Nova Délhi exige do Paquistão que prenda e entregue 20 suspeitos pelos ataques a Mumbai. Islamabad propõe investigação conjunta e Washington envia Condoleezza Rice para conter crise em área estratégica
Silvio Queiroz
Da equipe do Correio
Os governos da Índia e do Paquistão entraram em mais uma etapa da queda-de-braço que travam há meio século em torno do extremismo islâmico e da disputa pela região da Caxemira — agora, na busca pelos autores dos ataques terroristas da semana passada a Mumbai, centro nevrálgico da economia indiana, com saldo de mais de 200 mortos e 300 feridos. O governo de Nova Délhi exige do vizinho e rival, como prova de compromisso com o combate ao terror, que capture e entregue 20 suspeitos de participarem no planejamento da ação. Islamabad respondeu com a oferta de estabelecer uma comissão conjunta de investigação e recriminou a “troca de acusações” — referência também aos órgãos de inteligência norte-americanos que afirmam ter pistas sobre o treinamento dos suicidas de Mumbai em território paquistanês.
Foi o chanceler indiano, Pranab Mukherjee, quem informou à imprensa sobre a entrega da lista de “procurados” a um alto representante do Paquistão, com a observação de que do empenho de Islamabad depende o progresso da cautelosa distensão em marcha entre os dois vizinhos e rivais. “Será difícil seguir com esse processo caso os incidentes (de Mumbai) não sejam tratados adequadamente pelo outro lado”, disse Mukherjee. O chanceler paquistanês, Shah Mahmood Qureshi, respondeu prontamente que “não é hora de apontarmos o dedo um para o outro, pois o terrorismo é o grande desafio, é o nosso inimigo comum”. Qureshi renovou a oferta de cooperação feita no dia seguinte aos ataques, quando foi proposta a visita a Mumbai de um diretor do serviço de inteligência paquistanês, e sugeriu uma investigação conjunta. “Nossos dois países se beneficiarão de um engajamento bilateral no combate ao terrorismo”, disse o chanceler.
“Os atentados de Mumbai têm potencial para perturbar a melhora gradual das relações entre Índia e Paquistão, e isso seria uma infelicidade especialmente agora que as autoridades civis paquistanesas estão comprometidas, pelas razões delas, na luta contra os terroristas”, disse ao Correio o estudioso norte-americano Daniel Markey, especialista em sul da Ásia no Conselho para Relações Exteriores (CFR, em inglês). Markey, que integrou a equipe de planejamento político do Departamento de Estado justamente para as relações com a Índia e o Paquistão, se refere à ascensão ao poder, em Islamabad, do presidente Asif Ali Zardari, viúvo da ex-premiê Benazir Bhutto, cuja família tem uma história de décadas no confronto com o extremismo islâmico — ela própria foi morta em um atentado, no fim de 2007.
Missão urgente
A onda de atentados sofrida pela Índia nos últimos dois anos, coincidindo com a escalada de violência também na fronteira com o Afeganistão, faz do Paquistão um dos grandes desafios para o próximo governo norte-americano. Desde já, porém, conter a crise entre dois países de importância estratégica — vizinhos entre si, rivais e ambos dotados de arsenal nuclear — é uma das últimas missões do presidente George W. Bush, que enviou para a região a secretária de Estado Condoleezza Rice. “Essa situação tem de ser resolvida muito antes de 20 de janeiro (data da posse de Barack Obama na Presidência dos EUA), ou então teremos uma escalada perigosa”, argumenta Daniel Markey.
Ele não tem dúvidas, porém, de que o Paquistão será um dos pontos focais da política externa do governo Obama, a cargo da ex-primeira-dama Hillary Clinton, que sucederá Condoleezza. “O país está exatamente no meio entre os problemas a que assistimos na Índia e as dificuldades no Afeganistão”, explica o especialista do CFR. “Esse desafio mais amplo no eixo Índia-Paquistão-Afeganistão, e as operações terroristas interligadas que afetam os três países, deve ser a prioridade externa número um de Obama. Apresentar uma abordagem estratégica e um programa de assistência imediata aos paquistaneses será um esforço complicado, porém absolutamente necessário desde o primeiro dia de governo.”
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