Índios acreditam que Supremo Tribunal manterá demarcação da reserva em área contínua, mas se sentem ameaçados por arrozeiros
Paloma Oliveto
Da equipe do Correio
Horas antes do julgamento que vai decidir sobre a constitucionalidade da demarcação em área contínua da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, que será retomado hoje, o clima entre os índios é de confiança no resultado, mas também de tensão. Embora digam estarem certos de que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) seguirão o voto do relator, Carlos Ayres Britto, favorável ao decreto presidencial contestado na Justiça, eles temem a reação dos fazendeiros que se recusam a sair da região. As declarações do arrozeiro e prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero (DEM), de que os produtores rurais não vão aceitar “na marra” a expulsão da terra (leia abaixo), foram entendidas como ameaças por um grupo de líderes indígenas que fizeram ontem um manifesto pacífico em frente ao prédio da Corte.
“Estamos pedindo força, coragem e que os que estão contra nós consigam entender que só queremos manter nossa cultura”, disse o cacique macuxi Djacir Souza, morador da Aldeia Maturuca. Juntamente com representantes das outras quatro etnias que vivem em Raposa Serra do Sol, ele dançou a parixara, um ritual tradicional de vigília. Antes da manifestação, um grupo de 42 indígenas foi recebido pelos ministros do Supremo em reunião reservada. “Da nossa parte, não vai ter reação. Nunca fizemos justiça com as próprias mãos. Enquanto isso, acontecem homicídios de índios e ninguém é punido”, diz. De acordo com o relatório mais recente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização ligada à Igreja Católica, entre 1995 e 2005, 287 índios foram assassinados no Brasil.
Embora a terra dos ingaricós fique mais afastada da área de conflitos, que atinge principalmente os macuxis e uapichanas, o cacique Gelson Ingaricó, coordenador da Aldeia Serra do Sol, diz que a orientação dos líderes é para que os índios fiquem atentos contra possíveis agressões. Porém, ele garante que, por parte dos indígenas, não haverá conflito armado.
Um dos principais personagens do imbróglio em torno da demarcação em área contínua dos 1,7 mil hectares da Reserva Raposa Serra do Sol, o rizicultor e prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero (DEM), admitiu a possibilidade de derrota no plenário do STF, mas avisou que o resultado do julgamento não coloca um ponto final na polêmica. “O assunto não se encerra no Supremo. Temos a indenização das benfeitorias e a questão do reassentamento. Não vamos ter que sair correndo”, afirmou.
Pela manhã, em entrevista à Agência Brasil, Quartiero disse que deu ordem aos funcionários de sua fazenda que reajam “com a força necessária” no caso de a propriedade ser invadida por índios. O arrozeiro lidera o movimento de resistência contra a retirada dos não-índios da reserva, juntamente com os outros últimos cinco rizicultores que permanecem na área. Em maio passado, foi preso em Surumu pela Polícia Federal, acusado de tentativa de homicídio, formação de quadrilha e posse de artefatos explosivos.
O governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), embora adversário político de Quartiero, também é contra a demarcação da reserva em área contínua e, na segunda-feira, deu a entender que pode haver confusão no estado, caso o Supremo decida pela constitucionalidade do decreto presidencial. “Quero deixar claro que a responsabilidade do que acontecer lá é do governo federal”, avisou, em tom de ameaça. Ele aproveitou para dizer que haverá ameaças à soberania nacional, já que a área faz fronteira com a Guiana e com a Venezuela.
Ontem, o ministro da Justiça, Tarso Genro, respondeu às acusações. Em nota oficial, afirmou que “o fato de haver demarcação de terras em área de fronteira não impede a entrada das Forças Armadas para a proteção da soberania nacional”. Ele destacou que “na Raposa Serra do Sol, por exemplo, existem três pelotões especiais do Exército para isso”.
Sem prejuízos
Genro também contestou as alegações de Anchieta Júnior de que haverá prejuízos econômicos para a região. “O governo federal, através de seus órgãos, desenvolveu vários projetos importantes em colaboração com Roraima, para permitir seu desenvolvimento econômico. A parceria prevê a realização de cursos de capacitação em ecoturismo, a criação de pólos de atividades produtivas; além da implantação de sistemas de saneamento ambiental para os municípios”, afirmou na nota.
Prefeito de Uiramutã, uma das principais cidades localizadas na reserva, o índio Eliésio Lima (PT) também desmentiu Anchieta Júnior, que afirmou que os próprios índios são contrários à demarcação em área contínua porque seriam prejudicados economicamente. “Em hipótese alguma isso acontecerá. As comunidades indígenas têm suas produções próprias e suficientes para a região. Se os índios fossem contrários não teriam eleito um prefeito índio também”, argumentou.
A polêmica relacionada à Raposa Serra do Sol começou em 1917, quando o governo do Amazonas editou uma lei estadual, destinando as terras compreendidas entre os rios Sumuru e Cotingo para a ocupação dos índios macuxis e jaricunas. A homologação ocorreu anos depois, em 2005. Não demorou para que rizicultores, que chegaram à área onde se localiza a reserva na década de 1970 e intensificaram a ocupação 20 anos depois, começassem a protestar. Eles defendem que a reserva seja criada em ilhas, e não de forma contínua. No local, vivem 19 mil índios das etnias Macuxi (predominante), Uapixana, Ingaricó e Taurepagns. Seis produtores de arroz ocupam 18 mil hectares e recusam-se a sair do local. (PO)
Paloma Oliveto
Da equipe do Correio
Horas antes do julgamento que vai decidir sobre a constitucionalidade da demarcação em área contínua da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, que será retomado hoje, o clima entre os índios é de confiança no resultado, mas também de tensão. Embora digam estarem certos de que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) seguirão o voto do relator, Carlos Ayres Britto, favorável ao decreto presidencial contestado na Justiça, eles temem a reação dos fazendeiros que se recusam a sair da região. As declarações do arrozeiro e prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero (DEM), de que os produtores rurais não vão aceitar “na marra” a expulsão da terra (leia abaixo), foram entendidas como ameaças por um grupo de líderes indígenas que fizeram ontem um manifesto pacífico em frente ao prédio da Corte.
“Estamos pedindo força, coragem e que os que estão contra nós consigam entender que só queremos manter nossa cultura”, disse o cacique macuxi Djacir Souza, morador da Aldeia Maturuca. Juntamente com representantes das outras quatro etnias que vivem em Raposa Serra do Sol, ele dançou a parixara, um ritual tradicional de vigília. Antes da manifestação, um grupo de 42 indígenas foi recebido pelos ministros do Supremo em reunião reservada. “Da nossa parte, não vai ter reação. Nunca fizemos justiça com as próprias mãos. Enquanto isso, acontecem homicídios de índios e ninguém é punido”, diz. De acordo com o relatório mais recente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização ligada à Igreja Católica, entre 1995 e 2005, 287 índios foram assassinados no Brasil.
Embora a terra dos ingaricós fique mais afastada da área de conflitos, que atinge principalmente os macuxis e uapichanas, o cacique Gelson Ingaricó, coordenador da Aldeia Serra do Sol, diz que a orientação dos líderes é para que os índios fiquem atentos contra possíveis agressões. Porém, ele garante que, por parte dos indígenas, não haverá conflito armado.
Um dos principais personagens do imbróglio em torno da demarcação em área contínua dos 1,7 mil hectares da Reserva Raposa Serra do Sol, o rizicultor e prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero (DEM), admitiu a possibilidade de derrota no plenário do STF, mas avisou que o resultado do julgamento não coloca um ponto final na polêmica. “O assunto não se encerra no Supremo. Temos a indenização das benfeitorias e a questão do reassentamento. Não vamos ter que sair correndo”, afirmou.
Pela manhã, em entrevista à Agência Brasil, Quartiero disse que deu ordem aos funcionários de sua fazenda que reajam “com a força necessária” no caso de a propriedade ser invadida por índios. O arrozeiro lidera o movimento de resistência contra a retirada dos não-índios da reserva, juntamente com os outros últimos cinco rizicultores que permanecem na área. Em maio passado, foi preso em Surumu pela Polícia Federal, acusado de tentativa de homicídio, formação de quadrilha e posse de artefatos explosivos.
O governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), embora adversário político de Quartiero, também é contra a demarcação da reserva em área contínua e, na segunda-feira, deu a entender que pode haver confusão no estado, caso o Supremo decida pela constitucionalidade do decreto presidencial. “Quero deixar claro que a responsabilidade do que acontecer lá é do governo federal”, avisou, em tom de ameaça. Ele aproveitou para dizer que haverá ameaças à soberania nacional, já que a área faz fronteira com a Guiana e com a Venezuela.
Ontem, o ministro da Justiça, Tarso Genro, respondeu às acusações. Em nota oficial, afirmou que “o fato de haver demarcação de terras em área de fronteira não impede a entrada das Forças Armadas para a proteção da soberania nacional”. Ele destacou que “na Raposa Serra do Sol, por exemplo, existem três pelotões especiais do Exército para isso”.
Sem prejuízos
Genro também contestou as alegações de Anchieta Júnior de que haverá prejuízos econômicos para a região. “O governo federal, através de seus órgãos, desenvolveu vários projetos importantes em colaboração com Roraima, para permitir seu desenvolvimento econômico. A parceria prevê a realização de cursos de capacitação em ecoturismo, a criação de pólos de atividades produtivas; além da implantação de sistemas de saneamento ambiental para os municípios”, afirmou na nota.
Prefeito de Uiramutã, uma das principais cidades localizadas na reserva, o índio Eliésio Lima (PT) também desmentiu Anchieta Júnior, que afirmou que os próprios índios são contrários à demarcação em área contínua porque seriam prejudicados economicamente. “Em hipótese alguma isso acontecerá. As comunidades indígenas têm suas produções próprias e suficientes para a região. Se os índios fossem contrários não teriam eleito um prefeito índio também”, argumentou.
A polêmica relacionada à Raposa Serra do Sol começou em 1917, quando o governo do Amazonas editou uma lei estadual, destinando as terras compreendidas entre os rios Sumuru e Cotingo para a ocupação dos índios macuxis e jaricunas. A homologação ocorreu anos depois, em 2005. Não demorou para que rizicultores, que chegaram à área onde se localiza a reserva na década de 1970 e intensificaram a ocupação 20 anos depois, começassem a protestar. Eles defendem que a reserva seja criada em ilhas, e não de forma contínua. No local, vivem 19 mil índios das etnias Macuxi (predominante), Uapixana, Ingaricó e Taurepagns. Seis produtores de arroz ocupam 18 mil hectares e recusam-se a sair do local. (PO)
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