quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Entenda a disputa em torno da reserva Raposa Serra do Sol

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta semana o julgamento de ação popular que questiona a legalidade da demarcação de uma área contínua de 1,7 milhão de hectares para a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, na divisa com Venezuela e Guiana.

A ação começou a ser julgada em 27 de agosto, mas após a leitura do primeiro voto, do relator Carlos Ayres Britto, a votação foi suspensa por pedido do ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

A reserva foi demarcada em 1998 e homologada em 2005, quando começou a retirada dos não-índios da região. Em 2008, porém, após mais de dois anos do processo de saída de pequenos produtores, a Polícia Federal foi chamada para ajudar na retirada de grandes produtores de arroz, que tem fazendas na parte sul de Raposa.

Um grupo de fazendeiros e de índios que os apóiam resistiram e o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior, recorreu ao STF pedindo a suspensão da operação federal. Em maio, o Supremo decidiu pela paralisação da operação até que fosse julgado o mérito das ações que contestam a legalidade da reserva.

Confira a seguir algumas questões que explicam a polêmica.

O que está sendo decidido?

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estão julgando a primeira das mais de 30 ações que contestam a legalidade da homologação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol.

Entre outros argumentos, a ação diz que a demarcação contínua fere o princípio da razoabilidade, "porque estar-se-ia privilegiando de maneira absoluta o princípio da tutela do índio em detrimento de outros igualmente relevantes". Aponta ainda as consequências "desastrosas" à estrutura produtiva comercial de Roraima e comprometimento da soberania e da segurança nacionais. Também suscita os direitos dos não-índios que habitam a região "há três ou mais gerações" que terão de abandonar as terras.

Se a ação for aceita, ficaria permitida a presença de não-índios na área que hoje corresponde à reserva e a demarcação teria de ser revista.

Como foi a demarcação?

O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso promoveu a demarcação da reserva em 1998, e o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou as terras, em 2005.

O laudo antropológico com base no qual a área foi demarcada diz que a extensão da área se justifica pela grande migração existente entre os índios das cinco etnias que vivem na região. O governo de Roraima contesta o laudo, alegando que nem todos os interessados, incluindo índios, foram consultados. Há também acusações de que o laudo foi fraudado, o que é negado pelo governo federal.

Quais são os principais argumentos a favor e contra de uma reserva contínua?

Os que são a favor alegam que a Constituição de 1988 assegura aos índios "os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens". O desmembramento da reserva, alegam os favoráveis à demarcação contínua, ameaçaria a sobrevivência física e sociocultural dos povos indígenas. Os índios afirmam que precisam de áreas grandes para viver por causa de sua tradição e da maneira coletivista de produzir e se organizar.

O campo contra a demarcação contínua alega que parte dos índios já está aculturada e que o reconhecimento dos direitos indígenas independe da demarcação contínua. Os que são contra, como o próprio governo de Roraima e produtores de arroz instalados na área da reserva, sustentam que a reserva aumenta para mais de 45% a área do Estado ocupada por terras indígenas e prejudica a economia do Estado. Os defensores da reserva alegam que os quase 60% restantes são suficientes para atender ao resto da população e que a densidade rural em outras áreas do Estado também são muito baixas, como na reserva.

Outro argumento contra diz respeito ao risco à soberania nacional pelo fato de a reserva estar localizada na fronteira com Venezuela e Guiana. Como os índios não ocupam toda a área de forma uniforme, aquela área ficaria vulnerável a infiltrações. Os que apóiam a demarcação contínua dizem que não há grandes vazios demográficos na reserva e que a atuação do Exército dentro das reservas é livre - portanto, não haveria motivo para essa preocupação.

O que propõem os militares?

Assim como o governo do Estado e produtores rurais de grande porte, os militares propõem a demarcação do território em “ilhas”, o que permitiria a constituição de núcleos urbanos e rurais na faixa de fronteira.

Quem está a favor e quem está contra?

Uma grande parte dos indígenas, representados principalmente pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), além de entidades da sociedade civil ligadas à defesa da causa indígena ou social. Entre elas, a ONG Instituto Socioambiental, Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Alám do próprio governo do Estado, são contra os rizicultores, criadores de gado e a restante população não-índia da região, apoiados por parte dos indígenas, reunidos na Sociedade de Defesa dos Indígenas Unidos do Norte de Roraima (Sodiur).

O que é uma "terra indígena"?

É uma área de propriedade da união com usufruto indígena. São definidas de acordo com a ocupação tradicional das terras. A Constituição de 1988, no artigo 231, reconhece "aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".

No parágrafo segundo, o texto constitucional estabele ainda que "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes".

O Brasil tem atualmente 653 terras indígenas reconhecidas, que abrigam 227 povos, com cerca de 480 mil pessoas. Essas terras representam 12,5% do território nacional. A maior parte das áreas indígenas está nos nove Estados da Amazônia Legal.

Por que a Raposa Serra do Sol foi criada naquela região de Roraima?

É a área tradicionalmente habitada pelos Macuxis, etnia majoritária na reserva. A reserva compreende uma região de planície (Raposa) e uma montanhosa, ao norte (Serra do Sol).

Quem são os índios que habitam a reserva?

Cerca de 19 mil índios de cinco etnias vivem na região da reserva agrupados em quase 200 aldeias, chamadas de malocas. O maior grupo é da etnia Macuxi, que convivem com Wapichana, Taurepang, Ingaricó e Patamona.

Quais seriam as conseqüências de uma decisão favorável ou desfavorável à demarcação contínua?

Os índios a favor da reserva contínua alegam que sua forma de vida e desenvolvimento voltarão a ficar ameaçados. Para eles, uma decisão contrária a sua posição também não acabará com o conflito na região e a busca pela demarcação da forma que foi homologada deve permanecer.

O governo do Estado afirma que 7% do seu PIB vem das plantações de arroz na reserva e que não é possível transportar essas plantações de forma eficaz para outras regiões. O governo estadual também acredita que com mais de 45% de áreas em reserva o desenvolvimento econômico geral do Estado fica comprometido.

Do ponto de vista nacional, a decisão do Supremo deverá servir de parâmetro para as demais ações apresentadas, o que, no jargão jurídico, equivale a criar jurisprudência. Defensores de reservas como a de Raposa acreditam que podem surgir ações contra outra áreas já estabelecidas. Há diversas outras terras indígenas na faixa de fronteira, algumas delas bem maiores do que a Raposa Serra do Sol. A dos Ianomâmi, também em Roraima, por exemplo, tem 9 milhões de hectares.

Se a ação de contestação for acolhida, os arrozeiros poderão permanecer na região e caberá ao Executivo fazer nova demarcação.

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