domingo, 18 de maio de 2008

O dilema amazônico



O presidente Lula operou a façanha de colocar à frente de uma das prioridades nacionais – a Amazônia – dois personagens que notoriamente a ignoram: o novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger.
Minc sucede uma figura emblemática da região, a ex-seringueira Marina Silva, forjada na luta contra predadores locais e importados. Unger coordenará o Plano Amazônia Sustentável (PAS).
Ambos o que sabem daquela complexa região provém da leitura de livros e jornais e de reuniões em gabinetes refrigerados. São, no máximo, aprendizes, em matéria que requer instrutores.
Não se atribua o diagnóstico desfavorável à mídia golpista. No caso de Carlos Minc, ele próprio confessou-se, de viva voz, ignorante não apenas da Amazônia, mas do próprio país. Disse que conhece bem o Rio de Janeiro, mas desconhece o país. Valeu pela franqueza.
Com relação ao ministro Mangabeira Unger, foi assim classificado por um ilustre integrante da confraria petista, o ex-governador do Acre Jorge Viana, cogitado inicialmente para o cargo.
Viana usou a expressão “barbeiragem” para classificar o gesto do presidente Lula na indicação de Unger para a coordenação do PAS, objeto do pedido de demissão da ministra Marina Silva, que, com toda razão, postulava exercê-la.
Suas palavras: “Respeito o professor Mangabeira Unger, professor de Harvard, professor dos professores, mas em matéria de Amazônia eu acho que ele é aluno”. E é mesmo.
Há poucos meses, sugeriu a construção de um aqueduto que transpusesse águas da Bacia Amazônica para o Nordeste, e purgou o constrangimento do disparate. Escusou-se dizendo que pensara em voz alta. A seguir, mergulhou em silêncio, seu gesto mais habitual.
A Amazônia, como se sabe, está hoje no centro de um grande debate internacional. A preservação do meio ambiente – rótulo genérico e impreciso – é hoje pretexto de ações controversas.
Há cerca de 100 mil Organizações Não-Governamentais (ONGs), nacionais e estrangeiras, atuando na região. Parte expressiva delas cuida de índios, indispondo-os contra o país e suas autoridades, a pretexto de defendê-los. Sustentam uma bandeira que, em qualquer outra parte do mundo, justificaria pô-las sumariamente a correr: a secção territorial da Amazônia, transformando em nações independentes as reservas demarcadas pelo Estado brasileiro, concedendo-lhes assento na ONU.
Se já houve – e há – controvérsia nos critérios de demarcação, que abrangem áreas fronteiriças, excessivamente amplas em relação ao número de habitantes, ricas em recursos minerais e estratégicos, o que dizer de proibir o acesso do próprio Estado ao local?
O conflito em pauta, na reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, é, quanto a isso, emblemático. Reúne todos os ingredientes há muito presentes na região, gestados ao longo dos anos, sem maiores incômodos, em face de seu isolamento geopolítico.
Houve, no mínimo, negligência por parte dos sucessivos governos, a partir do período da redemocratização, em 1985. A exclusão dos militares do centro das decisões – eles que detêm, mais que qualquer outra instituição, know-how estratégico da região – facilitou a ação das ONGs estrangeiras, que se servem de pretextos diversos, sobretudo o da predação ambiental, para difundir internacionalmente seu discurso seccionista.

Essa exclusão deu-se pelo desgaste da própria instituição militar, após duas décadas de exercício do poder político, disfunção que a enfraqueceu. O projeto Calha Norte, engenhosa estratégia de ocupação, por meio da construção de cidades, das fronteiras amazônicas, foi desprezado tão-somente por sua origem militar.
Até hoje, não se concebeu nada melhor – e é possível que a crise presente o viabilize. O patrimônio maior da colonização brasileira, entre tantos desacertos, é o da miscigenação. Quem conhece o Norte brasileiro constata que a maioria absoluta de sua população exibe presença étnica indígena. São, no entanto, brasileiros, titulares de todas as mazelas e grandezas do país, de suas frustrações e esperanças.
Racializar a crise social brasileira – equívoco que se estende aos assim chamados afro-descendentes – não a resolve, nem a atenua. O problema é sócioeconômico e reclama providências dessa ordem. O que está em pauta apenas liquida o que de melhor construímos: a usina de raças, matéria-prima para que se estabeleça na seqüência do tempo uma sociedade efetivamente fraternal e multirracial.
A crise amazônica é um momento histórico decisivo para que o país decida o que fará de seu destino. Os personagens que Lula elegeu para gerir essa decisão não chegam a entusiasmar. São, como diz Jorge Viana, alunos. Precisamos de mestres.

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