Para governador de Roraima, haverá conflito seja qual for resultado de julgamento
Líder arrozeiro ameaça atirar contra índios em caso de invasão; para Funai, decisão sobre Raposa/Serra do Sol vai afetar outras reservas
LUCAS FERRAZ / HUDSON CORRÊA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
BRENO COSTA
DA AGÊNCIA FOLHA
Contrários à demarcação contínua da terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, o governador do Estado, José de Anchieta Júnior (PSDB), e o líder arrozeiro e prefeito de Pacaraima (RR), Paulo César Quartiero (DEM), afirmaram ontem que haverá conflito na reserva, seja qual for a decisão do Supremo Tribunal Federal.
O governador disse, em Brasília, que está de prontidão para mobilizar médicos, ambulâncias e helicóptero, após o julgamento amanhã. Quartiero, que também viajou ontem para Brasília, afirmou ter orientado funcionários a atirar em índios, se houver invasão de fazendas.
"A realidade do Estado hoje é um clima tenso. Acredito que, seja qual for o resultado [no STF], deve ter conflito. O nível de acirramento está muito grande", disse Anchieta Júnior, que prevê conflito entre os próprios índios, porque muitos deles seriam contra a demarcação contínua. Ele distribuiu um DVD à imprensa com depoimentos de pessoas contrárias à demarcação da maneira proposta pelo governo federal.
Três índios falam na gravação, incluindo o macuxi Sílvio da Silva, que em maio chegou a mobilizar um grupo de indígenas contra outros índios favoráveis à demarcação contínua.
Silva é presidente da Sodiurr (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima), grupo que representa esses índios. Apesar de manter, oficialmente, o discurso da não violência, ele não descarta confrontos. "Se eles [o CIR] mexerem com a gente, vamos armar um campo de briga e marcar um encontro", disse. O CIR (Conselho Indigenista de Roraima) reúne índios a favor da reserva em área contínua.
Quartiero, proprietário das fazendas Depósito e Providência, dentro da terra indígena, conta ter orientado seus funcionários sobre o que fazer em uma eventual invasão dos índios em suas propriedades.
"Se entrarem, serão recebidos à bala ou qualquer outra coisa que tiver. Vamos reagir e proteger o nosso patrimônio."
No sábado, ele foi à PF denunciar ameaças de invasão, por parte de um grupo de 300 índios, contra uma de suas propriedades, "independentemente do resultado do julgamento".
O CIR disse que, de fato, mantém cerca de 300 índios próximo à fazenda, mas negou que haja um plano para invadir a fazenda. Afirmou que os índios estão lá para acompanhar o julgamento e "fazer uma manifestação na Vila Surumu".
Polêmica
A demarcação da reserva é um dos temas mais polêmicos a ser analisado na história do STF. A área, homologada pelo presidente Lula em 2005, corresponde a 11 cidades de São Paulo e está encravada no extremo norte de Roraima. Para o governador, a terra indígena na fronteira com Venezuela e Guiana ameaça a soberania nacional. Ele defende o convívio entre índios e fazendeiros.
Na região vivem mais de 18 mil índios de cinco etnias, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), com predominância dos macuxi. O imbróglio sobre a demarcação, se em ilhas (com a possibilidade de brancos viveram no local) ou contínua (somente com os indígenas), se arrasta há dez anos.
A Funai vê com preocupação a tendência, conforme reportagem da Folha de ontem, de o STF buscar um meio termo na decisão: flexibilizaria a demarcação contínua atendendo à demanda do Estado e dos arrozeiros, que permaneceriam na região. "Qualquer mudança [na demarcação] fere o preceito constitucional. Se houver brecha, cria-se um precedente muito perigoso que poderá ameaçar outras terras indígenas já homologadas", diz presidente do órgão, Márcio Meira.
Apesar da tensão, há apenas 180 policiais no local.
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