Governador prevê problemas seja qual for decisão sobre demarcação de Raposa Serra do Sol
Carolina Brígido, Evandro Éboli e Chico de Góis
O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que definirá o tipo de demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, pôs a Polícia Federal de prontidão e preocupa o governador do estado, José de Anchieta Júnior (PSDB). Ele disse acreditar que - qualquer que seja a decisão - haverá conflito na região, em razão do julgamento marcado para amanhã. O ministro da Justiça, Tarso Genro, assegurou ontem que o governo está preparado para cumprir a lei e manter a ordem.
O governador, que ontem viajou para Brasília, afirmou que o clima na região está tenso - principalmente entre os próprios índios que, segundo ele, estão divididos entre o modelo contínuo, defendido pelo governo federal, e o segmentado, incentivado pelo estado. Caso a demarcação em área contínua prevaleça, 48% do território de Roraima passarão a ser destinados a reservas indígenas.
- No estado, hoje o clima é tenso. Seja qual for o resultado, deve ter conflito. O nível de acirramento está muito grande - contou.
Anchieta explicou que a área é de responsabilidade da União e, por isso, não caberia à polícia de Roraima zelar pela segurança no local. No entanto, disse estar à disposição para auxiliar a Polícia Federal:
- O conflito que houver depois é de responsabilidade das autoridades federais. Mas o governo estadual, caso solicitado, estará preparado para ajudar.
No último fim de semana, o prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero, um dos principais produtores de arroz do estado, afirmou, em entrevista a um jornal local, que ligou para a PF para denunciar que índios estavam se reunindo em frente a sua fazenda. Na entrevista, ele teria dito que se os índios tentassem invadir sua propriedade seriam recebidos "a bala".
Quartiero foi preso em maio, acusado de ter mandado atacar índios que entraram em sua fazenda para montar um acampamento. Na ocasião, dez índios foram feridos, alguns baleados; as imagens foram gravadas por um deles.
Os índios da Central Indígena de Roraima (CIR), contrária à permanência dos arrozeiros na reserva, negam que planejem invasões. Eles disseram que Quartiero quer criar um clima de confronto.
"É fácil comandar índio", diz Anchieta
O governador de Roraima, que é contra a demarcação em área contínua, disse que as áreas de fronteira da reserva com a Venezuela e a Guiana (cerca de dois mil quilômetros) preocupam. Para ele, a presença de fazendeiros no local garantiria mais a segurança nacional do que a de índios.
- Querem tirar os brasileiros da faixa de fronteira e deixar só os índios. É fácil comandar índio. Se ele tiver febre, você dá um AAS ou uma Cibalena, resolveu o problema - afirmou.
Anchieta disse ainda que há "interesses internacionais" por trás da tese da demarcação contínua da reserva. Empresas mineradoras, afirmou, teriam mais facilidade de explorar o rico subsolo da região se a área ficar com os indígenas. Outra preocupação do governador é quanto à retirada dos arrozeiros da região, também defendida pelo governo federal. A produção de arroz da reserva corresponde a 6% do Produto Interno Bruto (PIB) do estado. Anchieta afirmou que os produtores dão emprego e, com isso, garantem a sobrevivência dos índios.
- Os índios da região vivem harmonicamente com os não-índios. Aliás, eles precisam dessa integração para garantir a sobrevivência - disse, ignorando episódios recentes de conflitos entre produtores e índios.
A advogada Joênia Wapixana, que atua no processo como representante do CIR rebateu os argumentos de que deixar as terras sob o comando dos índios é colocar em risco a soberania nacional.
- É um discurso que não cabe mais. Esse é o olhar do colonizador, que só quer explorar, saquear e se dar bem. Não pode prevalecer a vontade de meia dúzia de latifundiários. Na verdade, apenas um arrozeiro atua fortemente contra a reserva contínua - disse Joênia, referindo-se a Quartiero.
O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, disse que, se o STF determinar a demarcação em "ilhas", poderá abrir "brechas perigosas" em prejuízo de outras áreas indígenas brasileiras.
- Se houver uma brecha, poderia abrir, perigosamente, questionamentos para outras terras indígenas já demarcadas - avaliou Meira.
Já o ministro da Justiça voltou a defender a demarcação em terra contínua.
- Da nossa parte, não vai haver conflito. Seja qual for a decisão do Supremo, vamos cumpri-la. Acreditamos que a solução é a continuidade, essa é a tradição do Supremo no país, essa é a melhor interpretação da Constituição.
Um contingente de agentes da PF e da Força Nacional de Segurança - de pelo menos 120 homens - está de prontidão em Roraima para atuar logo após o julgamento. Os policiais estarão distribuídos em locais estratégicos de Roraima para evitar confrontos e protestos violentos que podem ocorrer na capital, Boa Vista, e no interior da terra dos índios, como a Vila Surumu e também em Pacaraima.
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