segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Risco de calote na mira do Senado

Reunião extraordinária avaliará ameaça de vizinhos de não pagarem dívida com Brasil 

Adriana Mendes e Adriana Vasconcelos 

 

O presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, senador Heráclito Fortes (DEM-PI), anunciou ontem que pretende convocar uma reunião extraordinária, amanhã, para avaliar a decisão dos governos de Venezuela, Bolívia e Paraguai de realizar auditorias em suas dívidas externas. A preocupação maior do senador é com o risco de esses países seguirem o exemplo do Equador, que, após promover uma auditoria nos contratos com o Brasil, decidiu suspender o pagamento de US$462 milhões ao BNDES, segundo revelou reportagem publicada ontem no GLOBO. Heráclito admitiu ser necessário fazer "pressão" para que as providências sejam tomadas pelo governo brasileiro e o país não saia no prejuízo. Ele estuda, por exemplo, a possibilidade de apresentar uma proposta para que os empréstimos externos passem a ser aprovados pelo Congresso. 

- Eu acho que isso pode ser uma grande lição para o Brasil. O BNDES é um banco que visa ao lucro e precisamos ter mais cuidado com os empréstimos. No caso de empréstimos de estados e municípios, o Senado precisa aprovar. Por que não num caso desses? - questionou Heráclito. 

Na sua opinião, a liberação da auditora da Receita Federal Maria Lúcia Fatorelli para trabalhar no Equador também é um assunto que precisa ser melhor esclarecido. Em 2007, Maria Lúcia foi nomeada pelo presidente do Equador, Rafael Correa, como presidente da comissão da dívida externa do país. O governo brasileiro autorizou a cessão, com salários pagos pelos cofres públicos por quatro meses e meio. 

- Para mim é uma parte pouco clara. Ninguém tinha conhecimento disso, precisa ver as circunstância e ver como isso foi feito - acrescentou o senador democrata. 

 Se depender do líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM), o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, também será convocado para prestar esclarecimentos sobre as providências que o governo brasileiro deverá adotar diante desse tipo de ameaça de calote da dívida de seus vizinhos. Ele aproveita para condenar a "ideologização" da política externa praticada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

- Enquanto o governo não perceber que política externa é um jogo frio, onde não há espaço para ideologias, esses interlocutores vão achar que podem brincar com os interesses do Brasil. Essa situação é o resultado da forma flácida como o governo trata dos interesses nacionais. Por isso, o chanceler nos deve explicações - justificou Virgílio. 

 

É uma 'estratégia para se legitimar' 

Representante do Brasil no parlamento do Mercosul e vice-líder governista na Câmara, o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS) defendeu que o governo adote uma postura dura com países que ameaçam dar o calote. Beto afirmou que a onda de auditorias nas dívidas é uma medida usada pelos governantes para se fortalecer internamente e que o Brasil deve revidar. 

- Essa moda é uma estratégia usada por alguns líderes esquerdistas para se legitimar internamente, mas o Brasil não pode passar a mão na cabeça de quem confunde princípios de esquerda com calote. Se a América Latina decidir virar as costas para o Brasil nós temos que reagir. 

O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), rebateu as acusações da oposição de que o presidente Lula teria sido complacente com as primeiras ameaças de calote disparadas por nossos vizinhos. Segundo ele, o Brasil é um país hegemônico na região e precisa agir com responsabilidade. 

- O erro desses países não deve nos levar a cometer outros. Não adianta declarar guerra a ninguém, pois essa época já acabou. Estamos no século XXI, que é o século da negociação e do entendimento. O governo está no tom certo. Não podemos superdimensionar a posição de nossos vizinhos. Se houver quebra de contrato, temos fóruns internacionais próprios para negociar e cobrar os nossos direitos. Mas não dá para transformar algumas babaquices em incidentes internacionais - ponderou Jucá. 

O deputado Vieira da Cunha (PDT-RS), titular da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, adota também postura cuidadosa em relação ao assunto. Na sua opinião, os países têm direito de fazer auditoria desses contratos. 

- Penso que é legítimo que os países o façam. Mas fazer com que os países credores aceitem que esses eventuais créditos sejam grosados, se o crédito é legítimo, líquido, o certo é executá-lo. Agora, depende do resultado das auditorias, se houver ilegalidade, as autoridades que vieram a subscrever esses contratos devem responder. 

Mas até mesmo representantes da base aliada defendem que o Brasil seja mais firme. Para o líder do PSB, Renato Casagrande (ES), o governo não pode contemporizar com esse tipo de postura. 

- Devemos ajudar nossos vizinhos e até mesmo continuar ajudando a financiar obras de infra-estrutura, mas tem de exigir o cumprimento dos acordos internacionais.

 

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