quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Maioria do STF vota para tirar arrozeiros de reserva

Mas pedido de vista adia decisão do julgamento, que só deve ser sair em 2009

Ministros indicam condições aos índios, que poderiam fazer uso da terra, mas sem poder de vetar a instalação de bases militares na área

FELIPE SELIGMAN

HUDSON CORRÊA 

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

 

A maioria dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) votou ontem pela manutenção da demarcação contínua da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, e pela retirada dos produtores de arroz que ocupam a área.

Mas em 7 dos 8 votos que seguiram essa linha foram incluídas 18 condições sobre as quais a própria Funai (Fundação Nacional do Índio) afirmou ainda não ter idéia do impacto que isso pode representar nas áreas indígenas do país. O órgão disse que buscará um entendimento jurídico, pois as regras que foram sugeridas ontem deverão servir como parâmetro para as demarcações em curso no país.

A desocupação da reserva somente deverá ser oficializada no início de 2009, por conta de um pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello. Ele disse estar preocupado com a informação que leu em reportagem da Folha de ontem de que o resultado do julgamento poderia ameaçar 227 áreas indígenas que ainda estão sob análise.

Oito dos 11 ministros votaram ontem, sendo que 6 deles o fizeram mesmo após o pedido de vista de Marco Aurélio. Todos os que votaram decidiram seguir o relator, ministro Carlos Ayres Britto, mas indicaram algumas "condições", sugeridas por Carlos Alberto Direito. Ele foi o primeiro a pedir vista, em agosto deste ano.

Entre as ressalvas está a limitação da entrada de índios em reserva ambiental no interior da terra indígena, que deverá se adequar a regras estabelecidas pelo Instituto Chico Mendes, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.

Os ministros também afirmaram que o usufruto da terra pelos índios não abrange os seguintes pontos: a exploração de recursos hídricos e potenciais energéticos -"que dependerá sempre da autorização do Congresso"- e a garimpagem.

Adversário da demarcação contínua, o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), disse que as condições propostas pelos ministros são um avanço, pois abrem a possibilidade de o Estado investir em projetos na área com autorização do Congresso.

O uso da terra pelos índios também fica condicionado ao "interesse da Política de Defesa Nacional". "A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (Ministério da Defesa, Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai", afirmou Direito.

Ele também deixou claro que a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área fica garantida independentemente de consulta aos índios.

O voto de Direito foi acompanhado por Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Ellen Gracie. O próprio Ayres Britto mudou o seu voto e acompanhou as ressalvas explicitadas por Direito. O ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, seguiu o voto inicial do relator.

Durante o julgamento, quando grande parte dos ministros já havia se manifestado a favor da manutenção da área contínua, Ayres Britto propôs cassar uma liminar concedida em abril pelo próprio STF, que suspendeu a operação da Polícia Federal de retirada dos arrozeiros da reserva indígena.

Seis ministros acataram a idéia do relator, mas Marco Aurélio novamente pediu vista e acabou se desentendendo com Britto. O relator afirmou que já havia maioria para cassar a decisão e que o pedido de vista do colega não teria efeito.

Marco Aurélio rebateu: "Eu pergunto se o plenário ainda é um colegiado? Seria o caso de cassar o pedido de vista? Vossa excelência chega a esse ponto, a essa teratologia [estudo de monstruosidades]?".

Britto respondeu que não seria certo pedir vista em questão liminar, ao afirmar que a antecipação já era "irreversível". Ele recebeu o apoio do ministro Lewandowski. O presidente Gilmar Mendes, porém, aceitou o pedido de vista de Marco Aurélio Mello e afirmou que a liminar só será derrubada com o pronunciamento final do Supremo. Se a liminar fosse cassada ontem, os arrozeiros deveriam sair agora da região.

Os ministros também afirmaram que a expulsão de não-índios só vale para aqueles que de alguma forma exploram a região ou mantêm conflitos com a população indígena. Ou seja, somente os arrozeiros serão retirados da reserva.

Em tese, os ministros poderão voltar atrás, a depender dos argumentos do voto-vista de Marco Aurélio, que abertamente se opõe à forma contínua de demarcação e faz críticas ao "aculturamento" dos indígenas lá presentes.

Tal hipótese, no entanto, tem pouca probabilidade de se concretizar, já que a maioria dos ministros decidiu não esperar pelo voto do colega e adiantou sua posição. Os únicos que não votaram, além de Marco Aurélio, foram Celso de Mello e Gilmar Mendes, os dois que votariam depois do colega.

Apesar de criar ressalvas, os ministros afirmaram que não existiram vícios legais no processo demarcatório da reserva e defenderam o "usufruto exclusivo" das terras pelos índios. Também rechaçaram os argumentos de que sua localização -fronteira do Brasil com Venezuela e Guiana- colocaria em risco a soberania nacional.

 

 

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