terça-feira, 20 de maio de 2008

Depoimento de uma brasileira chocada sobre a situação de Roraima


RORAIMA
"Escrevo para compartilhar com vocês uma descoberta que me deixou chocada. Estava viajando pelo extremo Norte do Brasil, em meados de março, como produtora de um projeto cultural quando conheci Roraima.
Antes mesmo de chegar a Boa Vista, percebi que no avião em que embarcara havia uma maioria esmagadora de estrangeiros. Grupos de seis ou sete americanos, quase uma dezena de alemães, outros tantos franceses. Confesso que isso me causou um enorme desconforto, pois tenho em meu imaginário aquelas denúncias de venda da Amazônia, loteamento da floresta, amplamente anunciadas por meio de e-mails e panfletos supostamente ufanistas.
Não sou exatamente uma pessoa que fica reparando nos outros, mas a conexão entre o Acre e o mundo passa por Brasília. Isso quer dizer que, após treze horas de viagem, apesar do comportamento contido dos passageiros, era impossível não notar que o avião havia se transformado em uma "torre de babel" de asas.

Chegando a Boa Vista, após descansar da maratona aérea fui conhecer a cidade. Chamou minha atenção um adesivo colado no vidro traseiro de uma caminhonete estacionada à porta do hotel. Nele estava escrito: "Associação de Moradores de Roraima". Estava acostumada com a Associação de Moradores de uma determinada Praia, ou de um bairro, de um Estado nunca havia visto.
A cidade como se pode presumir ainda é pequena, não tem museu e a vida cultural limita-se ao Sesc. Caminhado por suas ruas, encontrei a cara conhecida das comissárias de bordo que estavam em nosso vôo, e então me perguntei para onde teriam ido todos os "gringos" que desembarcaram no aeroporto?
Logo os moradores de Roraima me forneceram a resposta. Sim, todos com quem conversei pareciam ter um único discurso: falaram que estavam cansados de alertar as poucas autoridades que chegam a Roraima sobre o fato da Amazônia já ter sido vendida e entregue. A uma só voz me contaram que os "gringos" fecham as estradas com correntes e estão munidos de GPS, mapeando as reservas de minérios do Estado, que hoje possui mais de 40% do território transformado em reservas indígenas contínuas.
Sempre me pareceu que a demarcação das reservas indígenas fosse algo positivo. Acreditava que estaríamos devolvendo as terras aos seus donos naturais. Quem me conhece sabe que na década de 90 saí muitas vezes às ruas em defesa das causas indígenas, e provavelmente minha postura atual vai causar estranhamento.
Mas, quando tomamos conhecimento de que entre as próprias etnias que habitam o território de Roraima, há muitos índios que não desejavam a demarcação destas terras e são contrários às decisões da Funai, começamos a desconfiar de posturas simplistas e resoluções homogêneas dos governos para as diferentes realidades indígenas de nosso extenso Brasil.
Todos conhecem a situação de abandono em que vive a maioria dos índios brasileiros demarcados. As crianças Mundurucus, por exemplo, da região de Jacareacanga, onde estive em 2006, estão crescendo banguelas, entregues à própria sorte, sobrevivendo a contínuas malárias, ao isolamento, à pobreza extrema, à aculturação missionária e ainda por cima consumindo peixes com altos teores de mercúrio, herança que lhes coube da intensa corrida do ouro ocorrida no Tapajós.
Em Roraima, não é diferente. A gravíssima situação de saúde nas aldeias, onde a taxa de malária também aumentou em índices alarmantes, é somada aos constantes atrasos no repasse de verbas para as instituições conveniadas de assistência à saúde, ao descaso das instituições responsáveis - Polícia Federal, Funai, Ibama e Ministério Público Federal, que permanecem alheias à violação da Constituição Federal e dos direitos indígenas. De forma que só restou aos povos nativos encontrar alguma ajuda e conforto no apoio dos arrozeiros ou dos estrangeiros.
Um funcionário do Sesc me disse em conversa informal que há muitos estrangeiros nas reservas. Contou-me que foi à região do Tepequem fazer uma pesquisa com a população indígena e acabou barrado por uns franceses que mantinham a estrada fechada com correntes e o impediram de passar. Segundo esta fonte, os estrangeiros perguntaram-lhe o que ele queria naquelas terras. Indignado, este funcionário afirmou que achava estranha esta pergunta, uma vez que ele era brasileiro. Ele concluiu sua narrativa afirmando que as pessoas que circulavam livremente pela área estavam com GPS marcando a terra.
Existem documentos na Truman Library (Biblioteca Truman), onde estão os arquivos do presidente Harry Truman, na cidade de Independence, Missouri, nos Estados Unidos, provando que, em 1961, quando o mundo vivia sob a Guerra Fria, o então presidente dos Estados Unidos John Kennedy enviou uma missão ao Brasil de João Goulart, para elaborar um plano de desenvolvimento para o Nordeste.
Este plano pretendia elevar o padrão de vida dos latino-americanos, mas os especialistas em direito constitucional consideraram isso uma afronta à nossa soberania uma vez que os convênios previam interferência na política interna, infiltração nos movimentos sociais e ação de agentes de CIA. Kennedy afirmava que a Guerra Fria poderia ser perdida na América Latina, se o Brasil pendesse para a esquerda, uma vez que isso estimularia o surgimento de novas Cubas nas Américas.
Você pode afirmar que hoje os tempos são outros, você pode até suspeitar que eu tenha mania de perseguição. Mas eu estive lá, falei com varias pessoas e todos - pessoal da limpeza, taxistas, vendedores das lojas - repetem a mesma história. E a única coisa que eu peço é: vamos investigar essa história.
Roraima parece estar em pé de guerra graças à demarcação contínua que foi aprovada recentemente. A Polícia Federal foi chamada para retirar os arrozeiros das terras indígenas, mas uma parte dos índios não quer que os arrozeiros saiam, pois estes fazendeiros dão-lhes alguma assistência médica. O governo do Estado também não quer que os arrozeiros sejam retirados.
Mas, afinal, quais as explicações para o suposto interesse dos estrangeiros por Roraima? Residiria este interesse na sua posição estratégica, distante duas horas da Venezuela? Será que a cobiça internacional enxergaria neste território de fronteira um ponto avançado para controlar a tendência de esquerda da Venezuela? Ou os interesses estariam nos minérios de ouro, diamantes, cassiterita e urânio existentes no rico subterrâneo de Roraima?
Apesar da falta de certezas, todos os dias mais estrangeiros chegam ao aeroporto de Roraima em missões para catequizar índios. Enquanto isso, essa invasão permanece desconhecida do resto do Brasil. Confesso que fiquei envergonhada com minha ignorância. Passei mal mesmo. Acho importante confessar isso. Fiquei com enxaqueca, suei frio, tive dores abdominais. Aquela complexa realidade me abalou fisicamente.
Diz o senso comum que onde há fumaça geralmente há fogo. Mas, depois de tantos e-mails denunciando virtualmente a tão temida invasão da Amazônia, estamos amortecidos. Parece que, por não encontrarmos na televisão ou nos grandes jornais as matérias sobre internacionalização de nosso território, não seja possível acreditar que este fato seja real. Fica-nos a impressão de que este discurso é fruto de brasileiros fantasiosos ou doidos - afinal, dizem, se não está na mídia, não pode ser verdade.
Acho que o resto do Brasil deveria aproveitar as promoções das companhias aéreas e conhecer o Monte Roraima, o Tepequem, etc. Esta região possui uma natureza privilegiada. Além do que, parece que neste novo milênio assistiremos à história do Brasil ser escrita na Amazônia.
Concluo este relato enfatizando que não fui a Roraima como ecologista, nem quero parecer neste momento da minha vida como militante política. Estou mais preocupada com meu crescimento profissional. Mas, o que vi, e principalmente senti, foi demais... Por isso, amigas e amigos mando este alerta para vocês. Convido-os para iniciar uma grande pesquisa bibliográfica e de campo sobre o tema. Só assim compartilhando em rede estas informações poderemos compreender os mitos e verdades que cercam nossa Amazônia. E, talvez, descubramos o que é possível fazer.
É preciso mobilizar jornalistas éticos, historiadores, geógrafos, advogados, sociólogos, antropólogos, estudantes - enfim, todas as pessoas sensíveis às causas do Brasil, pois precisamos entender o que está ocorrendo por lá? Ajude-nos a ampliar este debate. Se ainda existem idealistas, vamos nos conectar e nos manter em rede para tentar acabar com a ignorância que envolve a Amazônia. Afinal, mais do que nunca, nesta era das tecnologias da informação e comunicação, podemos juntos, compartilhando informações, colaborar para a difusão de verdades e de luz."
(Viviane Menna Barreto)

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