quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Demarcação de reserva preocupa ministros do STF

Cinco dos 11 integrantes da Corte, entre eles seu presidente, temem que modelo contínuo prejudique Roraima
Carolina Brígido

BRASÍLIA. Pelo menos cinco dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estão preocupados com a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Na reserva estão localizados dois municípios, outros povoados de não-índios, uma rodovia federal, plantações de arroz importantes para a economia do estado e um terreno destinado à construção de uma hidrelétrica. No julgamento que começa hoje, essas áreas poderão ser excluídas da reserva, preservando a convivência de índios com outras pessoas.
Três ministros manifestaram essa opinião ao GLOBO em caráter reservado. Outros dois - o presidente, Gilmar Mendes, e Celso de Mello - declararam a preocupação com o tipo de demarcação da reserva em entrevistas concedidas em abril.
Também há polêmica em torno das fronteiras com a Guiana e a Venezuela, zona propícia a conflitos e ao narcotráfico. Será discutido se essas áreas poderão fazer parte da reserva indígena, com a possibilidade de atuação do Exército na segurança local, ou se serão também excluídas de Raposa Serra do Sol.
- Deve ser discutido o modelo (de demarcação) em ilhas de preservação. Precisamos discutir opções minimamente viáveis. O que não pode é você criar um estado e depois criar uma reserva que tenha 50%, 60% do seu tamanho. Esse processo será um aprendizado para o país - disse Gilmar, em abril.
- Parece-me quase certo que (a demarcação da reserva) significaria a falta de uma base física para que o Estado de Roraima exerça sua autonomia - completou Celso de Mello.
Há 19 mil habitantes na reserva, dos quais pouco mais de uma centena não são índios. A área, de 1,67 milhão de hectares, é registrada em cartório como de propriedade da União. Em 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso declarou o local como de posse permanente indígena. Em 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto homologando a demarcação das terras de forma contínua. Em abril deste ano, a PF começou a retirada de não-índios, mas o STF determinou a suspensão da operação, até que a demarcação fosse julgada pelo tribunal. Ontem, um grupo de índios a favor da demarcação em área contínua fez uma manifestação na frente do STF.

'A gente não vai aceitar limite de arrozeiro'

Índios avisam que STF não os impedirá de ocupar as terras

BOA VISTA e BRASÍLIA. Na véspera da sessão do Supremo Tribunal Federal sobre Raposa Serra do Sol, representantes dos 18 mil índios que vivem na reserva avisam que não deixarão de ocupar nenhuma área, mesmo que a Corte autorize a permanência de arrozeiros e agricultores brancos. A Polícia Federal recebeu reforço para monitorar a área nos próximos dias e a Força Nacional de Segurança está na região.
- O STF pode tomar qualquer decisão que seja, mas aquela terra ali nós vamos continuar ocupando. Os povos indígenas não vão sair de lá, sendo a demarcação em área continua ou em ilhas. A gente não vai aceitar limite de arrozeiro ou de alguém que queira limitar nossa terra - disse o coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, voltou a afirmar que, se o STF anular a homologação da reserva em terras contínuas, poderá provocar revisões em massa de outros territórios indígenas já demarcados pelo governo federal. O decreto foi assinado pelo presidente Lula em 2005 e, desde então, tem sido encarado com um marco da política indigenista do governo federal.
- A revisão abre um precedente que pode levar instabilidade às decisões tomadas pelo governo em demarcações chanceladas - disse Tarso.
O ministro disse que o governo manterá tropas da Força Nacional e da Polícia Federal em locais estratégicos na reserva pelo tempo que for necessário. O governo teme que, qualquer que seja o resultado da sessão de amanhã, grupos extrapolem em protestos.
- Não será por falta de pessoal que teremos instabilidade na região - disse Tarso.

Marina apela por demarcação contínua
A senadora Marina Silva (PT-AC) apelou ao Supremo para que aprove a demarcação contínua. Ela disse que uma decisão favorável aos arrozeiros, que querem preservar ilhas para a atividade agrícola, pode pôr em risco a segurança dos índios em centenas de outras reservas.
- Aceitar a ação dos fazendeiros seria um precedente muito grave, que pode gerar um efeito-dominó sobre outras reservas. A expectativa da sociedade é que não haja retrocesso - disse a ex-ministra do Meio Ambiente.
Para ela, a aprovação da faixa contínua, demarcada originalmente pela Funai no governo Fernando Henrique Cardoso, não põe em risco a soberania do país.
- Não há incompatibilidade entre a defesa do território e a presença tradicional indígena. Em muitas regiões, o que assegura a nossa soberania é justamente a presença dos índios, que são tão brasileiros quanto os brancos.

A quem interessa

O julgamento final da forma de delimitação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, que se inicia hoje no Supremo Tribunal Federal (STF), vai além da causa em questão. E não é apenas porque, como admitem ministros da Corte, o veredicto balizará o desfecho de outros processos idênticos - há 114 litígios do tipo tramitando na Justiça. Tanto quanto isso, está em discussão o alcance do poder do Estado brasileiro de preservar a Federação, diante de interesses de comunidades indígenas em torno das quais orbitam grupos ideologizados com ramificações no mundo inteiro, incluindo organismos internacionais.
Um primeiro aspecto do conflito entre a delimitação da reserva em terras contínuas e em ilhas - desta maneira para preservar a produção agrícola do estado (arroz) - é o destino de Rondônia. Delimitada em bloco, Raposa Serra do Sol e mais a reserva dos ianomâmi distribuída entre Brasil e Venezuela abrangerão cerca de 50% do território de Rondônia, reduzindo a arrecadação do estado de tal maneira que ele será rebaixado a território e voltará aos subsídios do Executivo federal. Há, portanto, nessa hipótese, um ônus para o contribuinte.
Na visão politicamente correta, por definição maniqueísta, índios, os "bons", estão em choque com brancos, os "maus", na defesa de um alegado patrimônio antropológico. Não é verdade: há grupos de índios também ao lado dos fazendeiros, pois sobrevivem da agricultura local.
Além de ONGs, políticos, índios e fazendeiros, também militares acompanharão de perto o julgamento. Aquela é uma região estratégica, fronteiriça à "bolivariana" Venezuela - país em vias de se converter em potência militar - e rota de traficantes. A reserva binacional dos ianomâmis há tempos causa ruídos em função de pressões internacionais para que haja a possibilidade da criação de "nações indígenas". O risco, segundo alertou em artigo ontem no GLOBO o embaixador Rubens Barbosa, está na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, negociada durante mais de uma década na ONU, aceita pelo Brasil em 1993 e ratificada pelo país no ano passado. O tratado internacional estaria em conflito com a Constituição brasileira.
O governo não está unido em torno do assunto. Mas o aparelho indigenista existente no Estado é ativo. Chegou mesmo o momento de a Justiça estabelecer parâmetros para proteger os interesses nacionais, e não de grupos, nessas delimitações.
O autor desta matéria se equivocou quanto à localização da reserva Raposa Serra do Sol. A referida reserva localiza-se no estado de Roraima.

Governo tenta evitar que STF mude área da reserva indígena

Vasconcelo Quadros e Luiz Orlando Carneiro, Jornal do Brasil

BRASÍLIA - Uma força-tarefa encabeçada pela Advocacia Geral da União (AGU) vai trabalhar a partir desta quarta-feira para que o Supremo Tribunal Federal (STF) mantenha na íntegra o decreto do presidente Lula que homologa em área contínua os 1,7 milhão de hectares que compõem a Reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima. O ministro da Justiça, Tarso Genro, sustentou nesta terça-feira que a decisão está amparada na Constituição e alertou que a eventual anulação do decreto criará um clima de instabilidade que poderá afetar todas as outras reservas em área contínua já demarcadas e pacificadas com com a chancela do governo em outras regiões do país.
– Nosso desejo é a manutenção da demarcação, que está plenamente de acordo com todos os procedimentos até o momento adotados para a demarcação de terras indígenas. Se for determinada a descontinuidade da reserva, poderá ser aberto um contencioso infinito com relação a outras demarcações – explicou.
A decisão do STF pode implicar na revisão de outras 615 reservas demarcadas a partir de 1988, que representam um total de 109, 6 milhões de hectares ou 13% do território nacional. Numa outra linha da questão fundiária do país, seria como se o STF considerasse ilegal os decretos de desapropriação de terras já destinadas à reforma agrária.

Dois grupos
A sessão que começa nesta quarta-feira no STF vai reunir num mesmo ambiente defensores da demarcação de terras indígenas e fazendeiros e desenvolvimentistas.
– O problema não é só de Roraima. Mato Grosso do Sul corre o risco de perder um terço de suas terras para as reservas. O que se decidirá no Supremo terá reflexo no resto do país – diz o líder dos arrozeiros e prefeito de Pacaraima (RR), Paulo César Quartiero, que elegeu como adversários três órgãos do governo – Polícia Federal, Ibama e Funai – que ele chama de "tridente do diabo". Em abril, Quartiero foi preso sob a acusação de ter mandado seus funcionários atacare ferir 10 manifestantes indígenas em uma de suas propriedades. Ao deixar a cadeia, recebeu uma multa de mais de R$ 30 milhões por danos ao meio ambiente.
O ministro Tarso Genro esteve nesta terça-feira no STF, mas apenas para participar da solenidade de lançamento do sistema on-line de restrição judicial de veículos, no Conselho Nacional de Justiça, ao lado do presidente do CNJ, ministro Gilmar Mendes. Os dois não conversaram sobre o início do julgamento, nesta quarta, da ação-piloto proposta pelos senadores Mozarildo Cavalcanti (PTB) e Augusto Botelho (PT), ambos de Roraima, contra a demarcação contínua da reserva de 1,7 milhão de hectares, que provocará a extinção de municípios e vilas ocupados por não-índios, e que trabalham em arrozais responsáveis pelo setor mais produtivo da economia do Estado, segundo os autores da ação.
Com relação a providências a serem tomadas pela Polícia Federal e pela Força de Segurança Nacional - que mantêm contingentes na região – a fim de evitar ou enfrentar conflitos entre índios e não-índios, qualquer que seja a decisão do STF, Tarso Genro limitou-se a dizer que não será "por falta de ação civilizada, técnica e qualificada da PF" que qualquer decisão deixará de ser cumprida.
– A decisão do STF vai incidir sobre uma situação jurídica que já estava estabilizada - comentou o ministro. – E essa estabilização foi prejudicada pela incursão de pessoas que ocuparam terras públicas, de propriedade da União, e terras indígenas, e lá começaram a produzir. Não se trata de um juízo de criminalização dessas pessoas, mas certamente tais pessoas lá estão ilegalmente.
Para Tarso Genro, qualquer território indígena é "propriedade da União, que tem, sobre ela, soberania plena".

Deputado aliado de ruralistas de Roraima critica relator da ONU

Marco Antônio Soalheiro, Agência Brasil

BRASÍLIA - O deputado federal Márcio Junqueira (DEM-RR) criticou nesta terça-feira, a visita feita pelo relator especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, James Anaya, à Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Segundo o parlamentar, o representante da ONU foi parcial na análise sobre a disputa entre índios e ruralistas, que será julgada nesta quarta-feira, no Supremo Tribunal Federal (STF).
- Ele ouviu apenas uma pequena parcela da população indígena. Portanto, ele perdeu a imparcialidade e a condição de elaborar qualquer relatório que desenhe a realidade daquela região - disse Junqueira, aliado dos arrozeiros que disputam com os índios a posse da reserva.
O parlamentar afirmou ainda não se importar com as críticas feitas pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) aos políticos do estado, definidos pelos índios como antiindígenas.
- Se o CIR pensa assim, que lance candidatos nas próximas eleições e busque o apoio da população de Roraima.

STF deve decidir por meio-termo em disputa entre índios e arrozeiros


Relator do caso, ministro Ayres Britto chegou a afirmar que 'às vezes a decisão contraria as duas partes'
Mariângela Gallucci, BRASÍLIA

Distantes fisicamente dos conflitos entre índios e arrozeiros em Roraima por causa da reserva Raposa Serra do Sol, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) começam a decidir hoje a extensão e o formato da reserva indígena. Cientes da situação de tensão na área, os ministros do STF tentam costurar uma decisão que não desagrade muito aos índios e também aos arrozeiros que se instalaram na região.
O relator do caso no Supremo, Carlos Ayres Britto, chegou a afirmar laconicamente que, "às vezes, a decisão contraria as duas partes". Há uma ala de ministros convicta de que não dá para manter a demarcação do jeito que está atualmente, de forma contínua, sobre boa parte da geografia de Roraima e na fronteira com a Venezuela. No entanto, há grande preocupação com as conseqüências de uma decisão contrária aos índios.
Na visão de alguns ministros, há sinais de que o assunto não está totalmente amadurecido e, portanto, existe a hipótese de um pedido de vista durante a sessão, o que adiaria a conclusão do julgamento.
Com um dos casos mais complicados do STF em suas mãos, o ministro Ayres Britto passou o dia inteiro de ontem concluindo seu voto. Por conta disso, ele nem sequer participou da sessão de julgamentos da 1ª. Turma do STF. Na véspera, tinha afirmado que seu voto já estava com 108 páginas.

GRADES
Receando problemas de segurança durante o julgamento, a administração do Supremo tomou medidas adicionais para evitar incidentes. Entre as providências foram instaladas grades de proteção ao redor do prédio. A segurança ganhará ainda o reforço de policiais federais. Mas haverá um relaxamento nas regras de vestimenta impostas no tribunal. Os índios poderão entrar no plenário do STF usando roupas típicas. Normalmente, é exigido terno e gravata dos homens e vestido, saia e blazer das mulheres.
Além de resolver o problema da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, o julgamento servirá de base para outros processos que tramitam no STF há anos. Três ministros do Supremo já disseram que o tribunal deverá definir uma regra geral para as demarcações. Atualmente, tramitam no STF nada menos que 144 processos sobre terras indígenas.
Esses processos discutem a posse de terras cujo tamanho total não é conhecido por autoridades dos órgãos envolvidos no debate - Supremo, Ministério Público, Advocacia-Geral da União (AGU) e Fundação Nacional do Índio (Funai). Algumas dessas autoridades deverão falar durante o julgamento de hoje.
O advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, vai defender a demarcação contínua da Raposa Serra do Sol. Segundo a Advocacia-Geral da União, mesmo com a demarcação da terra indígena, será preservada a economia do Estado.

Índios não deixam Raposa mesmo com decisão contrária do STF

Nesta quarta, STF vai julgar a legalidade da demarcação, questionada por produtores de arroz e agricultores
Agência Brasil

BRASÍLIA - Os 18 mil índios que vivem na Terra Indígena Raposa Serra do Sol não deixarão de ocupar nenhuma área dos 1,7 milhão de hectares da reserva, mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida nesta quarta-feira, 27, pela ilegalidade da demarcação contínua e autorize a permanência de arrozeiros e famílias de agricultores brancos na área. A afirmação foi feita pelo coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza.
"O STF pode tomar decisão de qualquer forma que seja, mas aquela terra ali nós vamos continuar ocupando. Os povos indígenas não vão sair de lá, sendo (a demarcação) em área continua ou em ilhas. A gente não vai aceitar limite de arrozeiro ou alguém que queira limitar nossa terra ali."
O Supremo julgará amanhã ações que contestam a demarcação, homologada em 2005 pelo governo federal. Um grupo de grandes produtores de arroz e famílias de agricultores brancos querem permanecer em parte da área da terra indígena.
"Ninguém quer viver com bandido, queremos que tirem os arrozeiros de lá", afirmou Dionito Souza. "Eu, que sou dono da terra, deveria ter matado esse cara [Paulo César Quartiero, líder dos rizicultores] a flechada, mas não fiz isso. A gente reconhece os direitos dele - quer trabalhar, trabalhe, mas não em uma terra dos outros, não seja invasor", acrescentou.
Ele teme inclusive a possibilidade de conflito após a decisão do STF, principalmente no Distrito de Surumu, dentro da reserva, área de maior tensão entre fazendeiros e índios contrários e favoráveis à demarcação contínua.
"Não duvido que haja confusão. Quando determinaram a retirada, eles já soltaram bomba. Se ele (Quartiero) perder agora, vai ficar chateado mesmo. A situação vai ficar tranqüila se eles nos deixarem tranqüilos, se não vierem perturbar a nossa vida como têm feito", apontou.
A Polícia Federal já recebeu reforço no contingente para monitorar a área nos próximos dias. Agentes da Força Nacional de Segurança também estão na região.

Decisão do STF terá 'grandes conseqüências' para índios, diz FT

STF deve decidir nesta quarta o futuro da reserva indígena Raposa Serra do Sol.

-Uma reportagem do jornal britânico Financial Times desta quarta-feira afirma que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, terá "grandes conseqüências" para os direitos dos índios a terras no Brasil.
"O caso terá grandes conseqüências para os direitos dos indígenas a terra, enquanto analistas e ativistas argumentam que também haverá implicações para a segurança nacional e para a sobrevivência da Amazônia", afirma o texto assinado pelo correspondente do jornal em São Paulo Jonathan Wheatley.
O jornal também destaca que o presidente do STF afirmou que a decisão desta quarta servirá como precedente para disputas futuras.
A reserva Raposa Serra do Sol de 1,7 milhão de hectares na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana foi criada em 2005 por um ato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A terra é alvo de violentas disputas entre indígenas, fazendeiros e madeireiros da região.
A demarcação das terras foi contestada por agricultores no STF, que deve anunciar sua decisão nesta quarta-feira.
Em abril, a Polícia Federal tentou remover os agricultores da região, já que eles não têm permissão para entrar na reserva indígena. No entanto, o STF ordenou que a polícia interrompesse a operação até uma decisão final sobre a constitucionalidade da reserva.

PF ajudará a cumprir decisão do STF sobre Raposa, diz Tarso

Nesta quarta, STF vai julgar a legalidade da demarcação, questionada por produtores de arroz e agricultores
Agência Brasil

BRASÍLIA - O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse nesta terça-feira, 26, que a Polícia Federal agirá para garantir a segurança em Roraima independente da decisão que for tomada nesta quarta-feira, 27, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à demarcação em área contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
A Corte julgará uma ação que contesta a homologação feita pelo governo federal em 2005. Na prática, o STF dirá se os grandes produtores de arroz e famílias de agricultores brancos que permanecem na reserva terão de deixar a área de 1,7 milhão de hectares, onde vivem aproximadamente 18 mil índios. O clima no estado é tenso, com manifestações e relatos de ameaças de ambas as partes.
"Não vai ser por falta de ação da Polícia Federal que algum tipo de decisão deixará de ser cumprida. Não vai faltar apoio. Qualquer ação da PF será demarcada pela decisão, pela lei e pela Constituição", afirmou Tarso, após participar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do lançamento de um sistema on line de restrição judicial de veículos.
O ministro enfatizou, porém, "o desejo do governo federal" de que a reserva seja mantida em área contínua, sem qualquer exclusão daquilo que foi demarcado. "Se for determinada a descontinuidade isso abrirá um contencioso infinito em relação a outras demarcações", ressaltou.
Tarso criticou os produtores de arroz da Raposa Serra do Sol, definidos por ele como "pessoas que ocuparam terras ilegalmente" e responsáveis pela instabilidade na área.
O ministro da Justiça reiterou sua visão de que as terras indígenas em áreas de fronteira não configuram nenhum risco à soberania nacional.
"O território indígena é da União Federal. Portanto a incidência é mais plena do que sobre a propriedade privada. Esta visão de que a soberania está afetada é completamente equivocada", disse Tarso.

Supremo tenta evitar decisão radical sobre reserva indígena

"Às vezes a decisão contraria as duas partes", afirma Ayres Brito, relator do caso
A questão envolve debates fundamentais para firmar o entendimento do STF sobre o processo de demarcação de terras indígenas no país
FELIPE SELIGMAN / FERNANDA ODILLA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O STF (Supremo Tribunal Federal) começa a julgar hoje uma ação que contesta o processo demarcatório da reserva indígena Raposa/Serra do Sol em Roraima. A tendência da corte é modificar a demarcação contínua, excluindo algumas áreas do território estabelecido pelo decreto do presidente Lula, em abril de 2005.
A decisão dos ministros, segundo a Folha apurou, não será "radical" para nenhuma das partes: o Supremo não deverá manter a área de forma contínua como está hoje, mas também não deverá cancelar o decreto em sua totalidade ou isolar os índios em "ilhas", forma debatida até pelos ministros quando julgavam o pedido de Roraima para interromper a retirada dos não-índios pela Polícia Federal, em abril.
A questão, considerada por muitos ministros a "mais complexa" desde a edição da Constituição, envolverá debates fundamentais para firmar o entendimento do STF sobre como deve ser o processo de demarcação de terras indígenas.
No caso da Raposa, de um lado estão governo federal, índios e ONGs que querem manter o decreto de Lula que definiu a reserva em área contínua de cerca de 1,7 milhão de hectares. Alegam que a Constituição garante o uso "exclusivo" das terras tradicionalmente ocupadas por índios. O governo está disposto a manter intacta a demarcação, embora alguns setores temam o estabelecimento de uma jurisprudência que prejudique o agronegócio.
"A discussão do STF incide sobre discussão que já estava estabilizada e que foi prejudicada por pessoas que ocupam terras públicas", disse o ministro Tarso Genro (Justiça).
Do outro lado estão arrozeiros que produzem em cidades do interior da reserva, congressistas do Estado e o governo estadual. Afirmam que terras indígenas ocupam quase 50% da área de Roraima e que a soberania do Estado estaria em risco. E dizem que a produção dos arrozeiros representa 6% do PIB estadual. "Do jeito que está, o Estado não cresce, não há segurança para investir em Roraima", disse Regis Jereissati, procurador do Estado. Preparado para participar da sustentação oral, o advogado dos arrozeiros, Luiz Albrecht, disse que vai relatar a história da ocupação do Estado, questionar como o laudo antropológico foi feito e mostrar que, por trás de índios, estrangeiros ameaçam a soberania.
O STF não havia definido até a conclusão desta edição o tempo máximo e se todas as partes teriam direito a apresentar hoje argumentações orais à corte.
Há a possibilidade de pedido de vista, que dependerá da proposta do relator, ministro Carlos Ayres Britto, para a solução do problema. Questionado no início da semana sobre a possibilidade de desagradar índios ou arrozeiros, ele disse que "às vezes a decisão contraria as duas partes". No caso concreto, uma possível decisão intermediária beneficiaria na prática os arrozeiros. Os índios, apesar de perder o direito "exclusivo de usufruto", teriam quase a totalidade de suas terras mantida.
Outro ponto que deve ser discutido é o fato de que, inicialmente, Raposa e Serra do Sol eram separadas. Os ministros precisarão debater se há a comprovação de continuidade e relação entre os índios que vivem em cada uma das regiões.
E definir também um parâmetro temporal para analisar a presença de índios e não-índios. A Folha apurou que alguns ministros irão propor que seja 1988, ano em que a Constituição foi promulgada. Se for assim, seria constatada a presença de índios e arrozeiros, que estão lá desde os anos 70.

Área indígena equivale hoje a duas Franças

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com a reserva Raposa/ Serra do Sol, em disputa no Supremo Tribunal Federal, os índios detêm atualmente 13% do território nacional. São cerca de 1,1 milhão de quilômetros quadrados -o dobro da área da França.
O processo de demarcação das terras indígenas, iniciado com a Constituição de 1988, foi completado em 386 das 626 áreas identificadas como tradicionalmente ocupadas por índios, aos quais caberia o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos. Entre as áreas já homologadas e registradas -62% do total- estão os 1,7 milhão de hectares da Raposa/Serra do Sol.
Restam em processo de demarcação outras 240 áreas já identificadas. "São áreas com grande concentração de índios, mas pouco significativas em termos de extensão", disse Paulo Santili, coordenador de Identificação e Delimitação da Funai (Fundação Nacional do Índio). "Restam [para demarcar] as mais difíceis e onerosas em termos financeiros e políticos", disse.

Toffoli diz que ameaça à soberania é falsa questão

Índios na fronteira são proteção, diz advogado-geral
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli fará a defesa oral do governo no julgamento do STF, hoje, que decidirá sobre a constitucionalidade da demarcação contínua da terra Raposa/Serra do Sol.
À Folha Toffoli afirmou que os índios, por questões culturais, precisam do 1,7 milhão de hectares da reserva para sobreviver. Diz ser uma "falsa discussão" afirmar que os índios na fronteira representam ameaça à soberania nacional.

FOLHA - Por que defender a demarcação contínua da reserva?
JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI - O laudo antropológico que fundamentou a delimitação demonstra como os índios vivem. Eles têm características nômades. São questões antropológicas. Eles entendem que ali é o centro e a origem do mundo. Por outro lado, experiências de demarcação descontínua, como em Mato Grosso do Sul, de índios caiovás, mostram alto índice de suicídio e alcoolismo.

FOLHA - O relatório antropológico é um dos pontos contestados.
TOFFOLI - O laudo é assinado por antropólogos e reflete a verdade. Márcio Thomaz Bastos [ex-ministro da Justiça] visitou o local, o presidente da Funai esteve na região, tanto o anterior como o atual, e eles são antropólogos. Têm convencimento de que a área deve ser demarcada de maneira contínua. Há quem não participou [do laudo] e também defende.

FOLHA - O tribunal pode pedir outro estudo antropológico?
TOFFOLI - A ação questiona o laudo, fundado numa cautelar de produção de provas, que teve procedimento em vara judicial de Roraima. Isso está sub judice. O STF pode acatar isso.

FOLHA - Qual a estratégia do governo se a demarcação contínua for considerada inconstitucional?
TOFFOLI - Decisão do Supremo se cumpre. Estamos otimistas que a decisão será pela manutenção do decreto presidencial.

FOLHA - A revisão da demarcação pode abrir precedentes para outras terras serem questionadas?
TOFFOLI - Demarcações ocorridas e sobre as quais já passaram o prazo prescricional estão seguras. Há pacificação nessas áreas. A Raposa é das últimas grandes reservas que terminou de ser homologada. É importante deixar claro que não são terras dos índios, mas da União.

FOLHA - Militares temem que a presença só de índios seja perigosa, com risco para a soberania nacional.
TOFFOLI - É uma falsa discussão. Não há como fazer autonomia de terra indígena. Isso sim seria inconstitucional. Dizer que a homologação leva à autonomia é falso problema. Índios na fronteira são garantias de proteção, ninguém melhor do que eles para estar nas selvas.

FOLHA - A demarcação contínua não reserva um espaço para os índios viverem separados?
TOFFOLI - O termo reserva não existe mais porque é carregado de preconceito. É terra indígena. Assim como é carregado de preconceito dizer que o índio está integrado e não tem direito a conviver com a comunidade.

Coronel vê risco de surgir "nação étnica" na fronteira

Para Fregapani, homologação criaria um "Curdistão"
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Gélio Fregapani, 72, diz conhecer como poucos o Estado de Roraima, onde pisou pela primeira vez no início dos anos 1960. Coronel reformado do Exército, foi um dos fundadores do Cigs (Centro de Instrução de Guerra na Selva), trabalhou por dez anos na Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Diz que o Exército é "fervorosamente contra" a demarcação contínua da reserva.
Apontado pela PF como um dos responsáveis por municiar os arrozeiros que atacaram índios, disse que, se isso tivesse ocorrido, a PF não estaria mais na região. "Esse pessoal não pode competir comigo." (LF E SL).

FOLHA - Por que a Raposa/ Serra do Sol deve ser demarcada em ilhas?
GÉLIO FREGAPANI - A demarcação contínua de uma grande área indígena, com diferentes etnias e culturas, provoca a criação de algo parecido com o Curdistão, uma nova nação étnica separada dos países. Se for em ilhas, não tem problema nenhum.

FOLHA - Há pressão internacional para formar uma nova nação?
FREGAPANI - Sim. Essa história de índios nômades é falácia. Claro que existe possibilidade de migrações, mas os índios não são nômades. Não é necessária uma área do tamanho de Portugal para isso tudo. Na fronteira é o perigo.

FOLHA - O sr. defende que os índios não levem em conta sua cultura e se considerem apenas brasileiros?
FREGAPANI - Sim. Se nós [fizermos isso], damos [permissão] à criação de nações dentro do Brasil, estamos contribuindo para desagregar o país. Os EUA desejam isso, a Inglaterra, a Alemanha. Porque querem aquelas jazidas que têm lá e querem lidar com um governo mais dócil, não com o governo brasileiro. Se o Brasil ganhar a Raposa, haverá condições de contestarmos outras [terras].

FOLHA - O governo diz que pode entrar a qualquer tempo nas terras.
FREGAPANI - O governo está dividido. Há uma parcela de traidores no governo. Além do mais, o Exército é fervorosamente contra essa reserva, a ponto de poder haver motins se a demarcação for contínua.

FOLHA - Quem são os traidores?
FREGAPANI - Não vou citar. Há um esforço para dividir o Brasil. Chega um momento em que nem o Exército consegue entrar. Nenhuma fronteira é sagrada. Só ficam razoavelmente definidas quando habitadas. Fala-se da floresta, mas é para desviar o assunto. Querem é a serra que separa o Brasil da Venezuela e das Guianas, por causa do potencial mineral.

FOLHA - Os índios não têm direito?
FREGAPANI - Eles têm toda a terra de que precisam. Aquilo é grande. É terra demais e os índios não estão ligados a isso. Isso é coisa de estrangeiro.

FOLHA - A PF o acusa de ajudar os arrozeiros com táticas de guerrilha.
FREGAPANI - Se tivesse ensinado táticas de guerrilha não tinha um policial federal lá. E quem afirmou isso estaria morto. Esse pessoal não pode competir comigo. Agora, quando a região se declarar independente, aí sim vou fazer guerrilhas.

Velha expectativa

A probabilidade de conflitos sangrentos em Roraima é a mesma história que aqui se reproduz há 500 anos

A probabilidade de conflitos sangrentos em Roraima entre indígenas e, de outra parte, cinco grandes arrozeiros, empregados seus e 21 famílias de pequenos agricultores, motivados pela ocupação de terras a ser julgada hoje pelo Supremo Tribunal Federal, é a mesma e ininterrupta história que aqui se reproduz há 500 anos, 186 de país livre para construir sua identidade, 119 anos de República para instalar Ordem e Progresso. É quase inacreditável que todo esse passado de séculos ainda esteja tão presente, jamais confrontado por um propósito verdadeiro e nacional de dar aos indígenas o respeito por sua condição humana.
Das 258 famílias que concordaram em deixar a área oficializada como reserva indígena Raposa/Serra do Sol, o governo falta indenizar perto de 50. A expectativa, porém, é que estes e outros ainda remanescentes na área não se envolvam nas reações previstas, qualquer que seja a decisão do STF. Dadas as providências preventivas, enfrentamentos mais preocupantes para o futuro próximo do que em reação imediata ao julgamento, segundo deduções da Polícia Federal a respeito dos grandes arrozeiros e vários pequenos agricultores.
Deixar, portanto, o futuro próximo entregue aos cuidados do governo de Roraima, de notória parcialidade em favor dos grandes arrozeiros, será uma temeridade do governo Lula. Tanto mais que os comandos locais do Exército opõem-se à reserva como definida no governo Fernando Henrique e homologada no atual, em 2005.

Índios a favor de reserva ameaçam fazer invasões

À espera de julgamento de homologação de reserva, indígenas preparam festividades
O CIR (Conselho Indígena de Roraima) diz que repassou determinação aos índios de manter a paz, seja qual for a decisão do Supremo hoje
LUCAS FERRAZ
ENVIADO ESPECIAL À RAPOSA/SERRA DO SOL (RR)

Indígenas favoráveis à demarcação contínua da Raposa/Serra do Sol preparam uma série de festividades e alguns já falam que, seja qual for o resultado do julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal), vão invadir as fazendas dos arrozeiros dentro da reserva.
"Vai morrer índio ou vai morrer branco, mas vamos lutar por nossa terra", afirmou o macuxi Pedro Brasil, 28, que ajudava ontem na organização dos festejos na Vila Surumu (226 km de Boa Vista), porta de entrada da Raposa/Serra do Sol. O CIR (Conselho Indígena de Roraima), contudo, afirma que a determinação repassada aos índios é de manter a paz.
A declaração de Pedro Brasil, porém, ecoa com a preocupação do governo de como a decisão do STF será recebida pelos indígenas, que esperam há ao menos dez anos uma definição sobre a área.
Na Vila Surumu são várias faixas espalhadas sobre a demarcação, algumas clamando pelo direito dos povos indígenas àquelas terras, outras com dizeres como "pátria ou morte, venceremos!", esta pregada na frente da subprefeitura da vila, administrada pela Prefeitura de Pacaraima, sob o comando de Paulo César Quartiero (DEM), o líder dos rizicultores.
Quartiero viajou a Brasília para acompanhar o julgamento -assim como o governador de Roraima, José Anchieta Júnior (PSDB). "A decisão será um divisor de águas para o Estado", disse Anchieta. "Não sou contra os índios, mas sim a favor do desenvolvimento econômico do Estado." A produção de arroz responde por 6% da economia roraimense.
Apesar das tensões, a véspera do início do julgamento transcorreu sem incidentes. A Vila Surumu amanheceu com o som de música sertaneja, que tocou durante horas. Crianças nadavam no rio Surumu, e o descanso da tarde em redes, após almoço servido em fila e distribuído após a entrega de fichinhas, só foi interrompido pelos sobrevôos de helicópteros da Polícia Federal e do Exército, que monitoram a área.
Na Vila Surumu, considerada um barril de pólvora pela presença de índios (pró e contra demarcação contínua) e arrozeiros, há homens da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança. Outros agentes, prontos para atuar a qualquer momento, estão de plantão em Boa Vista e Pacaraima.
Há um temor porque o local também foi o escolhido para manifestação hoje de índios que apóiam os arrozeiros.
"Mas vamos esperar o resultado pacificamente", adiantou o tuxaua (espécie de cacique) José Brazão de Braga, do Sodiur (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima), organização ligada aos evangélicos e aos seis rizicultores que ainda estão na área, que tem quase 1,7 milhão de hectares -espaço em que caberia 12 cidades de São Paulo.
"Vamos dar uma aula para o Supremo, como sempre fazemos aos brancos", disse o índio macuxi Martinho, este do CIR e próximo dos católicos. Ele também organiza as festividades dos índios. "Mas o STF é a nossa última esperança", admitiu.
A festa terá cantos e danças tradicionais dos índios macuxi, etnia predominante na Raposa, que engloba também outras quatro etnias, além de rezas (católicas), passeata e muita comida -só para esta semana 15 bois foram abatidos, além de muita batata e mandioca.
Um grupo de 25 índios da reserva foi de avião a Brasília para acompanhar o julgamento. Ontem, os indígenas protestaram na Praça dos Três Poderes. Júlio Macuxi, um dos líderes dos índios, espera para hoje a presença de mais 150 indígenas de outros Estados e representantes de sindicatos que apóiam a demarcação contínua.
Colaborou FERNANDA ODILLA , da Sucursal de Brasília

Planalto espera hoje saída intermediária no Supremo

Jobim diz a Lula que tendência na corte é modificar demarcação contínua em Roraima
Eventuais reclamações, se alteração no modelo atual acontecer, irão recair mais sobre o STF do que sobre o Executivo, avalia o Planalto
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi avisado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, de que a tendência do STF (Supremo Tribunal Federal) é modificar o modelo de demarcação contínua proposto pelo governo para a reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima.
Ex-presidente do Supremo, Jobim mantém laços com ministros da corte. A decisão do STF, que deverá ficar num meio-termo entre o desejo dos índios e dos produtores de arroz, é conveniente politicamente ao Planalto.
Jobim alertou Lula a respeito da tendência do STF de reconhecer "ilhas não-indígenas", como diz reservadamente um dos ministros do tribunal, na reserva. O presidente, então, recuou e deixou todo o eventual ônus político da decisão nas mãos do STF.
As esperadas manifestações de descontentamento das partes em litígio na reserva recairão mais sobre o Supremo do que sobre o Executivo na hipótese de alteração do modelo de demarcação contínua.
A tendência do Supremo espelha contradições do próprio governo. O ministro da Justiça, Tarso Genro, e o antecessor dele, Márcio Thomaz Bastos, trabalharam pela demarcação contínua. Eles temem que o STF dê respaldo jurídico para ruralistas de outras áreas indígenas reverem demarcações.
Já o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), e o ministro da Agricultura, o peemedebista Reinhold Stephanes, fizeram pressões nos bastidores em prol dos produtores de arroz e de comunidades não-indígenas que gravitam economicamente em torno dessa produção agrícola na área. Ambos alegaram que parte dos índios é favorável à presença dos arrozeiros na região.
Lula já fez um discurso em favor dos interesses indígenas.

Aumenta tensão em reserva

Um dia antes do julgamento no STF sobre a demarcação da área, marcado para hoje, índios dizem que não aceitam a presença de arrozeiros na região. Segundo ministro, PF cumprirá decisão da Corte
Hércules Barros, Mirella D’Elia e Paloma Oliveto
Da equipe do Correio

Na véspera do início do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol (RR), marcado para hoje e amanhã, a tensão na região cresceu. Segundo o coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza, os cerca de 18 mil índios que vivem no local não abrirão mão de nenhuma parte dos 1,7 milhão de hectares que compõem a reserva, independentemente do que decidir a Corte.
O Supremo julgará uma ação proposta pelos senadores de Roraima Augusto Botelho (PT) e Mozarildo Cavalcanti (PTB) que questiona a demarcação em terras contínuas e defende que a área seja dividida em ilhas, mantendo assim plantadores de arroz na região.
“O STF pode tomar a decisão, mas aquela terra nós vamos continuar ocupando. Ninguém quer viver com bandido. Que tirem os arrozeiros de lá”, afirmou Souza. Em Brasília, o cacique Júlio Macuxi, da comunidade Maturuca, disse estar preocupado com possíveis reações dos agricultores. “O clima esquentou, porque os invasores (fazendeiros) estão levando gente para lá, não sei para quê”, contou. “Os índios relatam que nos últimos dias houve aumento de circulação de motociclistas na reserva. Eles temem que sejam pistoleiros contratados”, conta o representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Paulino Montejo Paulino.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, voltou a dizer que espera uma decisão favorável à demarcação em terras contínuas. Mas afirmou que a Polícia Federal está preparada para enfrentar resistências, se preciso, para fazer cumprir a decisão do STF, “seja qual for”. A região já está ocupada por policiais federais e homens da Força Nacional de Segurança Pública, que chegaram a enfrentar atentados por parte dos arrozeiros em abril passado.
Além dos conflitos, o governo federal teme que uma decisão contrária à demarcação atual abra uma brecha para outras ações. O temor vai ao encontro do que declararam alguns ministros do Supremo na segunda-feira — que a decisão do tribunal vai nortear a discussão sobre conflitos relativos a territórios indígenas no país.

Esplanada
O governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), e o líder dos arrozeiros, Paulo César Quartiero, chegaram ontem a Brasília para acompanhar o julgamento. Também estão na capital cerca de 25 líderes indígenas, que participaram ontem de manifestações e conversaram com ministros do STF. Impedido pela polícia de acampar na Esplanada, o grupo não sabia onde passaria a noite. Os indígenas vieram de avião e, segundo Júlio Macuxi, cada um gastou R$ 1,6 mil. “A gente arrecadou dinheiro com a comunidade para comprar as passagens, mas15 pessoas ainda não têm como voltar”, explicou.
Pela manhã, os índios participaram de um ato organizado pela Câmara Legislativa do DF. À tarde, eles dançaram abençoando a Praça dos Três Poderes e cantaram o “Hino da homologação”.
Um grupo foi recebido pela ministra Ellen Gracie e aguardava, no início da noite, um encontro com Marco Aurélio Mello. Solidários aos indígenas, representantes de movimentos sociais protocolaram uma carta aos ministros defendendo a demarcação contínua. Para a subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, o questionamento no STF é uma demonstração de preconceito. “É o único caso de um estado (Roraima) que entra com ação de juízo contra uma parcela da sua população em favor de particulares (arrozeiros)”, avalia.

Ministros do STF dão sinais de que mudarão reserva


Cinco magistrados se preocupam com demarcação contínua

Na véspera do julgamento que decidirá o futuro da reserva indígena Raposa Serra do Sol, ontem pelo menos cinco dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se mantinham preocupados com a demarcação contínua da área.
É que, dentro do território que abrange 7,8% da extensão de Roraima, estão localizados dois municípios, outros povoados de não-índios, uma rodovia federal, plantações de arroz importantes para a economia local e um terreno destinado à construção de uma usina hidrelétrica. Na sessão que começa amanhã na Corte, essas áreas poderão ser excluídas da reserva, preservando a convivência de índios com outras pessoas na região.
Três ministros manifestaram essa opinião a jornalistas em caráter reservado. Outros dois ministros – o presidente, Gilmar Mendes, e Celso de Mello – declararam publicamente a preocupação com o tipo de demarcação da reserva em entrevistas concedidas em abril.
– Deve ser discutido o modelo (de demarcação) em ilhas de preservação. Esse modelo (defendido pelo governo) é muito conflitivo. Precisamos discutir opções minimamente viáveis. O que não pode é você criar um Estado e depois criar uma reserva que tenha 50%, 60% do seu tamanho. Esse processo será um aprendizado para o país – disse Gilmar na ocasião.

Celso Mello reforçou a argumentação do presidente.
– Parece-me quase certo que isso (a demarcação da reserva) significaria a falta de uma base física para que o Estado de Roraima exerça sua autonomia – completou Celso de Mello.
Também há polêmica em torno das fronteiras com a Guiana e a Venezuela, uma zona propícia a conflitos e ao narcotráfico. Será discutido se essas áreas poderão fazer parte da reserva indígena, com a possibilidade de atuação do Exército na segurança local, ou se elas serão também excluídas da reserva.

Para Tarso, decisão pode alterar territórios indígenas
Para o ministro da Justiça, Tarso Genro, uma decisão diferente da demarcação contínua abrirá margem para a contestação de outras demarcações. Tarso argumentou que o julgamento do STF incide sobre uma situação jurídica que já estaria “conformada e estabilizada”.
– Desejo é que a reserva seja mantida com continuidade, porque ela está de acordo com todos os procedimentos que foram feitos até hoje para a demarcação de terras indígenas – disse.
Para defender a demarcação em área contínua da reserva, um grupo de índios se mobilizou ontem. Eles fizeram um protesto na Praça dos Três Poderes. Em Roraima, manifestantes fecharam por duas horas a rodovia Boa Vista-Pacaraima (BR-174).

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Políticos de Roraima são contra área indígena Raposa/Serra do Sol

Às vésperas do julgamento no Supremo Tribunal Federal que pode rever os limites da terra indígena Raposa/Serra do Sol, deputados federais, estaduais e senadores de Roraima são unânimes em se declarar contrários à forma como a área foi homologada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para o grupo de políticos, que inclui até líderes da base governista no Congresso e um senador petista, os arrozeiros devem permanecer na terra indígena, contrariando o que determinara o governo federal.
Considerada a principal conquista dos povos indígenas no governo Lula, a homologação em forma contínua, assinada pelo presidente em abril de 2005, determinou a retirada dos não-índios da área --que tem 1,7 milhão de hectares e na qual vivem 18 mil índios.
A Assembléia Legislativa do Estado já foi palco de protestos contra a homologação da terra indígena e homenageou críticos da política indigenista do país. Deputados chamam a Funai (Fundação Nacional do Índio) de "engodo", a demarcação de "fraude" e argumentam que a saída dos arrozeiros prejudicará a economia de Roraima.
A posição contrária de deputados e senadores é a mesma do governador José de Anchieta Junior (PSDB), que recorreu ao STF contra a homologação em área contínua. Uma das lideranças do movimento é outro político do Estado --o arrozeiro Paulo César Quartiero (DEM), prefeito de Pacaraima, cidade que tem parte de seu território dentro da terra indígena. A maioria deles quer que as áreas onde estão propriedades rurais sejam excluídas da reserva.
Para o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), a homologação necessita de ajustes. Ele quer a exclusão de quatro áreas da reserva.
O senador Augusto Botelho (PT) tem posição mais extrema. Autor da ação que será julgada nesta semana pelo STF, ele reclama de uma atuação indevida do governo federal em Roraima. "É ruim a União chegar ao Estado, pegar um pedaço da área e definir: essa área aqui vai ser reserva indígena. As decisões deveriam passar por Assembléia, Senado e Câmara."
Na Assembléia, 23 dos 24 deputados declararam à Folha que são contra à demarcação de forma contínua. Flamarion Portela (PTC) não quis se manifestar sobre o assunto.
No Congresso, os três senadores e sete deputados ouvidos disseram ser contrários ao decreto que homologou a área --Angela Portela (PT), mulher de Flamarion, não foi encontrada para comentar o caso.
O prazo para a retirada dos não-índios seria de um ano a contar da data da assinatura do decreto por Lula, em abril de 2005. Até hoje o governo federal não completou o processo.
Outro lado
Os políticos de Roraima fazem críticas à demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol com "falta de argumentos", afirma a Funai (Fundação Nacional do Índio).
O coordenador-geral de identificação e demarcação de terras indígenas da fundação, Paulo Santilli, diz que a unanimidade formada na política de Roraima contra a reserva indígena em área contínua tem relação com o "universo eleitoral" dos deputados e senadores. Santilli participou dos estudos que resultaram na homologação da Raposa/Serra do Sol.
"Eles estão representando aqueles que instalaram ou têm a pretensão de instalar posses nessas áreas", afirma.
Para Santilli, os arrozeiros chegaram à região após a demarcação da terra. O coordenador diz que o processo de demarcação foi amplamente discutido, sem que houvesse grandes contestações dos donos de terra. O procedimento foi feito ao longo de diferentes governos e está previsto na Constituição, diz.
O integrante da Funai afirma que os políticos que chamam a demarcação de "fraude" não questionam dados técnicos do processo de homologação e tentam "desqualificar" quem produziu os estudos. As "instâncias autorizadas" a comentar o caso, como universidades, se manifestaram a favor da homologação em área contínua, argumenta Santilli.
Coordenador do CIR (Conselho Indígena de Roraima), o índio macuxi Dionito de Souza classifica a oposição à homologação contínua como "resultado de uma política antiindígena".
"Isso é uma discriminação contra os povos. Eles falam que não são contra a demarcação, mas sim contra a forma como ela foi demarcada. Eles querem a dominação [dos povos], querem matar mesmo nosso povo."

Julgamento da demarcação da Raposa/Serra do Sol deve durar 2 dias, diz Ayres Britto


GABRIELA GUERREIROda Folha Online, em Brasília
O julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) da homologação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, na próxima quarta-feira, deve se estender por pelo menos dois dias. Em meio à esperada polêmica sobre o tema, o ministro-relator da ação, Carlos Ayres Britto, disse hoje esperar que o julgamento seja longo diante das diversas posições a respeito da destinação das terras da reserva.
O voto do relator, o primeiro a ser revelado entre os ministros da Corte, terá 108 páginas --com a reunião dos posicionamentos distintos recebidos por Britto ao longo da análise da causa nos últimos meses.
!Vai depender de como o ministro Gilmar Mendes [presidente do STF] vai formatar o julgamento, mas dificilmente a causa será julgada na quarta-feira", afirmou ele.
Bem-humorado, Britto disse que não esperava analisar outro caso polêmico este ano depois de ter relatado o julgamento sobre a realização de pesquisas com células-tronco.
"Quando eu fiz o voto naquela adin das células-tronco embrionárias eu disse para mim mesmo: 'pronto, nunca mais vou receber um processo tão complexo como esse'. Pois recebi."
O relator recebeu nesta segunda-feira deputados da bancada de Roraima para discutir a homologação contínua da reserva. Sem revelar o seu voto, Britto disse que não pretende modificá-lo até quarta-feira, mas afirmou que o diálogo com os vários segmentos que divergem sobre o formato da homologação é importante para o julgamento.
"Sempre atendo as partes no pressuposto que eles trazem algo de útil para o processo. Todos temos a ganhar com isso, do ponto de vista da melhor informação dos fatos", disse.
O ministro disse que já recebeu 25 pessoas envolvidas com as ações da Raposa/Serra do Sol, com posições distintas sobre a homologação. "Só o procurador da Funai eu recebi cinco vezes", disse.
O relator levantou a possibilidade do STF tomar uma decisão distinta do que esperam indígenas e arrozeiros da reserva. "Às vezes, a decisão contraria as duas partes", afirmou.
Enquanto os índios defendem a homologação contínua determinada pelo governo federal, os arrozeiros querem que as terras sejam divididas em ilhas --com espaços da Raposa/Serra do Sol abertos para a circulação de não-indígenas.
Decisão
A exemplo de outros ministros do Supremo, Britto disse que a decisão sobre a homologação da Raposa/Serra do Sol pode se estender para outras áreas indígenas do país.
"Se decidirmos a partir de coordenadas constitucionais objetivas, evidente que isso servirá de parâmetro para todo e qualquer processo demarcatório, se não para os passados, ao menos para os futuros", disse.
O ministro Marco Aurélio Mello afirmou nesta segunda-feira que se o Supremo decidir pela demarcação não-contínua da reserva, a determinação poderá modificar o atual modelo adotado em outras áreas habitadas por índios.
"Se o Supremo fixar que a demarcação deve ser setorizada, por ilhas, evidentemente se estenderá a todo o território nacional", disse.
Gilmar Mendes, por sua vez, afirmou que a determinação deve "balizar critérios" para outras demarcações de terras no território brasileiro. "Independentemente do resultado, esse julgamento vai balizar critérios para demarcação e a participação dos Estados nesse processo. Esse julgamento vai ser rico nesse tipo de orientação", afirmou.

Decisão do STF pode alterar modelo de demarcação de reservas

Avaliação foi feita pelo ministro Marco Aurélio Mello; Supremo vai votar sobre demarcação da Raposa na 4ª
BRASÍLIA - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello disse nesta segunda-feira, 25, que, caso o Poder Judiciário opte por anular a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR) em área contínua, a decisão abre precedentes para questionamentos sobre outras áreas. "Sem dúvida alguma, se o Supremo fixar que a demarcação deve ser setorizada por ilhas, evidentemente, isso se estenderá a todo o território nacional", afirmou, durante o Encontro Nacional do Judiciário, pela manhã.

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Especial da Raposa Serra do Sol

Já o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, destacou que "todas as possibilidades estão abertas" no julgamento, marcado para a quarta-feira, às 9 horas.
"Tenho a impressão de que, independentemente do resultado, esse julgamento vai balizar critérios para a demarcação de terras de fronteira e a participação dos estados nesse processo. O julgamento vai ser rico nesse tipo de orientação."


Ele avaliou o julgamento como "importante" e destacou a existência de "questionamentos sensíveis" sobre do tema. Para Gilmar Mendes, o Judiciário precisa "se debruçar" sobre o assunto, pois o país aguarda uma definição clara sobre a demarcação em Raposa Serra do Sol.

"Nos interessa preservar e proteger as áreas indígenas e também ter segurança jurídica. Espero que seja um momento inicial dessa definição (para nova demarcações). Salve engano, é a primeira vez que o Supremo se debruça com largueza sobre esse tema, sobre a Constituição de 1988."

ONU prevê surpresa no julgamento

BRASÍLIA - Quatro meses depois de suspender a operação de retirada dos não-índios em Roraima, o Supremo Tribunal Federal (STF) decide nesta quarta-feira o destino da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol e da política de demarcação de reservas do governo Lula para todo o país.
Caso derrube o decreto que homologou 1,7 milhão de hectares em área contínua a cerca de 20 mil índios de Roraima, o STF abrirá um precedente que pode permitir a revisão de outras 615 áreas – um total de 109,6 milhões de hectares ou 13% do território nacional – onde vivem atualmente entre 750 mil a 1 milhão de índios, divididos em 220 etnias, 27% delas na região Amazônica.
– O STF pode surpreender e apresentar uma solução que não tire tudo de cada lado. A mim não surpreenderia porque tenho confiança em tribunais independentes – disse ontem em Brasília o novo relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os direitos dos povos indígenas, James Anaya, depois de uma visita de 12 dias pelo Mato Grosso do Sul, Amazonas e Roraima, onde dialogou com índios e lideranças na Raposa/Serra do Sol.
Anaya afirmou que não percebeu clima beligerante na reserva, evitou entrar no mérito sobre o formato da área, mas pautou suas declarações – a dois dias da decisão do STF – por um pedido de respeito à livre determinação dos povos indígenas.
Insistiu em lembrar que a questão da terra é o principal dilema indígena e frisou que em algumas regiões, como Roraima, os fazendeiros que disputam com os índios o mesmo espaço não têm título de propriedade, ao contrário de proprietários de boa fé que diz ter encontrado em Dourados (MS).
Ele criticou organizações não-governamentais (ONGs) e agências estatais como Funai e Funasa, afirmando que o conceito básico desses segmentos é a tutela continuada e cobrou do governo a inclusão dos índios em programas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e Bolsa Família.
Às vésperas da sessão, cautela em vez de confronto
Em Roraima, o clima de tensão que culminou em confronto com feridos e presos há três meses foi substituído por uma cautelosa expectativa.
– A possibilidade de um conflito não é uma questão matemática. É emocional. O conflito é latente e vai estourar agora ou depois – disse o líder dos arrozeiros e prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero.
– Sou legalista. Assinamos uma ata nos comprometendo a acatar a decisão do Supremo, qualquer que seja. Mas o caso fugiu da nossa alçada e a decisão vai influir na vida nacional – afirmou.
Além do impacto sobre a vida econômica e social de Roraima, segundo o prefeito, a decisão do STF terá reflexos também em questões como a soberania do país e a definição do marco para a política envolvendo terras indígenas.
Preparado para qualquer cenário, o governo reforçou a segurança em Roraima com tropas da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança. Até amanhã devem se concentrar na região, especialmente na área do conflito, cerca de 700 homens, a maioria formada por federais.
O Ministério da Justiça teme que a manutenção do decreto do presidente Lula prevendo a homologação em área contínua acabe provocando a reação dos plantadores de arroz e dos índios por eles controlados. Mas na hipótese de o STF fatiar a reserva, criando ilhas ocupadas por não-índios, a reação das etnias ligadas ao Conselho Indigenista de Roraima (CIR), apoiadas pela Igreja Católica e ONGs estrangeiras, pode ser ainda mais intensa.
No fim de semana, um grupo de cerca de 300 índios ligados ao CIR invadiu a sub-prefeitura de Surumu, um distrito de Pacaraima no coração da reserva, ocupou o Posto de Saúde e só na tarde de ontem deixou o local. Os manifestantes permaneceram em Surumu, concentrados no interior de um ginásio de esportes da prefeitura, onde devem permanecer em vigília até a decisão do STF.
Deslocada para garantir a ordem e evitar confronto, a Polícia Federal teme a reação dos índios ligados ao CIR caso o decreto do governo seja derrubado. Desde que a crise começou, os índios vêm ameaçando retirar à força e por conta própria funcionários e plantadores de arroz que estão nas sete fazendas ocupadas dentro da reserva. A Funai já gastou R$ 12 milhões indenizando proprietários que aceitaram a saída negociada e também aguarda com expectativa a decisão do STF. Uma decisão por ilhas pode provocar um refluxo das cerca de 100 famílias que já deixaram a área.

Decisão do STF sobre reserva de RR pode gerar conflito

A expectativa em torno da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação da Raposa Serra do Sol provoca crescentes tensões nos dois lados envolvidos na polêmica. O produtor de arroz João Paulo Quartiero, que liderou a resistência à presença da Polícia Federal na região, em abril, disse que uma decisão favorável à reserva o deixará duplamente desempregado. "Vou perder a fazenda de arroz e o cargo de prefeito de Pacaraima", explicou o arrozeiro.
A cidade está destinada a desaparecer do mapa, uma vez que se encontra no interior da polêmica reserva indígena. É pouco provável, porém, que isso ocorra de maneira pacífica, uma vez que a maior parte da população local defende a exclusão do território municipal da área da reserva.
Do outro lado, o macuxi Dionito José de Souza, coordenador do Conselho Indigenista de Roraima (CIR), teme uma onda revanchista contra os índios da região caso o STF autorize as ilhas territoriais não indígenas. Ele disse que as famílias que já foram retiradas da área ameaçam voltar para os lugares que ocupavam anteriormente - e que hoje estão nas mãos dos índios. "Temos ouvido muitas ameaças", afirmou Souza. "Pode acontecer um massacre por aqui."
O governo federal começou a retirar as famílias não indígenas da área no ano passado. Segundo levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), na zona rural existiam 180 famílias. No total seriam 33 mil hectares, distribuídos entre os municípios de Boa Vista, Bonfim e Amajari. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

'Índio vai virar guarda-mato sem salário' se vencer no STF,diz chefe dos arrozeiros

STF decide na quarta sobre demarcação da Raposa Serra do Sol.Quartiero discorda do número de19 mil habitantes dado pelos índios.
O prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero (DEM), produtor de arroz e chefe dos fazendeiros que ocupam área da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, disse que “os índios vão virar guarda-mato sem salário” caso o Supremo Tribunal Federal (STF) decida manter a homologação da área. O julgamento está marcado para esta quarta-feira (27).

Leia também: 'Vamos resistir até o último índio', diz chefe dos macuxi

Segundo Quartiero, se a demarcação for mantida, os produtores deixarão a área, mas os índios não poderão explorar economicamente a terra, devido a limitações impostas pela legislação ambiental. “Eles podem ganhar [a causa no STF], mas não levam. Vão ser condenados a ser guarda-mato sem salário”, disse.

Para ele, a questão envolvida em Raposa Serra do Sol não é apenas sobre a permanência de fazendeiros na área. “É de permanecer e ocupar economicamente”, afirmou. “É ter um plano de desenvolvimento, de repovoamento das fronteiras, de fortalecimento da produção de alimentos. O que está sendo julgado é nossa vida.”
Os produtores de arroz do estado respondem por 7% do PIB de Roraima. Segundo Quartiero, uma decisão contrária aos produtores vai ser uma “catástrofe” à economia do estado. “Vamos viver às custas de repasses da União?” De acordo com ele, as plantações de arroz geram mil empregos diretos -dos quais 20% ocupados por índios, afirma-, e 6.000 indiretos. “Esse pessoal todo vai perder o emprego”, disse. Apenas em suas duas fazendas, que totalizam 9,2 mil hectares, 200 pessoas são empregadas.


Prefeito sem cidade
Quartiero disse que, se o STF decidir que a área deve ser ocupada apenas pelos índios, ele será um prefeito sem município. Isso porque a maior parte da área de Pacaraima está em terras indígenas. A pequena parte do município fora da reserva é de mata inexplorada e em região de serra, sem povoamento. “Vou ser despejado.” O prefeito discorda dos números apresentados pelos índios sobre a população da reserva, de 19 mil habitantes de diferentes etnias. “Se são tantos assim, por que não elegem prefeito, deputado estadual, deputado federal? Eu fui eleito com votos de índios. Eles não passam de 6.000”, disse. Para ele, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) “não pode ser levado a sério”. Eles não representam nada. São ‘ventríloquos de ongueiros.’ É uma minoria.” O prefeito disse ao G1 que está apreensivo sobre a decisão do STF, mas que confia em uma decisão favorável aos produtores de arroz. “Os ministros serão patriotas e farão Justiça”, afirmou.

Arrozeiro vai a PF pedir proteção e afirma que indios ameaçam invasão


O rizicultor Ivo Barili entrega agora pela manhã na superintendência de Polícia Federal uma denúncia das ameaças que está sofrendo por parte dos índios e pediu proteção.Barili contou que os índios afirmam que vão invadir sua fazenda de arroz, independente da decisão do Supremo tribunal Federal (STF) e já começam a se movimentar para fechar a area da fazenda.

STF e defesa nacional

Como a crise do Cáucaso mostrou, defesa nacional e povoamento são conceitos inseparáveis. É disso que se trata na Raposa Serra do Sol
Por Alon Feuerwerker
Aproxima-se o momento de decisão para o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. O pronunciamento será decisivo para o futuro da política indigenista no Brasil, já que irá consolidar uma jurisprudência, além de estabelecer paradigmas válidos para todo o território nacional.
A origem do problema é conhecida. Cedendo a pressões internacionais, os dois últimos governos brasileiros demarcaram na fronteira norte uma reserva com limites totalmente desprovidos de racionalidade ou lógica. A imprevidência governamental estendeu a área a territórios tradicionalmente ocupados por populações não indígenas — e também por índios já aculturados e plenamente integrados à esfera da sociedade e da economia modernas.
O bom senso e a prudência recomendavam a demarcação assim chamada de descontínua, por excluir esses territórios. Mas tanto Fernando Henrique Cardoso como Luiz Inácio Lula da Silva preferiram jogar para a platéia, levaram Raposa Serra do Sol o mais longe possível e acabaram criando um gravíssimo problema fundiário e político em Roraima. Que cabe agora ao STF solucionar, com pragmatismo e prudência.
Seria um engano, porém, pensar que o debate está restrito ao tema do indigenismo. O desenho legal da Constituição de 1988 para as terras indígenas estimula objetivamente as tendências centrífugas e o secessionismo. Como o artigo 78 da Carta determina também que o juramento presidencial inclua o compromisso de “sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”, tem-se aqui uma contradição.
A palavra final está agora com o STF. Caberá aos ministros definir até que ponto a política indigenista pode ser implementada, já que ela não tem o direito de conduzir a situações que possam ameaçar a integridade e a independência do Brasil. Ou seja, ela não pode ser tratada como valor absoluto, mas deve existir em harmonia com os demais ditames constitucionais.
Até algum tempo atrás, colocar o debate nesses termos era considerado coisa patrioteira, comportamento de Policarpo Quaresma. Acontecimentos recentes, porém, recolocaram com força na agenda planetária a questão das nações e de seu território. Aqui ao lado, na Bolívia, o secessionismo é a ferramenta que opositores locais e globais de Evo Morales encontram para enfraquecer politicamente o líder boliviano. Na Ásia, as pressões pela independência do Tibete são elemento-chave para tentar debilitar a China. A fragmentação obsessiva da Sérvia tem sido um vetor da transformação da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em força de contenção da Rússia.
Num mundo marcado pela emergência de novas potências, as velhas manipulam as pressões independentistas conforme sua conveniência. Adotam políticas variáveis, conforme lhes interesse enfraquecer ou fortalecer determinados jogadores. Assim, o desejo de independência da Ossétia do Sul é tachado de separatismo inaceitável, enquanto o surgimento de Kosovo, contra todas as decisões da ONU, foi saudado e acolhido calorosamente pela “comunidade internacional”.
O Brasil é um desses novos jogadores com aspirações a potência. Nossa posição é privilegiada, num mundo em que a capacidade agrícola e o estoque de recursos naturais não renováveis retomaram sua importância, desmentindo as previsões em contrário. Nessa disputa global, nossa massa crítica é a unidade nacional, sempre combinada com nossa integração aos vizinhos.
É razoável que o Brasil proteja seus índios e lhes ofereça as condições para preservar sua existência e cultura. Não é razoável que a política indigenista crie dentro de nosso território bolsões que se imaginam embrionários de novas nações. É positivo que índios em estágio pré-civilizatório recebam os meios para não sucumbir ao entorno. Não é aceitável que a pretexto disso se criem extensas áreas desabitadas em nossas fronteiras, especialmente na Amazônia, áreas onde nem as Forças Armadas conseguem ter atuação eficaz. Aliás, como a crise do Cáucaso mostrou, defesa nacional e povoamento são conceitos inseparáveis. É disso que se trata na Raposa Serra do Sol. É disso que se tratará no julgamento do STF.

Kosovos brasileiros

A história ensina que cenários semelhantes, mesmo em episódios distintos e distantes no tempo, podem ter desfechos análogos. O tempo estratégico não se conta ano a ano, portanto, erros de hoje produzem conseqüências décadas adiante.
A Bolívia vendeu o Acre, em 1903, por não tê-lo ocupado com seu povo após o Tratado de Ayacucho, de 1867, que lhe fora favorável. Quando quis fazê-lo, em 1898, o Acre estava ocupado por brasileiros desde 1877. Eram nordestinos liderados por seringalistas brasileiros que exerciam, de fato, o poder local no vazio deixado pelo governo boliviano. Os seringalistas tinham outros interesses e não eram comprometidos com a nação andina. O tempo estratégico passou de três décadas.
Na província sérvia do Kosovo, cerca de 90% da população é albanesa. Em 1974, o Kosovo recebera autonomia, que foi cassada em 1999, levando aquela população à revolta. Ante a violenta reação da Sérvia e não tendo seu aval para entrar com suas forças “de paz” na região, a Otan moveu uma campanha aérea arrasadora, que acabou por dobrar aquele país. A ofensiva poupou o alto custo em baixas de uma operação terrestre. O direito de soberania não foi suficiente para a Sérvia manter sua integridade territorial, pois o Kosovo se declarou independente em 2008.
Os exemplos evidenciam que num país onde determinada região rica seja um vazio de poder, sem população nacional, ocupada por população segregada e sob liderança alienígena, ligada a outros países, projeta-se um cenário de perda de soberania e integridade territorial a despeito do direito internacional. Esse é o cenário desenhado em Roraima, com potencial de expansão até o Amapá.
Desde 1991, o Brasil demarca extensas terras indígenas, inclusive na faixa de fronteiras, o que impede a vivificação dos limites nacionais. O país trocou a política de integração pela de segregação do índio. Os grupos indígenas passaram a ser chamados “povos” e, ao receberem territórios, a constituir “nações” para setores nacionais e internacionais que defendem sua autonomia.
A Amazônia é rica, não integrada e cobiçada — um vazio de poder. O Estado se deixa substituir por ONGs e outras organizações, muitas das quais defendem interesses e recebem recursos de governos estrangeiros. Em terras indígenas, não podem viver, nem circular sem permissão, brasileiros de outras etnias. Em algumas décadas, haverá grandes populações indígenas autônomas, segregadas da sociedade e em imensos territórios.
Em 2007, a declaração da ONU sobre direitos dos povos indígenas concedeu-lhes, entre outros, os direitos de autogoverno; livre determinação, inclusive de sua condição política; constituir instituições políticas e sistemas jurídicos próprios; pertencer a uma nação indígena vetar atividades militares em terras indígenas; e aceitar ou não medidas legislativas ou administrativas que os afetem.
O artigo 46 da declaração, que aparentemente preserva a integridade e unidade política dos Estados, é inócuo, pois os artigos 41 e 42 “justificariam” a intervenção internacional em conflitos entre governos e “povos indígenas”. Como ficará a governabilidade no Brasil, considerando a quantidade de terras indígenas com direito a uma autonomia superior à dos estados da Federação? Povo, território, nação e instituições políticas são as bases de um estado-nação.
A declaração, inexplicavelmente, teve voto favorável do Brasil. Um absurdo! Embora a segurança da Amazônia dependa mais de ações no campo político, a liderança nacional tem um discurso ilusório de que sua defesa será assegurada pelo aumento do efetivo militar na área. Se fosse uma questão de quantidade, o Kuweit talvez estivesse ocupado, desde 1991, pelo então numeroso Exército iraquiano. No futuro, não sendo suficiente, como tem sido, a pressão nos campos político e econômico, para impor seus interesses, uma coligação de potências ameaçará áreas sensíveis como, por exemplo, a Bacia de Campos e Itaipu. Se o governo não ceder, ela paralisa e apaga o país, para evitar um confronto terrestre.
Existe a ameaça, ela é muito grave e o tempo estratégico aproxima-se de duas décadas. A liderança nacional vem criando condições objetivas para a perda da soberania e integridade territorial na calha norte do Amazonas, sem que o oponente precise disparar um tiro. Na realidade, a ameaça não é o índio e sim a liderança nacional, inconseqüente e sem visão estratégica.

“Estão julgando é a nossa vida”

Entrevista Paulo César Quartiero, PREFEITO DE PARACAIMA (RR) E LÍDER DOS AGRICULTORES

Gaúcho de Torres, o arrozeiro e prefeito Paulo César Quartiero é o principal líder dos agricultores da Reserva Raposa Serra do Sol. Ele já foi preso, teve o seu mandato cassado e acabou reposto no cargo. Ele falou com Zero Hora por telefone. Leia os principais trechos:

Zero Hora – Como está a expectativa para o julgamento no STF?
Paulo César Quartiero – Estamos apreensivos. O que estão julgando é a nossa vida. Não só a nossa, particular, mas a vida do município, que eu represento. Se confirmar a demarcação, praticamente será extinto, e o Estado de Roraima terá o seu futuro inviabilizado. Temos de acreditar que a Justiça brasileira faça justiça.

ZH – A região está sob pressão?
Quartiero – É a manifestação chapa branca, como sempre. Os índios são transportados, alimentados e manipulados pelo Ministério da Justiça, pela Polícia Federal e pelo que a gente chama aqui de tridente do diabo, que é o Incra, a Funai e o Ibama.

ZH – Vocês pretendem contrapor essa pressão?
Quartiero – Estamos convocando todos para orar. Uma vigília permanente para que Deus ilumine os ministros para que eles abençoem o povo. Nada mais do que isso. O que tem aqui são famílias destruídas. Tem gente que vive na periferia, jogada. Parece que passamos por uma guerra que destruiu tudo. É um processo muito dolorido e triste.

ZH – Qual é a solução ideal?
Quartiero – O que precisa é de uma política nacional para repovoar as fronteiras. Hoje em dia, temos o uso do ambientalismo e dos índios como pontas de lança de um processo de expulsão dos brasileiros e a substituição por ONGs internacionais.

ZH – E se o Supremo decidir a favor dos índios?
Quartiero – Acho que será uma decisão histórica, senão teremos um Brasil que não dará certo.

“Nós vamos lutar, não vamos sair de graça”

Entrevista Eusébio de Lima Marques, LÍDER INDÍGENA DA REGIÃO DA RESERVA RAPOSA SERRA DO SOL

Um dos principais líderes dos índios, ligado ao Conselho Indígena de Roraima, Eusébio de Lima Marques detalha o clima de tensão no local e sugere que, independentemente do resultado, a polêmica não terminará. Zero Hora falou por telefone com ele. Confira os principais trechos da conversa:

Zero Hora – Como vocês vão acompanhar o julgamento?
Eusébio de Lima Marques – Temos 2 mil indígenas na vila Surumum (área de maior conflito) aguardando a decisão do Supremo. Tem que respeitar a lei aprovada pelo presidente. Tem que nos respeitar.

ZH – Por que essa concentração na vila Surumum?
Eusébio – É para mostrar força. Nunca abrimos mão da nossa terra.

ZH – Os agricultores também estão se reforçando. Existe perigo de um novo conflito?
Eusébio – Eles estão trazendo mais pessoas para se manifestar. Tem gente de Mato Grosso. A gente sabe que tem pistoleiro na área. Somos indígenas e não temos medo. Estamos lutando pelo nosso direito, e a lei nos ampara. A Polícia Federal está na área para controlar qualquer conflito.

ZH – Se houver decisão contra os índios, o que vocês farão?
Eusébio – Nunca vamos abrir mão. Vamos continuar lutando. O que é nosso, é nosso.
ZH – Isso inclui conflito?
Eusébio – Se o Supremo der favorável aos arrozeiros, vamos lutar, não vamos sair de graça. Sempre disseram para a gente ter paciência, mas chega o momento que estoura tudo e não tem mais paciência. Vamos reagir. A gente não quer isso.

Reserva indígena e fetos agitam o STF

Dois assuntos polêmicos tomarão conta dos debates no Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos dias: a demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, e a liberação da interrupção de gravidez de fetos anencéfalos – bebês sem partes do cérebro. As decisões terão reflexo direto nas determinações judiciais sobre esses temas em todo o país.
A decisão do STF poderá pôr um ponto final na tensão entre os cerca de 20 mil índios que moram na região e os agricultores que cultivam a área desde 1970. A reserva vive sobre pressão, já que, por diversas vezes, foi palco de conflitos entre índios e arrozeiros.
O senador Augusto Botelho (PT-RR), autor da ação que pede a revogação da demarcação, diz que não é contra a reserva, mas contra a forma como foi feita.
– Não levaram em conta os produtores que vivem lá há décadas. Isso prejudica economicamente o Estado – lamenta.
Se o STF ratificar a demarcação feita em 2005, dará base jurídica para conter as centenas de processos envolvendo a questão indígena pelo país.
A audiência pública de hoje do STF sobre aborto de anencéfalos coloca em lados opostos a classe médica e científica contra a Igreja Católica. Em nota oficial, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dimas Lara Barbosa, afirma que a vida deve ser acolhida como “dom e compromisso”, mesmo que seja breve.
José Caetano Rodrigues, diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, entidade que encaminhou ao STF o pedido para a interrupção seja autorizada, diz que defende o aborto, mas um procedimento terapêutico:
– Trata-se da regulamentação de um procedimento necessário, uma demanda de saúde pública nacional.

A Corte vai à vida real


Sob holofotes e envolvidos em uma enxurrada de polêmicas, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) começam hoje a cumprir uma agenda que poderá mudar a vida de milhares de pessoas no país.
A pauta da principal corte brasileira comprova que ela avança para se aproximar dos cidadãos, tratando de assuntos que mexem com o dia-a-dia de todos. A investida do STF sobre o mundo real desencadeia a discussão se estaria havendo uma invasão dos limites dos poderes, já que sobre parte dos temas caberia ao Congresso legislar.
A pauta mais popular dos magistrados ecoou no Congresso. O presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), criticou ontem a omissão do Congresso e afirmou que o Judiciário está legislando.
– O Legislativo vive uma situação tensa, que merece providências, atitudes. O Judiciário, aqui e acolá, diante da omissão do Legislativo, está realmente legislando, é a questão do vácuo. Em política não pode haver vácuo – apontou o peemedebista, ressaltando que o Senado está parado devido ao excesso de medidas provisórias.
O impasse da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, a discussão da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos (sem partes do cérebro) e o reconhecimento da união estável para homossexuais concentrarão os debates nos próximos dias – e são exemplos de que a Corte resolveu se aproximar das grandes questões do país.
A mudança de postura não é só retórica. Em busca de subsídios para decidir sobre a polêmica demarcação indígena da Raposa Serra do Sol, os magistrados ousaram. O presidente do STF, Gilmar Mendes, e os ministros Carlos Ayres Britto e Carmem Lúcia Rocha pegaram um avião da Força Aérea Brasileira em maio e se embrenharam na região conflagrada para conversar com os personagens envolvidos no conflito.

Nova postura acende um debate jurídico
Desde o começo do ano, Gilmar Mendesvem defendendo essa nova postura. Em recente audiência com o presidente Lula, por exemplo, ele ressaltou a necessidade de um novo pacto pelo Poder Judiciário “republicano, independente e célere”. Mendes denominou a ação renovada do STF com o termo técnico de “repercussão geral”. Na prática, seria uma aposta do Supremo para que o julgamento de apenas um processo se transforme em regra para outras demandas judiciais semelhantes.
É justamente essa iniciativa que, para os críticos, ultrapassa os limites da Justiça e do parlamento. Além disso, o Supremo vem realizando audiências públicas – como no caso das discussões e no julgamento que liberou as pesquisas com células-tronco no país – tornando as discussões na corte ainda mais polêmicas e midiáticas. Hoje, promove uma para debater a autorização de interrupção da gravidez de anencéfalos.
Para o ex-ministro do STF Paulo Brossard, o Supremo não está legislando com este novo procecimento, pois é preciso distinguir ações legislativas das jurídicas.
– São temas políticos, mas são decisões jurídicas. Não se trata de legislar, não se criam leis no Supremo. Lá, se verifica se existe fundamento constitucional – destaca.
Em contrapartida, o professor de Direito Constitucional da PUCRS Wambert Di Lorenzo aponta que o primeiro julgamento sobre os anencéfalos praticamente criou no código penal uma nova modalidade de aborto:
– O STF agiu como um legislador positivo. Esse fenômeno se deve a um problema de compreensão do próprio Supremo do seu papel.
Para Di Lorenzo, o Supremo deveria ser um tribunal constitucional para tratar essencialmente da carta magna:
– O país precisa de um regime parlamentarista e de um tribunal constitucional. Hoje, o Executivo legisla com medidas provisórias, e o Congresso é abafado por elas. O STF, apesar de abarrotado de ações cíveis e criminais e de analisar uma Constituição imensa, ainda referenda as leis brasileiras.
GUSTAVO AZEVEDO


Políticos falam por arrozeiros, afirma Funai

Os políticos de Roraima fazem críticas à demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol com "falta de argumentos", afirma a Funai (Fundação Nacional do Índio).
O coordenador-geral de identificação e demarcação de terras indígenas da fundação, Paulo Santilli, diz que a unanimidade formada na política de Roraima contra a reserva indígena em área contínua tem relação com o "universo eleitoral" dos deputados e senadores. Santilli participou dos estudos que resultaram na homologação da Raposa/Serra do Sol.
"Eles estão representando aqueles que instalaram ou têm a pretensão de instalar posses nessas áreas", afirma.
Para Santilli, os arrozeiros chegaram à região após a demarcação da terra. O coordenador diz que o processo de demarcação foi amplamente discutido, sem que houvesse grandes contestações dos donos de terra. O procedimento foi feito ao longo de diferentes governos e está previsto na Constituição, diz.
O integrante da Funai afirma que os políticos que chamam a demarcação de "fraude" não questionam dados técnicos do processo de homologação e tentam "desqualificar" quem produziu os estudos. As "instâncias autorizadas" a comentar o caso, como universidades, se manifestaram a favor da homologação em área contínua, argumenta Santilli.
Coordenador do CIR (Conselho Indígena de Roraima), o índio macuxi Dionito de Souza classifica a oposição à homologação contínua como "resultado de uma política antiindígena".
"Isso é uma discriminação contra os povos. Eles falam que não são contra a demarcação, mas sim contra a forma como ela foi demarcada. Eles querem a dominação [dos povos], querem matar mesmo nosso povo." (FB E JER)

Políticos de Roraima são contra área indígena

Às vésperas do julgamento no Supremo Tribunal Federal que pode rever os limites da terra indígena Raposa/Serra do Sol, deputados federais, estaduais e senadores de Roraima são unânimes em se declarar contrários à forma como a área foi homologada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para o grupo de políticos, que inclui até líderes da base governista no Congresso e um senador petista, os arrozeiros devem permanecer na terra indígena, contrariando o que determinara o governo federal.
Considerada a principal conquista dos povos indígenas no governo Lula, a homologação em forma contínua, assinada pelo presidente em abril de 2005, determinou a retirada dos não-índios da área -que tem 1,7 milhão de hectares e na qual vivem 18 mil índios.
A Assembléia Legislativa do Estado já foi palco de protestos contra a homologação da terra indígena e homenageou críticos da política indigenista do país. Deputados chamam a Funai (Fundação Nacional do Índio) de "engodo", a demarcação de "fraude" e argumentam que a saída dos arrozeiros prejudicará a economia de Roraima.
A posição contrária de deputados e senadores é a mesma do governador José de Anchieta Junior (PSDB), que recorreu ao STF contra a homologação em área contínua. Uma das lideranças do movimento é outro político do Estado -o arrozeiro Paulo César Quartiero (DEM), prefeito de Pacaraima, cidade que tem parte de seu território dentro da terra indígena. A maioria deles quer que as áreas onde estão propriedades rurais sejam excluídas da reserva.
Para o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), a homologação necessita de ajustes. Ele quer a exclusão de quatro áreas da reserva.
O senador Augusto Botelho (PT) tem posição mais extrema. Autor da ação que será julgada nesta semana pelo STF, ele reclama de uma atuação indevida do governo federal em Roraima. "É ruim a União chegar ao Estado, pegar um pedaço da área e definir: essa área aqui vai ser reserva indígena. As decisões deveriam passar por Assembléia, Senado e Câmara."
Na Assembléia, 23 dos 24 deputados declararam à Folha que são contra à demarcação de forma contínua. Flamarion Portela (PTC) não quis se manifestar sobre o assunto.
No Congresso, os três senadores e sete deputados ouvidos disseram ser contrários ao decreto que homologou a área -Angela Portela (PT), mulher de Flamarion, não foi encontrada para comentar o caso.
O prazo para a retirada dos não-índios seria de um ano a contar da data da assinatura do decreto por Lula, em abril de 2005. Até hoje o governo federal não completou o processo.

Decisão contra demarcação pode levar a "instabilidade", diz Tarso

O ministro da Justiça ressaltou que acredita que o STF manterá a atual configuração da reserva. "Acho que, se a decisão não for mantida, vamos ter uma onda de revisões que vai apontar para situações complexas", disse. "Abre precedente que pode levar a instabilidade para decisões já tomadas em [outras] demarcações". Ao ser indagado se havia procurado ministros do STF por medo de derrota, ele negou.

Relator da ONU diz que governo adota uma atitude paternalista

Relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) para os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, o índio apache James Anaya reclamou da atitude paternalista do governo brasileiro e das ONGs. Segundo ele, o Brasil trata os índios como se eles não pudessem zelar por seus próprios interesses.
Anaya também lamentou a falta de diálogo do governo com os indígenas, citando as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que não levam em consideração os interesses das comunidades: "Escutei a queixa de que programas como o PAC, de desenvolvimento industrial, provocam um tipo de desenvolvimento que não leva em conta as particularidades dos povos indígenas, sobretudo nas demarcações das terras e, em muitos casos, estão em tensão com interesses de povos indígenas".
O relator evitou opinar sobre o julgamento do STF sobre Raposa/Serra do Sol: "Pode ser que surpreendam a todos e achem uma solução que não tire tudo de um lado e beneficie o outro". Anaya não crê em conflitos depois do julgamento.
Ontem ele recebeu duas denúncias de violência contra índios: no domingo, um grupo de madeireiros atacou terras dos Guajajara Tentehara, no Maranhão; no sábado, Mozeni Sá, líder dos Truká, foi morto em Pernambuco.
(FERNANDA ODILLA)

Destino de tribos da Amazônia está em julgamento no Brasil, diz Guardian

Jornal escreve sobre decisão do STF sobre reserva Raposa Serra do Sol.
Uma reportagem publicada na edição desta terça-feira do jornal britânico The Guardian afirma que o "destino das tribos amazônicas está em julgamento", em referência à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade da demarcação da reserva indígena Raposo Serra do Sol, em Roraima.
A reserva de 1,7 milhão de hectares na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana foi criada em 2005 por um ato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a demarcação das terras foi contestada no STF, que deve anunciar sua decisão esta semana.
Segundo o jornal, ativistas estão preocupados que a decisão do STF pode "significar um desastre para as comunidades indígenas em todo país", incentivando a "contínua invasão de mineiros, madeireiros e fazendeiros".
"Ativistas receberam a criação da Raposa Serra do Sol como um ato histórico para proteger os povos indígenas do país de contato com o mundo exterior", afirma o artigo assinado pelo correspondente do jornal no Rio de Janeiro, Tom Phillips.
"Quase todos os não-aborígines precisam de permissão legal para entrar nas terras indígenas. Mas diversos produtores de arroz continuam operando dentro da reserva. Eles descrevem a demarcação da Raposa Serra do Sol como um obstáculo para o desenvolvimento econômico e apontam para o fato de que há grandes números de aborígines entre seus empregados."
O jornal também cita preocupações de militares brasileiros que "vêem a reserva como uma ameaça à segurança nacional".
O artigo afirma que no ano passado um militar brasileiro havia dito ao jornal que traficantes de drogas estão se aproveitando da ausência do Estado no local para levar cocaína ao Brasil.

Decisão do STF sobre Serra do Sol será parâmetro para 144 casos

Julgamento, marcado para amanhã, se tornará exemplo para ações semelhantes, avaliam ministros
Mariângela Gallucci
O julgamento sobre a extensão e o formato da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, vai servir de base para outras disputas travadas no Supremo Tribunal Federal (STF). Há 144 ações na corte envolvendo a demarcação de terras indígenas na Bahia, Pará, Paraíba, Distrito Federal e Rio Grande do Sul.
Especial explica o conflito e traz cronologia, vídeos e análises
Relator da ação sobre a Raposa Serra do Sol, o ministro do STF Carlos Ayres Britto afirmou ontem que o tribunal decidirá o processo de acordo com a Constituição, o que fará com que o julgamento se torne um exemplo para os casos semelhantes.
"Vamos decidir sobre Raposa Serra do Sol. Mas se decidirmos a partir de coordenadas constitucionais e objetivas, servirá de parâmetro para todo e qualquer processo de demarcação", afirmou Ayres Britto.
De acordo com suas informações, o julgamento deverá consumir várias horas e talvez alguns dias. Só o seu voto tem 108 páginas.
O ministro faz mistério sobre como votará, evitando dizer se será favorável à demarcação em área contínua ou no formato de ilhas. "Não se pode antecipar voto", justificou ele que, nos últimos tempos, começou a se dedicar à prática da meditação para relaxar. "Às vezes a decisão contraria as duas partes", afirmou.

ADVOGADOS
No julgamento, além de Ayres Britto, falarão os advogados das partes interessadas na demarcação, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, e os outros 10 ministros do Supremo. O relator estava ontem com o seu voto praticamente pronto, mas continuava a receber em seu gabinete para audiências autoridades que defendem tanto o ponto de vista dos índios quanto o dos arrozeiros, que se recusaram a deixar a área.
O presidente do STF, Gilmar Mendes, e o ministro Marco Aurélio Mello também disseram que o julgamento da Raposa Serra do Sol servirá de parâmetro para outras ações sobre reservas indígenas. "Independentemente do resultado, esse julgamento vai balizar critérios para demarcação e a participação dos Estados nesse processo. Esse julgamento vai ser rico nesse tipo de orientação", afirmou Mendes.
Marco Aurélio afirmou que a decisão do STF se estenderá para outros casos semelhantes. "Sem dúvida alguma, se o Supremo fixar que a demarcação deve ser setorizada por ilhas, evidentemente, isso se estenderá a todo o território nacional", observou.
Entre as dezenas de ações envolvendo temas indígenas que esperam julgamento pelo STF, uma delas encontra-se há quase 26 anos na fila. Foi proposta pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que pede a anulação de títulos de posse concedidos pelo governo da Bahia em áreas da reserva indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu, localizada no sul do Estado.
O julgamento dessa ação de mais de um quarto de século está previsto para ocorrer na próxima semana no Supremo. Só no caso da Raposa Serra do Sol existem mais de 30 ações, de acordo com informações da assessoria do STF. Acredita-se que o julgamento da ação desta semana servirá de baliza para todas as outras.



ONU cobra mais empenho do Brasil por direitos indígena

BRASÍLIA - Os índios brasileiros precisam ter mais controle sobre suas comunidades, disse um relator de direitos humanos da ONU nesta segunda-feira, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) prepara sua decisão sobre a polêmica demarcação da terra indígena Raposa-Serra do Sol, em Roraima.
James Anaya, relator especial de direitos indígenas da ONU, disse que a Constituição brasileira é uma das mais avançadas do mundo nesse campo, mas que o governo ainda precisa se empenhar mais em permitir, na prática, a autodeterminação dos povos indígenas.
- Tornou-se evidente para mim que os povos indígenas frequentemente não controlam as próprias decisões que afetam seu cotidiano e suas terras, mesmo quando suas terras foram oficialmente demarcadas e registradas - disse Anaya em entrevista coletiva ao final de uma semana de visita ao país. Há 750 mil indígenas entre os 185 milhões de brasileiros, e suas terras equivalem a 12% do território nacional.
O STF deve decidir nesta quarta-feira sobre um pedido de anulação da demarcação da terra indígena em Roraima, homologada há três anos pelo governo Lula. Latifundiários, madeireiras e mineradoras mantêm atritos freqüentes com índios no Brasil, e alegam que as reservas obstruem o progresso.
No caso de Roraima, a disputa começou em abril, quando a polícia tentou retirar plantadores de arroz da reserva. Os fazendeiros, que se dizem donos da terra, reagiram contratando pistoleiros, bloqueando estradas e explodindo pontes. Dez índios ficaram feridos num confronto em maio, quando um fazendeiro foi preso.
Anaya também condenou as atitudes 'paternalistas' do governo e de ONGs, o que estaria impedindo os índios de estabelecerem suas prioridades e administrarem os programas destinados a beneficiá-los.
- Observei uma escassez e uma falta de uso eficiente de recursos devotados a programas muito necessários para os povos indígenas - disse ele.

Mendes diz que decisão do STF sobre reserva será exemplo

BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, afirmou que a decisão do STF sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol poderá servir como exemplo para estipular critérios para outras situações relativas à demarcação de terras indígenas no país.
- Independentemente do resultado, esse julgamento vai balizar critérios para demarcação em terra de fronteiras, participação dos Estados nesse processo. Vai servir para esse tipo de orientação -afirmou.
Na próxima quarta-feira, o Supremo retoma o julgamento para decidir se será mantida a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, homologada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2005.

Supremo: decisão sobre Raposa será parâmetro

Relator da ONU diz que PAC ignora direitos dos índios na criação de rodovias e hidrelétricas.
BRASÍLIA. A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, servirá de parâmetro para definir outras terras indígenas no país. A avaliação foi feita ontem por três ministros: o presidente, Gilmar Mendes, o relator da ação, Carlos Ayres Britto, e Marco Aurélio Mello. Gilmar lembrou que, pela primeira vez, desde que foi promulgada a Constituição de 1988, o tribunal discutirá o tema:
- O Brasil espera que o STF defina claramente essa questão, que é sensível para todos. Independentemente do resultado, esse julgamento vai balizar os critérios para a demarcação de terras indígenas em áreas de fronteira, a participação dos estados no processo, a questão federativa. Esse julgamento vai ser rico nesse tipo de orientação.
- Se decidirmos sobre Raposa a partir de coordenadas constitucionais e objetivas, é evidente que servirá de parâmetro para todo e qualquer processo demarcatório no futuro - completou Ayres Britto.
Será decidido amanhã se a reserva pode ser delimitada de forma contínua, como quer o governo federal, ou segmentada, como defende Roraima.
Depois de 12 dias viajando por Amazônia e Centro-Oeste, o relator da ONU para os povos indígenas, James Anaya, disse que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) deveria estar mais harmonizado com a defesa dos direitos dos índios. Para ele, falta um mecanismo de consulta aos índios sobre as obras como rodovias e hidrelétricas. O programa Bolsa Família, apesar de merecer elogio, também foi alvo de questionamento do relator:
- Ele de fato alcança os povos indígenas? O governo deveria ser aplaudido por esse programa, mas é preciso saber se ele alcança os indígenas.