segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Brasil x América Chavista

A perigosa diplomacia das empreiteiras

A transformação de um litígio comercial do governo do Equador com a construtora Odebrecht numa crise diplomática com o Brasil expõe os riscos da privatização do Itamaraty. 

A briga se relaciona com a construção da hidrelétrica de San Francisco, responsável pela produção de 12% da energia consumida pelo Equador. Um pedaço da usina desabou, seu funcionamento foi temporariamente interrompido e a construtora foi expulsa do país. 

Houve lances de truculência do companheiro-presidente Rafael Correa e há um debate técnico em torno da encrenca. A Odebrecht sustenta que o desabamento foi provocado pela erupção de um vulcão próximo. Como ela está no consórcio Via Amarela, o da cratera do metrô de São Paulo, e a tragédia foi atribuída ao movimento de uma rocha de 15 mil toneladas, tudo é possível. Até mesmo que a empreiteira esteja perseguida por uma urucubaca geológica. 

Em setembro, quando começou o litígio, a ministra Dilma Rousseff colocou as coisas no seu lugar, circunscrevendo-o às relações da Odebrecht com o governo equatoriano. O BNDES respaldou financeiramente a obra com o empréstimo de US$243 milhões, mas isso não pode significar que o Equador esteja condenado a quitar com dinheiro de primeira uma mercadoria de segunda. 

Nosso Guia se aborreceu porque o presidente Rafael Correa recorreu à Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional para discutir a fatura da empreiteira. Pois foi exatamente a essa instância que o consórcio Via Amarela aceitou submeter um litígio com o Metrô de São Paulo. O que vale para o Metrô não vale para o Equador? 

É comum que o Itamaraty seja colocado a reboque das empreiteiras. 

Quando isso acontece, o governo brasileiro sai emprestando dinheiro pelo Terceiro Mundo afora, toma calotes e deixa para a nova administração a tarefa de esquecer dívidas. Nosso Guia já perdoou cerca de US$1 bilhão de compromissos de Nigéria, Congo, Gabão e outras cleptocracias africanas. Tudo em nome de novas obras e de futuros calotes, bem como de alianças que acabam em traições, como no caso do apoio à pretensão brasileira de entrar para o Conselho de Segurança da ONU. 

A diplomacia das empreiteiras fez coisas do arco-da-velha no Iraque. 

Basta dizer que em certa ocasião o próprio Saddam Hussein reclamou de um empresário paulista que lhe oferecia material para construir uma bomba atômica. A aventura iraquiana levou à bancarrota uma das maiores construtoras do país, a Mendes Junior. Em 1980, a Odebrecht se meteu num tortuoso fornecimento da hidrelétrica chilena de Colbún-Machicura. 

Nesse episódio alguns amigos do general Pinochet perderam suas esperanças graças ao desassombro do embaixador do Brasil em Santiago, Raul de Vincenzi. Ele narrou a armação num telegrama ao Itamaraty e detonou a trama. 

A agenda dos empresários é uma coisa e a política externa de um país é outra coisa. Quando as empresas arrastam a diplomacia, reescreve-se a crônica de desastres das donatárias americanas na América Latina durante o século passado. 

No início do governo de Lula os americanos da concessionária de energia AES se encrencaram com uma dívida de US$1,2 bilhão com o BNDES. Em vez de enrolar o litígio nas bandeiras dos dois países, diplomatas, companheiros e empresários acertaram um perdão dos juros do calote (US$193 milhões). Graças ao trabalho dos profissionais, George Bush e Nosso Guia se tornaram amigos de infância.

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