terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Índios pedem veto a controle sobre ingresso nas reservas

Decreto exige que as ONGs submetam seus projetos ao Ministério da Justiça

Indigenistas dizem que não participaram do preparo do texto; Tuma Jr. afirma que o debate incluiu a Funai e que a região precisa de "porteiro"

FERNANDA ODILLA

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

 

Índios e missionários pedem o arquivamento do decreto que restringe a entrada e o trabalho em terras indígenas. Prometem protestar contra as novas regras do Ministério da Justiça e denunciar que foram excluídos da discussão do texto durante o Fórum Social Mundial, que começa hoje em Belém (PA).

Encaminhado no início de dezembro à Casa Civil, o decreto obriga ONGs, religiosos, pesquisadores, ambientalistas e educadores a submeterem seus projetos em área indígena à análise prévia do Ministério da Justiça. O texto ficou 45 dias à espera da assinatura do presidente Lula. Há duas semanas, voltou para a equipe do ministro Tarso Genro, que não pretende alterar o documento.

A pressão de índios e indigenistas, porém, surtiu efeito. A Casa Civil devolveu o decreto ao Ministério da Justiça e diz que haverá uma consulta pública para debater as regras.

Pelo decreto, para entrar ou trabalhar em território indígena será preciso explicar o objetivo do projeto, seus custos e financiadores e apresentar estudo de impacto sociocultural. Se a reserva estiver na faixa de fronteira ou na Amazônia Legal, será preciso autorização do Ministério da Defesa e do Conselho de Defesa Nacional.

"Queremos colocar porteiro, porque porta a Amazônia já tem", diz o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr., um dos responsáveis pelo decreto, que pretende controlar a atuação de ONGs e de estrangeiros em áreas indígenas: as ONGs precisam se cadastrar no Ministério da Justiça e o pesquisador estrangeiro necessita de visto específico de trabalho.

Os indigenistas criticam o decreto e alegam que sua discussão ignorou até mesmo a Comissão Nacional de Política Indigenista, que faz parte do Ministério da Justiça. "Só tivemos conhecimento do decreto mais de dez dias depois de ele ter sido encaminhado à Casa Civil. Foi preciso exigir uma cópia para ler o texto", diz Saulo Feitosa, secretário-adjunto do Conselho Indigenista Missionário e membro da CNPI.

"Nem na época da ditadura houve esse tipo de controle. Tutela é coisa do passado", diz Feitosa, convencido que o governo cedeu às pressões de militares e do agronegócio.

 

Outro lado

Tuma Jr. defende o texto: "A natureza do problema exige um decreto urgente. Mas se a Casa Civil entender que é necessário uma consulta pública, que se faça logo". Ele nega que índios e indigenistas não participaram do debate e diz que a Funai e a Associação Brasileira de ONGs participaram da confecção do decreto. A Funai diz, porém, que só cedeu técnicos à pasta.

"É uma questão de soberania. A desculpa para internacionalizar a Amazônia é dizer que não há controle. Quando propomos regras, reclamam que é ditadura", lamenta ele.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Analistas vêem maior poderio militar

Compras recentes devem equiparar capacidade à de países como Espanha e Itália, levando a maior protagonismo

Wilson Tosta, RIO

 

Especialistas em defesa ouvidos pelo Estado afirmam que as compras de material militar recentemente fechadas pelo governo não apenas repõem a capacidade bélica do País, mas também apontam para uma alteração, a longo prazo, do peso político-estratégico do Brasil no mundo. Segundo esses pesquisadores, as Forças Armadas brasileiras continuarão distantes de países líderes no setor, como Estados Unidos, Rússia e China, e das potências europeias, como Reino Unido, França e Alemanha. Mas o País poderá aspirar a uma capacidade próxima da de outras nações da Europa, como Espanha e Itália, e assumir maior protagonismo internacional - exigível de um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, desejo da política exterior brasileira.

"É um processo de reposição e ao mesmo tempo de modernização", diz Geraldo Cavagnari, do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas (Unicamp). "Desde 1995, as Forças Armadas vêm sofrendo um processo de desmonte. Ficamos desatualizados em termos de tecnologia militar."

A movimentação na área estratégico-militar foi intensa nos últimos três meses. Incluiu a compra de 63 helicópteros - 12 da Rússia e 51 da França -, a aquisição, também dos franceses, de quatro submarinos Scorpène e da tecnologia do casco do submarino nuclear, além da construção de um estaleiro para montar as embarcações e uma nova base naval no Rio. Também foi lançada a Estratégia Nacional de Defesa, documento de 64 páginas que lista 19 ações a serem iniciadas entre 2009 e 2010, para dinamizar a área.

 

TECNOLOGIA

Todo o processo tem como prioridade a transferência de tecnologia. A mesma preocupação pautará a concorrência para os 36 novos jatos de ataque. A operação prevê que esse lote inicial seja seguido de outros até o total de 120 a 150 aeronaves.

Para Cavagnari, as compras vão alterar o peso estratégico do Brasil, porque vão "repor e renovar" as perdas das Forças Armadas desde 1995. No caso dos submarinos, ele destaca que as quatro unidades convencionais compradas da França serão as mais avançadas da frota.

A alteração maior de poder bélico, contudo, virá com a entrada em operação do submarino nuclear - previsto para 2020. Com ele, explica o pesquisador, "cresce o perfil político-estratégico do Brasil na América do Sul e no Atlântico Sul".

Cavagnari pondera, porém, que a mudança não colocará o Brasil entre as grandes potências militares. "O Brasil aspira a um assento no Conselho de Segurança, quando não é nem potência militar convencional. Então, se o Brasil quer um assento militar, tem de ser reconhecido como potência militar."

Doutorando no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e contra-almirante da reserva, Antônio Ruy de Almeida Silva destaca que o que acontece é uma recomposição de equipamentos das Forças Armadas. "Já a questão do submarino nuclear, para longo prazo, é uma mudança estratégica", diz ele, que também integra o Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). "Um país que tenha um submarino nuclear entra num seleto grupo de países do mundo, principalmente se domina a construção desse submarino. É uma mudança de patamar tecnológico e também no campo estratégico."

Ele destaca a importância da transferência de tecnologia: "Por exemplo, na Guerra das Malvinas, quando os argentinos quiseram usar os (mísseis) Exocet, precisaram de mais, mas houve restrições", conta. "No uso do satélite também."

Silva afirma que hoje o País tem um peso estratégico muito superior à sua capacidade militar. "O Brasil hoje conquista muita coisa pelo seu soft power, a capacidade de se articular com os países do mundo", explica. "O Brasil está com esse descompasso entre seu soft power e sua capacidade militar."

 

CONTRAPONTO

O professor da Universidade Cândido Mendes (Ucam) Márcio Scalércio, mestre em história e doutorando em relações internacionais na PUC do Rio, tem posição diversa. "Acho que essas compras são feitas com o objetivo, que acho mais importante, de o País saber o que se passa no seu território."

Scalércio destaca, porém, que pelo prazo das aquisições pode-se dar início a uma política de Estado, não de governo, para a defesa. "É uma política mais ampla, porque a aquisição desse material implica também uma reestruturação das Forças Armadas para que usem adequadamente esse material."