“A lei tem que ser cumprida. Não tem outro jeito, mas nós queremos que o governo federal cumpra a parte dele também. Uma indenização e a realocação condizente conforme o que foi assinado no decreto (...) com valor justo e prévio”. Apesar da afirmação, o produtor acredita que a definição do Supremo pode ser favorável para os fazendeiros.
A compensação oferecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) é de R$ 5 milhões para os seis proprietários de terra que trabalham dentro da reserva indígena da Raposa. Itikawa afirma, porém, que os fazendeiros calculam que o valor indenizatório deveria chegar a R$ 100 milhões. A Funai baseia o seu cálculo em um processo estabelecido por lei no qual verifica quais foram os investimentos feitos, das cercas até o preparo do solo, para determinar as compensações.
Nesta quarta, o STF deve definir se a reserva indígena deverá manter a demarcação contínua, como quer o governo federal e boa parte dos índios, ou se irá permitir que existam “ilhas” de não-índios na região. Uma decisão pelas ilhas abrirá a possibilidade para que os grandes agricultores permaneçam na região.
“Pouca terra”
Em defesa de sua permanência, os agricultores apresentam uma série de argumentos – todos contestados por defensores da reserva contínua. Um dos principais pontos é que não havia índios na região antes da chegada dos colonizadores. “Não existiam índios nessa área”, diz Itikawa. “Eles ficavam em outras regiões.”
O professor e antropólogo Paulo Santilli, da Universidade Estadual Paulista e responsável por um dos laudos que ajudou a determinar a reserva, diz que mesmo registros antigos de terras mostram a presença de índios na região, algo que também estaria comprovado por material histórico de viajantes que passaram pela área. Alguns especialistas também apontam para sítios arqueológicos que ficam próximos às áreas em questão e que datariam de até 7 mil anos.
Outro argumento dos arrozeiros é que eles ocupam uma área relativamente pequena da reserva – em torno de 1% dos 1,7 milhões de hectares - e que existe muito espaço para os índios. “Há terra pra todo mundo, não tem porque brigar”, afirma Itikawa.
Os índios que defendem a reserva não concordam. O tuxaua - como são chamados os líderes regionais - Martinho Souza diz que além da questão da ancestralidade, que daria a eles o direito sobre a terra segundo a Constituição, na comparação sobre quem tem mais terra os índios saem perdendo. “Eles falam que a gente tem muita terra, mas nós somos muitos e eles são poucos.”
Diferentes levantamentos calculam em 19 mil o números de índios na reserva. Tomando-se como base os 1,7 milhões de hectares previstos na demarcação, cada índio teria em torno de 90 hectares, em média. Os seis donos de terras controlam, em média, 2,5 mil hectares cada.
A suposta falta de outras regiões produtivas para o plantio de arroz no Estado é outro problema apontado pelos produtores para sair da região. Itikawa afirma não conhecer áreas que possam substituir as atuais fazendas. “Estou aqui há quase 30 anos, sou agrônomo, trabalhei na assistência técnica e não conheço outra área. O governo federal, o Incra, anunciou que elas existem, então que mostrem essas áreas.”
Para o antropólogo da Universidade Federal de Roraima Herundino Ribeiro do Nascimento Filho, que apóia os índios, o argumento é apenas parcialmente válido. “O que a região tem é muita água e boa localização, está a 30 km da BR”, diz ele. E completa: “Mas também há outras regiões fora da reserva, como o Rio Branco, com área de lavrado (semelhante ao cerrado) e muita água.”
Herundino admite que a diferença é que os fazendeiros já prepararam a região onde estão por anos e por isso a produtividade é alta. Essa preparação, segundo ele, envolve desde adequar a fazenda para a mecanização até a preparação do solo, com adubos. Ele acredita que a preparação de outra área levaria entre dois e três anos.
A reserva Raposa Serra do Sol começou a ter sua área definida em 1977. Depois de diferentes estudos antropológicos, em 1998, ainda na gestão de Fernando Henrique Cardoso, o governo federal declarou que a posse da terra era dos índios e iniciou o processo de levantamento das propriedades de não-índios com o objetivo de retirá-las da região. Em 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto que homologou de forma contínua a reserva, com uma área de 1,7 milhão de hectares.
Em março de 2008, após a retirada de boa parte dos pequenos produtores da região, a Polícia Federal foi acionada para que fossem retirados seis grandes fazendeiros de arroz que estão na parte sul da reserva. Levando em consideração ações do governo do Estado e de produtores, o STF suspendeu em abril qualquer operação da PF até que seja julgado o mérito das ações contra a demarcação contínua.
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