terça-feira, 23 de setembro de 2008

Entre la paz e a guerra

Evo Morales negocia com a oposição, enquanto distúrbios na fronteira fazem do Brasil refúgio de bolivianos

 

A Bolívia é um país de grandes contrastes, mesmo quando se trata de negociar a paz. Na quinta-feira 18, o presidente Evo Morales e oito dos nove governadores da oposição começaram um diálogo a portas fechadas em um centro de convenções de Cochabamba. "Esta é talvez a última oportunidade de resolver os problemas nacionais em paz", disse ao chegar ao encontro o governador Mario Cossío, do departamento de Tarija. Na crise que dividiu o país, Cossío vem atuando como portavoz dos departamentos que se opõem ao governo Evo Morales, reivindicam autonomia e rejeitam a Constituição de caráter indigenista-socialista proposta pelo presidente boliviano. Horas depois, enquanto a reunião se arrastava com a meta de chegar a um acordo, o porta-voz do próprio Morales expressou perspectiva similar do encontro. "Na Bolívia, estamos acostumados aos conflitos e a chegar à beira do precipício para começar a conversar", disse Iván Canelas. Em contrapartida, no resto do país, o clima ainda era de confronto. No departamento de Santa Cruz de La Sierra, autonomista, pelo menos cinco mil seguidores de Evo Morales continuavam preparados para cercar a capital Santa Cruz. Em prontidão, bloquearam uma ponte sobre o rio Yapacaní, 100 quilômetros ao norte da cidade, impedindo a passagem de veículos.

A senha que possibilitou o encontro de Cochabamba foi um pré-acordo firmado entre governo e oposição na terça-feira 16. Pelo acerto, Morales "expressaria respeito" pelo direito dos departamentos de requererem maior autonomia e devolveria parte da arrecadação de um imposto sobre os hidrocarbonetos, recursos que estavam sendo usados para pagar pensão a pobres maiores de 60 anos. O préacordo, por sua vez, foi precedido por uma expressiva manifestação de apoio ao presidente boliviano, feita por nove presidentes reunidos em Santiago, no Chile, em um encontro de emergência da União das Nações Sul-Americanas (Unasul). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que esteve em Santiago, reforçou seu apoio a Morales dois dias depois, ao comentar a decisão do presidente boliviano de expulsar o embaixador dos Estados Unidos no país. "Se for verdade que o embaixador dos Estados Unidos fazia reunião com a oposição de Evo Morales, o Evo está correto em mandá-lo embora", disse Lula à Agência Brasil.

Atendendo a um apelo de Morales, o governo brasileiro ajudará a Bolívia, por meio da venda de ônibus e de caminhões militares, mas descartou a possibilidade de enviar tropas ao país. No Brasil, as fronteiras foram reforçadas, principalmente no Acre, no trecho de divisa com o departamento de Pando, onde uma onda de violência havia culminado na semana anterior com a morte de pelo menos 15 pessoas e o sumiço de outras 100.

Fugindo dos distúrbios, cerca de mil bolivianos atravessaram a fronteira e buscaram abrigo nas cidades de Brasiléia e Epitaciolândia, que são separadas apenas por pontes de Cobija, capital de Pando. A maioria dos refugiados está hospedada em pousadas e casas de amigos e parentes. Cerca de 100 pessoas foram alojadas pelo governo do Acre em igrejas e sindicatos.

Entre os que procuraram abrigo no Acre está o empresário e músico Loren Fernández, irmão do governador de Pando, Leopoldo Fernández. No mesmo dia que firmou o pré-acordo com a oposição, o governo Morales mandou prender o governador, acusando-o de desacatar o estado de sítio em Pando e de ser o "autor intelectual" das mortes ocorridas no departamento. "Não queremos jogar terra em cima dessa tragédia, mas queremos que se faça uma investigação isenta", defende Loren. Garantindo a inocência do irmão, Loren afirma que o receio do governador é ser vítima de um linchamento. "Ele está na Academia de Polícia em La Paz, onde os seguidores de Evo Morales são maioria. Se eles decidirem invadir a academia, não haverá como contê-los", argumenta. Por isso, o governador acaba de requerer sua transferência para Sucre, sede da corte suprema da Bolívia. Reflexo do cotidiano de um país marcado pela divisão e pelos ânimos exaltados.

Luiza Villaméa



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