quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Placar do STF é favorável a índios

Oito dos 11 ministros votam pela demarcação contínua, mas julgamento é interrompido 

Carolina Brígido e Jailton de Carvalho 

 

Oito dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram ontem pela demarcação contínua do 1,74 milhão de hectares da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, como reivindica boa parte dos índios. Apesar de o julgamento ainda não ter sido concluído, o resultado é praticamente irreversível e porá um ponto final numa polêmica que se arrasta há mais de uma década. Os mesmos ministros também defenderam a cassação de uma liminar concedida pelo STF que garante a permanência de arrozeiros na região, protagonistas de conflitos constantes com os índios. As duas questões só serão resolvidas definitivamente em 2009, quando o tribunal retomará a discussão. 

O julgamento foi adiado por um pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello. Além dele, outros dois integrantes da Corte - Celso de Mello e Gilmar Mendes, o presidente do tribunal - ainda vão se manifestar. Quando isso acontecer, será oficial o resultado favorável aos índios, e os não-índios serão obrigados a deixar o local imediatamente. 

O julgamento começou em agosto, quando o relator, Carlos Ayres Britto, votou pela demarcação contínua e descartou a proposta do governo do estado de fatiar a reserva em "ilhas". Carlos Alberto Direito interrompeu a discussão com um pedido de vista. Ontem, na retomada do julgamento, Direito concordou com o relator. Argumentou que, quando a Constituição de 1988 previu o direito dos índios às terras, eles já estavam no local. Entretanto, o ministro listou atividades que não podem ser realizadas na reserva. A sugestão foi aceita por outros sete ministros - o relator, inclusive. 

 

Garimpo e pedágios seriam proibidos 

Direito sugeriu que os índios fiquem impedidos de explorar recursos energéticos, garimpar a terra, cobrar pedágio em estradas que cortam a reserva e arrendar áreas. Também propôs que a União fique livre para explorar riquezas do subsolo e recursos hídricos, se considerar de interesse nacional e estratégico. O ministro também ressaltou que, por ser uma região de fronteira, as Forças Armadas e a Polícia Federal poderão entrar na reserva para garantir a segurança nacional a qualquer momento. 

Ele sugeriu, ainda, que a área de preservação ambiental que ocupa 6,7% da reserva seja administrada pelo Instituto Chico Mendes, ligado ao Ministério do Meio Ambiente. A gestão respeitaria a cultura e os hábitos dos índios e permitiria o livre trânsito das etnias no local. Nessa área está o Monte Roraima, local considerado sagrado pelos índios. 

- À nação interessa a preservação das terras indígenas, mas também a proteção do meio ambiente e das fronteiras - argumentou o ministro. 

Direito ponderou que não-índios instalados na reserva poderiam continuar no local, de acordo com condições preestabelecidas pela Funai. O ministro afirmou, no entanto, que essas pessoas ficariam proibidas de pescar, caçar ou realizar atividade agropecuária - o que comprometeria a permanência de arrozeiros na região. 

Os ministros consideraram que o julgamento servirá de parâmetro para outras demarcações de terras indígenas no país. Alguns integrantes do tribunal afirmaram que é importante, além da criação dessas regras, que o poder público dê mais atenção às comunidades indígenas. 

 

Para o relator, mesmo sem a conclusão, o julgamento foi emblemático: 

- Estamos produzindo uma decisão que faz a mais avançada democracia racial com o mais depurado humanismo. É muito mais fácil desintegrar um átomo do que desfazer um preconceito. Nós aqui estamos desfazendo um preconceito multissecular. O Brasil, a partir de agora, tem sobradas razões para se dizer um Brasil fraterno, sem preconceitos. 

Apesar de ter defendido a demarcação contínua, Direito criticou a forma como foi delimitada a reserva. Para ele, os limites não poderiam ter sido fixados com base no trabalho de apenas um antropólogo, como foi feito. 

- A metodologia usada pela Funai pode e deve ser aperfeiçoada. A identificação da terra indígena não pode ser feita solitariamente, sob apenas um ponto de vista. 

No fim da sessão, Ayres Britto criticou Marco Aurélio por ter pedido vista da discussão sobre se os arrozeiros deveriam deixar imediatamente a região. O relator insistiu para que pelo menos essa questão fosse resolvida ontem. Marco Aurélio se irritou: 

- Indagaria a Vossa Excelência se o plenário seria ainda um colegiado. Seria um pedido para cassar a vista que eu pedi? 

A ação foi proposta pelos senadores Augusto Botelho (PT) e Mozarildo Cavalcanti (PTB), que são contra a demarcação contínua, argumentando que fere o princípio federativo.

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