O projeto de reforma política que a Câmara de Deputados discute a partir de hoje começa por uma questão polêmica: a do fim do sistema que permite a reeleição dos detentores dos cargos executivos. Com as bênçãos do Palácio do Planalto, essa questão entra em debate junto com outra que a complementa: a da ampliação da duração dos mandatos de quatro para cinco anos. Não deixa de ser surpreendente que esses temas, que não figuraram no projeto de reforma política encaminhado há três anos, sejam transformados no carro-chefe de um processo de mudanças sobre o qual recaem expectativas importantes do país. A estranheza com que a oposição recebeu a iniciativa resulta do temor de que o governo se utilize deste debate para tentar uma manobra que permita um terceiro mandato consecutivo para o atual presidente da República.
Estas questões merecem a atenção do país. A reforma política, que é mais ampla e mais abrangente que a duração de mandatos ou a questão da reeleição, envolve temas até mais relevantes que esses, a começar pelo financiamento público das campanhas, a fidelidade partidária, a cláusula de barreira, o voto em lista e a estrutura dos partidos. A democracia brasileira não pode ficar à mercê de uma legislação permissiva, que abra caminho para deformações éticas ou para a traição dos eleitos à vontade explícita dos eleitores. As virtudes que se quer de uma reforma política devem ser exigidas também do processo pelo qual ela é votada. Neste sentido, não é demais esperar que, como preliminar de qualquer votação, deputados e senadores estabeleçam que não haverá casuísmos, sejam eles para favorecer os atuais detentores de cargos, sejam para prejudicá-los. Qualquer mudança na duração dos mandatos ou na possibilidade de reeleição terá que ser feita para valer depois que os atuais ocupantes dos cargos executivos – o presidente, os governadores e os prefeitos – tenham completado seu ciclo legal. As regras do jogo não podem ser mudadas para interferir em decisões que o povo tomou ou em prazos que a lei define.
De resto, é do interesse da nação que essas questões sejam discutidas. O debate poderia ser até mais amplo do que propõe o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que quer uma comissão especial para encaminhar o debate e buscar o que há de bom nas mais de 50 propostas hoje existentes. Mesmo que a tramitação seja outra e mesmo que a questão do sistema de governo tenha sido submetida a plebiscito, o debate sobre parlamentarismo e presidencialismo é desses que mais cedo ou mais tarde o país terá que retomar. As crises políticas que sistemas presidencialistas como o nosso produzem, a dificuldade na formação de maiorias consistentes nos parlamentos e os solavancos na governabilidade, tanto em nível federal quanto no estadual, apontam para a necessidade de que isso também seja objeto de debate no Congresso e na sociedade.
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