quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Contra-ataque pronto

Itamaraty conclui estratégia para rebater possível calote de Rafael Correa a empréstimo do BNDES. Celso Amorim lamenta impacto na integração regional e fala em repensar a política de financiamento

Pedro Paulo Rezende

Da equipe do Correio 

 

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, apresentou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a estratégia traçada pelo Itamaraty para enfrentar a ameaça de calote equatoriana. “O objetivo é estabelecer uma linguagem comum entre as diversas partes envolvidas no processo”, admitiu o chanceler brasileiro. Oestudo sobre a crise com o Equador foi preparado em reunião conjunta com representantes do Banco Central e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), coordenada pelo subsecretário-geral de Cooperação e de Promoção Comercial, embaixador Ruy Nogueira, com participação do embaixador brasileiro em Quito, Antonino Marques Porto. 

 O presidente equatoriano, Rafael Correa, entrou com ação na Câmara de Comércio Internacional, em Paris, para anular uma cláusula que estabelece a capitalização dos juros e do que já foi cobrado utilizando esse conceito. O empréstimo foi concedido pelo BNDES para financiar a construção da hidrelétrica San Francisco, sob responsabilidade da construtora Odebrecht, expulsa do país. A dívida contraída com o banco é de US$ 597 milhões. 

Na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, Amorim fez ontem uma preleção sobre o funcionamento do Convênio de Pagamentos e de Créditos Recíprocos (CCR), que reduziu o risco de empréstimos para os países membros da Associação Latino-Americana de Integração. O dispositivo prevê o compromisso de pagamento entre os bancos centrais dos países envolvidos numa operação de comércio exterior. 

Na saída, comentou a importância do sistema para a integração regional. “A maioria dos países da região está, numa escala de risco que vai de um a sete, no nível sete. O CCR é a única possibilidade de a maioria obter recursos para investimentos. Entendemos que a atitude do Equador coloca o modelo em risco. Teremos de repensar nossa política de empréstimos e os juros, seguramente, vão aumentar”, assegurou Amorim. “Não pagar o empréstimo do BNDES seria um tiro no pé, mas, de vez em quando, alguém dá um tiro no pé.” 

A conta, segundo o chanceler, é simples. Enquanto uma apólice de risco via CCR custa 2% do valor da operação, o seguro fora do convênio pode sair por até 12%. O aumento dos custos e dos riscos poderia impedir o fechamento de muitos contratos. 

 

Superávit 

Amorim lembrou que o Brasil possui um grande superávit com os países do continente, superior a US$ 15 bilhões. “Na maioria dos casos, a balança comercial é relativamente equilibrada, mas no caso do Equador a diferença é acachapante, com US$ 800 milhões de exportações brasileiras contra apenas US$ 50 milhões de importações. Nesses casos, oferecemos como compensação empréstimos para investimentos em infra-estrutura. Essa política colabora para integrar a América do Sul, inclusive fisicamente, o que está entre os objetivos da União de Nações Sul-Americanas (Unasul)”, lembrou o chanceler. 

O ministro das Relações Exteriores ressaltou que o Brasil tem uma posição muito sólida a defender diante da Câmara de Comércio Internacional. Segundo ele, a maneira como as medidas foram adotadas por Quito é razão de grande desconforto. O presidente equatoriano, Rafael Correa, anunciou suas ações pela imprensa, no caso da expulsão da Odebrecht e na denúncia da dívida. “Oficialmente, não existe de fato uma controvérsia entre os dois países, porque o governo brasileiro e o BNDES nunca receberam uma notificação. Pode até ser que um país considere uma dívida como incorreta, mas reagir contra um país amigo, com quem se está tratando um novo empréstimo, é algo curioso”, afirmou. 

Embora tenha ressaltado que não há sinais aparentes de que outros países possam suspender o pagamento de seus passivos com o BNDES, Amorim disse que o governo brasileiro precisa ficar alerta. “Em uma situação mundial em que poucas são as fontes de empréstimo, em que os países querem fazer obras e em que o Brasil tem se disposto a dar continuidade aos empréstimos com as garantias adequadas, não acho que seja provável acontecer a suspensão de pagamentos ao BNDES”, sugeriu Amorim. Venezuela, Equador e Bolívia anunciaram recentemente que pedirão uma auditoria em suas dívidas externas. 

O ministro disse ainda não acreditar que os problemas com o Equador trarão constragimentos para a Cúpula da América Latina e do Caribe (Calc), que será realizada nos dias 16 e 17 deste mês na Costa do Sauípe (BA). O encontro terá a presença, entre outros, dos presidentes Lula e Correa. “Não há nenhum mal-estar. Esse é um assunto multilateral. Veja bem, nós temos boas relações com o Equador, que é um importante parceiro na criação da Unasul, em que está sendo negociada a criação de uma área de livre comércio. Não acredito que usem o evento para politizar o tema”, finalizou. 

  

Processo nos EUA 

O Equador contratou advogados nos Estados Unidos para arrestar bens da família Isaías, acusada de falência fraudulenta. A idéia é tentar recuperar parte do prejuízo de depositantes, da ordem de US$ 600 milhões, e cobrir as garantias bancárias concedidas pelo Estado, segundo informou Carlos Bravo, gerente da Agência de Garantia de Depósitos (AGD). A ação faz parte de uma série de processos oriundos da quebra de 21 bancos no início da década de 1990. Recentemente, o governo cassou a licença dos canais de TV administrados pelos Isaías.

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