terça-feira, 23 de setembro de 2008

Cortina de fumaça na Raposa Serra do Sol

Por Adriano Benayon

O Jornal Folha de São Paulo assinala, em editorial de 30 de agosto último, que o Itamaraty contrariou a Constituição ao assinar (em 2007) a Declaração da Assembléia-Geral das Nações Unidas sobre os “direitos dos povos indígenas”.

O editor resume a incompatibilidade entre Declaração da AG da ONU e o direito de países soberanos a conservar a integridade de seu território, dizendo muito bem: “O acervo constitucional brasileiro não abriga o conceito de "povos" nem de "nações" indígenas. A lei fundamental admite apenas uma nação, um território e uma população, a brasileira.”

A severa crítica é fundada, pois a Declaração prevê a “autodeterminação” de povos indígenas, ensejando que tribos indígenas troquem a tutela disfarçada pela tutela declarada das potências hegemônicas. De fato, os agentes destas, há decênios, infiltram-se nas extensas áreas amazônicas ricas em minerais e em biodiversidade, nas quais vêm obtendo demarcações abusivas de “reservas indígenas” em faixas contínuas.

Com efeito, aponta o editor: “Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia ... perceberam a esparrela e não assinaram a declaração da ONU.” Mostra, ainda, outro ponto insustentável: o documento da ONU restringe ações militares em terras indígenas. “As áreas ocupadas por índios no Brasil são propriedade da União e, para fins de defesa nacional, estão sujeitas à presença permanente das Forças Armadas.” E: “Na [zona de] fronteira, definida como a faixa de 150 km até a divisa com outros países, a presença militar é mandatória [obrigatória].”

Entretanto, depois de expor tudo isso, o editorial, faz conclusão oposta aos interesses nacionais: “O decreto presidencial, contestado no Supremo Tribunal Federal, que homologou a terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, manteve-se na linha prescrita pela lei fundamental.”

Diz, ainda, a Folha: “... o Itamaraty resolveu dar sua contribuição para uma celeuma gratuita a respeito do assunto. Assinar documentos internacionais que contrariam a Constituição do país é erro diplomático elementar.”

Ora, a celeuma só é gratuita para ingênuos. O jornal aparenta imparcialidade, mas defende o decreto pernicioso. Parece ter como objetivo apenas fustigar o governo, coisa que não fazia em outros tempos, quando este estava sob direção ainda mais subserviente para com a oligarquia mundial.

O decreto traz ameaça maior à integridade do território nacional do que a declaração da ONU, contra cuja aprovação, pendente no Senado, o Jornal, de resto, não faz advertência clara. Se aceito pelo STF, o decreto assegura, no terreno, a exclusão dos brasileiros de todas as raças e oriundos de todas as miscigenações, sob o primado do princípio racista, determinando a expulsão dos “não-índios” e a da maioria dos índios, a qual não quer ser excluída da comunidade brasileira.

O decreto é inconstitucional não só por ferir os direitos dos brasileiros de toda e qualquer origem radicados na área, mas também por se basear em política racista de limpeza étnica. Leva, de fato, a segregar do território nacional as áreas demarcadas. Ora, a situação no terreno é determinante, pois o direito não costuma prevalecer sem a capacidade, especialmente militar, de o fazer respeitar.

Por isso, o estribilho recitado pelos defensores da entrega de territórios nacionais refere-se à Declaração da AG da ONU, retirando o foco do julgamento no STF sobre a validade do decreto de demarcação. Isso porque o essencial, no momento, para as potências hegemônicas é garantir que saiam das áreas demarcadas os brasileiros não vinculados a seu serviço direto ou por ONGs e entidades religiosas interpostas.

Com ou sem o voto do Brasil aderindo à Declaração, as potências hegemônicas já obtiveram tantas capitulações de governos do Brasil e já o fizeram enfraquecer tanto, que, para as desencadearem o processo de “independência” de pretensas nações indígenas, só falta a demarcação em faixa contínua. Elas o farão, mesmo desaprovadas por países menos afinados com o Império anglo-norte-americano, como a Rússia e a China. Em função da dificuldade geoestratégica, estas provavelmente se absteriam de intervir, embora percebam seus interesses prejudicados.

Em suma, a defesa da Amazônia não é viável sem mudança institucional profunda no Brasil. Só um sistema político não-governado pelo dinheiro concentrado, que domina as “disputas” eleitorais, pode realizar a indispensável autodeterminação nacional, que exige criar estruturas econômicas, políticas e culturais completamente distintas das presentes.

Sem reconquistar o controle da economia e das finanças onde elas se encontram (São Paulo, Rio de Janeiro etc.), não haverá como manter a Amazônia brasileira. O poder militar, indispensável para isso, só tem possibilidade de ser construído com a reconquista daquele controle.

Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”, editora Escrituras.

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