeu nesta terça-feira o documento formal do governo equatoriano sobre a decisão de não pagar o empréstimo.

 

Aprendizado

Penoso tem sido o aprendizado do governo Lula na defesa dos interesses do Brasil em face de novos protagonistas da política sul-americana, principalmente na Bolívia e no Equador. Com Lula e a ascensão de governos ditos de esquerda na região, Brasília pôs em prática a diplomacia das afinidades ideológicas, segundo a qual o Brasil, peso pesado da região, não pode fechar os olhos às necessidades de "povos irmãos". 

O governo só entendeu a contrapartida quando Evo Morales ocupou com tropas uma refinaria da Petrobras na Bolívia, numa atitude ditatorial de expropriar para negociar depois. A negociação foi feita, mas a forma pirotécnica inicial serviu para alavancar o prestígio interno do governante diante de um Brasil pintado como rico e opressor. 

Caso similar se dá agora com o Equador, iniciado por problemas numa hidrelétrica construída por uma empreiteira brasileira, com assessoria de Furnas e financiamento do BNDES. O presidente Rafael Correa seguiu a receita do falar grosso, expulsando a empreiteira e Furnas, e retendo por algum tempo técnicos da primeira. Depois, sem prévia comunicação ao Brasil, submeteu à arbitragem internacional uma dívida de US$243 milhões para com o BNDES, referente à obra da usina. Desta feita, Brasília reagiu com firmeza, cancelando missão comercial ao Equador, chamando para consultas o embaixador em Quito e pondo sob reavaliação todos os projetos de cooperação e acordos com o país. 

A atitude equatoriana coloca em risco o Convênio de Crédito Recíproco (CCR), acordo entre os bancos centrais de América do Sul e Caribe que assegura o pagamento de empréstimos entre as nações signatárias e financia boa parte do comércio entre elas. Como assinalou o chanceler Celso Amorim, "ao ficar claro que uma garantia não é tão absoluta quanto se acreditava, o risco vai subir e afetar outros países da região". 

A conclusão é que, nesse aprendizado diplomático, o Brasil fica no prejuízo. Se há áreas de maior e desejável integração e cooperação com os vizinhos, outras há em que a defesa dos interesses nacionais vem claramente em primeiro lugar.

Equador espera decisão de dívida com BNDES

Eliane Oliveira, Chico de Gois e Cássia Almeida 

 

QUITO, BRASÍLIA e RIO. O Equador continuará pagando empréstimo do BNDES até o julgamento do caso na Câmara de Comércio Internacional (CCI), disse o ministro de Setores Estratégicos, Galo Borja, ontem à agência de notícias AFP. 

- Este tipo de empréstimo é feito com pagamentos automáticos de Banco Central a Banco Central. Isso está sendo respeitado e não haverá decisão contrária até o pronunciamento da Câmara. 

O BNDES já recebeu a notificação da CCI sobre a petição do Equador, contestando a dívida de US$242,9 milhões para financiar a hidrelétrica San Francisco, construída pela Odebrecht. Sem conhecer os termos da petição, o embaixador do Brasil em Quito, Antonino Marques Porto, afirmou que a declaração do ministro do Equador foi "um olhar novo do governo". 

Porto disse que a primeira parcela da dívida do Equador foi paga em setembro, no valor de US$15 milhões. A próxima parcela vence dia 29 de dezembro. 

- Não vamos falar em calote, porque não foi isso que houve - disse o embaixador. 

A Odebrecht confirmou a demissão de 3.800 funcionários da construtora no Equador. Os 37 brasileiros lotados no país vizinho serão mantidos. A empresa também disse que pode aproveitar alguns equatorianos, mas não adiantou quantos. A companhia não informou o custo das demissões.

 

'Brasil e Rússia vão superar a crise'

Em visita ao Rio, presidente russo, Dmitri Medvedev, faz agenda turística 

Liana Melo, Ramona Ordoñez 

e Bruno Villas Bôas 

 

O presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, disse ontem no Rio que os dois países têm muitas similaridades e dispõem de condições para enfrentar com dinamismo a crise financeira internacional. Segundo ele, tanto Brasil quanto Rússia são líderes no crescimento econômico e precisam aprovar rapidamente a convenção internacional que veda a bitributação para aprofundar suas relações comerciais. 

- Somos líderes no crescimento econômico. Nenhum obstáculo pode impedir esse cenário. Brasil e Rússia vão superar a crise - disse Medvedev, durante almoço com o governador do Rio, Sérgio Cabral, no Palácio Laranjeiras. 

Medvedev, que chegou segunda-feira ao Brasil para uma visita de dois dias, disse que as relações comerciais entre os dois países devem somar US$5 bilhões neste ano. Em 2009, esse valor pode subir para US$6 bilhões, chegando a US$10 bilhões em 2010. Para ele, a Rússia pode contribuir com o Brasil em áreas de aviação, energia nuclear e equipamentos militares. 

Cerca de 70 pessoas participaram do almoço, entre eles o governador de São Paulo, José Serra, e o prefeito eleito do Rio, Eduardo Paes. Cabral aproveitou o encontro para pedir voto na candidatura do Rio à sede das Olimpíadas de 2016. 

- Como político pede voto, vou pedir apoio dos russos - brincou o governador. 

 

Tour pelo Maracanã, Cristo e Monumento aos Pracinhas 

Fora o almoço, a agenda do presidente russo foi ocupada basicamente por passeios a pontos turísticos da cidade - ele conheceu o Monumento aos Pracinhas, visitou o Maracanã e subiu o Morro do Corcovado. 

Pela manhã, Medvedev visitou o Monumento aos Pracinhas, no Flamengo, onde homenageou os soldados brasileiros que morreram na Segunda Guerra Mundial. Usando um terno grafite, ele acompanhou os desfiles das Forças Armadas e colocou flores sobre o túmulo do soldado desconhecido. A cerimônia durou menos de uma hora e não houve discursos. 

Menos de dez minutos depois, ao meio-dia, o governante russo já estava na sede da Petrobras, no Centro do Rio, onde acompanhou apresentação do presidente da companhia, José Sérgio Gabrielli, sobre atividades exploratórias em águas profundas e as descobertas de petróleo no pré-sal. Em seguida, Gabrielli mostrou a tecnologia de produção do biodiesel e do etanol brasileiros. 

Depois do almoço no Palácio Laranjeiras, Medvedev seguiu com a comitiva ao Maracanã. Já trajando calça jeans e um blazer azul-marinho, ele entrou no gramado, visitou as dependências do estádio e, antes de terminar o passeio, passou na loja do Maracanã e comprou um bola de futebol e camisetas do Santos, São Paulo, Botafogo, Vasco e Fluminense, além de camisa da seleção brasileira e bonequinhos. Gastou cerca de R$600. 

Apesar do tempo nublado, ele aproveitou o final da tarde para conhecer a estátua do Cristo Redentor, no Corcovado. A visita durou 15 minutos e Medvedev tirou fotos da cidade com sua própria câmera.

 

Defesa anuncia operação contra o caos aéreo

BRASÍLIA. O governo anunciou ontem a operação Feliz 2009 para evitar caos nos aeroportos no fim do ano. A operação vai de 19 de dezembro a 7 de janeiro, com foco no Tom Jobim (Galeão), em Guarulhos e em Congonhas, considerados os lugares mais críticos. Nesse período, as empresas - que ontem se reuniram com as autoridades do governo - não poderão fazer overbooking (venda de passagens em número superior ao de assentos). Também se comprometeram a endossar passagens das concorrentes. 

As empresas terão de deixar aviões reservas e tripulantes nos aeroportos mais problemáticos. A Infraero e a Anac vão reforçar o quadro de funcionários e fiscais. Mas, desta vez, ao contrário do ano passado, os fiscais da agência não estarão vestidos com colete azul e passarão a atuar em áreas de check-in, pistas e centros de atendimento.

Quem tem medo da CPI das ONGs?

HERÁCLITO FORTES

Há muitas perguntas sem resposta. Precisamos dar uma satisfação à sociedade e a quem se preocupa com o destino das verbas públicas 

 

A julgar pelos senadores que assinaram o pedido para a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, ninguém. 

Pois foi um recorde de adesões, de todos os partidos, sem exceção. Por que, então, há um boicote tão sistemático, por parte da base do governo, ao seu funcionamento? Por que, depois de mais de um ano de sua instalação, não foi possível quebrar sigilos, aprofundar investigações sobre casos notórios -já levantados por órgãos insuspeitos, como o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União-, convocar pessoas, enfim, esclarecer o que se passa nesse setor? Talvez a pergunta certa seja: por que há tanto medo de que a investigação vá adiante e abra essa caixa-preta que já consumiu, sem controle, bilhões de reais? Mais de R$ 34 bilhões, de 1999 a 2006, segundo a CGU. 

Não há sequer dados definitivos sobre a quantidade de ONGs e suas congêneres no Brasil. Um estudo divulgado recentemente pelo IBGE analisa dados de 2005 e estima em 338 mil as entidades sem fins lucrativos em todo o país. Há quem diga que já existem mais de 500 mil. 

Não é possível que um universo dessa magnitude não mereça do governo e do Congresso atitude mais séria. Não se quer cercear o trabalho das boas organizações, que prestam serviços inestimáveis; a elas, o nosso aplauso. Mas, se queremos corrigir distorções, deve ser aí o nosso foco. 

A CPI, com maioria governista, nem sequer consegue quórum para as suas reuniões. O relator não apresentou um único pedido de quebra de sigilo, mesmo de casos que se tornaram escândalo nacional, como o que envolveu as fundações ligadas à UnB (Universidade de Brasília). 

Chama a atenção igualmente a omissão das entidades ligadas aos ditos movimentos sociais, que não pediram, não pressionaram os congressistas, não clamaram pelo esclarecimento dos escândalos e pela punição dos que desviam recursos públicos. 

Será por que estão igualmente envolvidas? Será por que a cada ministério dominado por determinado partido tem correspondido liberação de verbas para as entidades afins? Será por que foram cooptadas pelo governo? Recuso-me a acreditar que viraram todas "chapas-brancas". Deixo aqui alguns dados para reflexão: somente as organizações que se dedicam a causas ambientais e de defesa dos animais experimentaram, segundo o estudo do IBGE, um aumento de 61%, três vezes mais do que áreas como saúde e assistência social. 

O Ministério da Defesa calcula que, na Amazônia, existam mais de 100 mil entidades atuando, muitas delas estrangeiras, mas a Secretaria Nacional de Justiça não tem registradas nos seus cadastros nem 30 delas. Ou seja, o descontrole é total. 

Desde que passamos a insistir na instalação da CPI para analisar as irregularidades que envolvem ONGs e Oscips, o governo, que boicota os trabalhos sistematicamente, dá alguns espasmos de preocupação com o setor e finge que toma providências. 

Foi assim com um decreto anunciado como a grande moralização para esse segmento pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Que, porém, adiou sua aplicação, dizendo que ele só entraria em vigor neste ano; após, portanto, o período em que a legislação, por conta das eleições, ainda permitia assinatura de convênios. 

Depois, diante do noticiário sobre compra de terras na Amazônia por um empresário sueco -como se não soubesse que isso vinha acontecendo há anos-, anuncia que as ONGs estrangeiras terão que se cadastrar no Ministério da Justiça. Antes, em dezembro de 2006, já havia garantido que só receberiam verbas públicas entidades não-governamentais que se inscrevessem em cadastro no ministério e disponibilizasse suas contas na internet.

E por que o governo não passa da retórica à prática? Onde está esse anunciado controle? Quem viu as prestações de contas dessas organizações? Por que não há alguma forma de seleção pública para as entidades que assinam convênios com o governo? O próprio Tribunal de Contas da União, em diversas auditorias em que aponta um sem-número de irregularidades nessa relação, diz que ela mais parece uma "ação entre amigos". 

E, por fim, o governo anuncia anistia às filantrópicas que devem muito dinheiro para a União. Por meio de mais uma medida provisória, claro. 

Há muitas perguntas sem resposta, muita falta de transparência. Estamos a ponto de prorrogar os trabalhos da CPI. Precisamos dar uma satisfação à sociedade e aos que se preocupam com o destino dos recursos públicos. Mas não podemos deixar que esse novo prazo signifique mais omissão, mais encenação. Sem pressão externa, os senadores da base não vão se comover. E tudo ficará como está. É o que queremos? 

HERÁCLITO DE SOUSA FORTES, 58, senador pelo DEM-PI, é presidente da CPI as ONGs.