domingo, 18 de maio de 2008

Índios controlam trânsito em rodovia federal de Roraima. Motoristas precisam de autorização de tráfego e não podem circular à noite.


VILA JUNDIÁ (RR). Detentores exclusivos de quase metade de Roraima, 39 mil índios de várias etnias vivem em 10,5 milhões de hectares do estado. A população de 355 mil não-índios vive na outra metade. Alegando seu direito originário sobre as terras, os índios lançam mão de todos os recursos para evitar que estranhos cheguem perto de suas áreas. Eles bloqueiam estradas e rios. Os uaimiri-atroari até criaram uma barreira, com cancela e corrente, e estabeleceram horário para o trânsito de veículos num trecho de 125 quilômetros da BR-174, rodovia federal que cruza a reserva. Das 18h30m às 6h, é proibido o tráfego de carros e caminhões neste trecho da rodovia federal.
Até 1996, antes de a rodovia ser asfaltada, a cancela era controlada por militares do 7º Batalhão de Engenharia e Construção do Exército. Os uaimiri argumentam que restringir o acesso a suas terras é uma forma de proteger fauna e flora. É à noite que os animais circulam pela estrada, no meio da floresta, assim como os índios que vivem em aldeias perto da rodovia. Mesmo liberado de dia, o tráfego de carros causa acidentes. Uma placa enorme, na beira do asfalto, informa que, de agosto de 97 a abril de 2008, 4.210 animais foram atropelados dentro da reserva, entre cobras, sagüis, jacarés, cotias e onças.

Barreira não tem amparo legal
Os índios só abrem exceções e permitem a circulação, à noite, de ônibus interestaduais, ambulâncias e caminhões que transportam mercadorias perecíveis. Os índios passam a noite numa maloca que serve de posto de fiscalização. O motorista que segue viagem depois das 18h30m tem que levar um documento - a "autorização de tráfego no trecho da reserva", e apresentá-la na outra extremidade, no posto que fica em Abonari, no Amazonas. Nessa autorização constam os nomes do motorista e dos passageiros no veículo, o número da carteira de habilitação, e o nome do fiscal de entrada. Depois de uma hora e meia, os fiscais dos dois postos trocam informações e checam, por rádio, se o veículo já saiu da reserva.
Esse controle de veículos não tem qualquer amparo legal. A construção da barreira teria sido uma iniciativa de militares e indigenistas na época da construção da estrada, em 1977. Houve confronto durante a construção, e 32 militares morreram. Há até um monumento na rodovia com os nomes dos mortos. Os uaimiri dizem que milhares de indígenas também morreram no conflito. O líder dos uaimiri-atroari, Mário Paruwe, diz que cada grupo tem sua lei.
- Pode não estar no papel a barreira, mas é a nossa lei. Assim a tratamos. E, se respeitamos os brancos quando vamos na terra deles, eles que respeitem as nossas - disse Paruwe.
O confronto pela demarcação de Raposa Serra do Sol, uma área de 1,7 milhão de hectares, pôs em lados opostos grupos indígenas que têm o mesmo comportamento e fazem coisas como impedir o acesso de não-índios às terras. Eles revistam carros, exigem identificação e só permitem a entrada de quem tem autorização de entidades às quais são ligados. Para se chegar à área onde um grupo de índios pró-demarcação contínua montou um acampamento, é preciso pedir autorização ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), entidade à qual estão ligados.

"O cidadão tem o direito de ir e vir"
O governador de Roraima, José Anchieta Júnior (PSDB), contrário à demarcação da Raposa em terra contínua e a favor da reivindicação dos plantadores de arroz, protestou contra a ação dos índios:
- Índios não podem bloquear estradas nem montar barreiras marcando hora para veículos entrarem e saírem de rodovia federal. Qualquer cidadão tem o direito de ir e vir. Vamos ter que mudar isso na Justiça.
O governo de Roraima entrou com ação no Supremo Tribunal Federal, semana passada, para tentar proibir a barreira dos uaimiri. O argumento é que a cancela não está prevista em lei e fere o livre trânsito de pessoas e veículos. Anchieta é também o autor da ação que questiona a demarcação de Raposa em terra contínua. Conseguiu sua primeira vitória quando o STF concedeu liminar suspendendo a operação Upatakon 3, da Polícia Federal, criada para retirar os não-índios da reserva. Os índios ingaricó também bloquearam estradas no passado.
Evandro Éboli

Nenhum comentário: