Bancado por ONGs, entre elas a inlgesa Survival, um casal de índios brasileiros da Reserva Raposa Serra do Sol, Roraima, partiu esta semana para uma turnê na Europa. O objetivo é sensibilizar Bélgica, Espanha, França, Inglaterra, Itália e Portugal por uma decisão favorável do Superior Tribunal Federal (STF) à manutenção das terras contínuas da reserva. Se por um lado o gesto comove, por outro, levanta a bola para que se questione no Primeiro Mundo a soberania do Brasil sobre a Amazônia.Por Carla Santos
Jacir José de Souza, índio macuxi da aldeia Lilás, e a professora Pierlângela Nascimento da Cunha, da etnia wapixana e da comunidade de Barata, já estiveram em Madri e seguem pedindo o apoio dos governos e sociedades européias para a decisão que a Justiça brasileira tomará em breve sobre o território indígena.
"Missão diplomática""Viemos à Europa para divulgar a situação e para lembrar que é preciso cumprir a lei, que não se pode reduzir a área entregue aos nossos povos e que o Supremo Tribunal deve estar consciente do nosso sofrimento", disse Jacir de Souza.Eles são os porta-vozes da campanha "Nossa terra, nossa mãe", desenvolvida pelas ONGs Mãos Unidas, Cáritas, Survival e Entreculturas. Na Itália, eles reivindicam uma audiência com o papa para tratar do seu apoio à questão da Raposa Serra do Sol. "Estamos em uma missão diplomática. Queremos que o papa Bento XVI conheça nossa situação e possa nos dar apoio", afirmou Pierlângela. "Gostaríamos que ele entendesse o que estamos passando", disse a representante dos wapixanas. O Vaticano ainda não deu uma resposta. Mas o objetivo dos grupos é que pelo menos a Santa Sé seja informada do que está ocorrendo no Norte do Brasil por meio de documentos que estão enviando.Para mostrar um pouco da realidade sangrenta que se desenrola na região há décadas, eles ainda mostrarão aos europeus um vídeo do último conflito, entre índios e arrozeiros na região, que deixou 10 índios mortos por jagunços do prefeito de Pacaraima (RR), Paulo César Quartiero (DEM).
"Apelo desesperado"O conflito na Raposa Serra do Sol, entre índios e arrozeiros, acontece desde a década de 70, mas só se tornou nacionalmente conhecido no Brasil depois que o presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou, em 2005, um Decreto que dá direito aos indígenas à terra em Roraima. Os arrozeiros reagiram à decisão e o assunto está emperrado no STF. O ‘apelo desesperado para salvar a Amazônia’, como disse representante da ONG Survival durante a turnê, deve ser respeitado. Por outro lado, ele pode suscitar em lideranças do velho continente o desejo antigo e notório de tornar a Amazônia um território ‘global’.Até o momento, nenhuma liderança de ONGs ou governos se manifestou sobre a soberania do Brasil sobre a Amazônia durante a turnê, que se iniciou na quarta (18). A grande mídia apenas divulgou mensagens dos indígenas, mas sempre deixando subentender que a Amazônia está desprotegida. Neste cenário, é possível que passageiros inoportunos embarquem na viagem para questionar a legitimidade da Amazônia brasileira, como em outros inúmeros momentos já ocorreu.
De olho gordo na AmazôniaNo final de maio deste ano, durante uma visita ao Brasil, a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, teve que ouvir do ministro brasileiro de Relações Exteriores, Celso Amorim, a célebre frase “a Amazônia não está à venda”. Amorim ainda acrescentou que a “elite oligárquica” internacional está incomodada com a ascensão do Brasil como ator relevante. “Há resistências e vamos ter de nos acostumar com isso”, concluiu.No dia 18 de maio, o The New York Times publicou reportagem com o título Afinal, de quem é esta floresta tropical? O texto é basicamente descritivo, mas aponta como “bem estabelecida” a tese da “importância global” da Amazônia como reguladora do clima. O autor lembra um comentário feito em 1989 pelo senador Al Gore, depois vice-presidente dos Estados Unidos e ganhador, em 2007, do Prêmio Nobel da Paz: “ao contrário do que pensam os brasileiros, a Amazônia não é sua propriedade, mas pertence a todos nós.” No mesmo ano da declaração de Gore, François Mitterrand, então presidente da França – um dos países da turnê indígena – tirou uma conclusão famosa de sua tese sobre o “direito de ingerência”: “O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia.” Há dias, o jornal britânico The Independent ao comentar em editorial a renúncia da ministra Marina Silva, propôs um programa conjunto de preservação da floresta e concluiu: “Essa parte do Brasil é importante demais para ser deixada aos brasileiros.”
A Amazônia é do Brasil A própria Survival, em artigo de sua fundação, em 1969, publicado no jornal britânico Sunday Times, e assinado por Norman Lewis, deixa transparecer certa simpatia pela tese da ‘Amazônia Global’ ao dizer que “o Brasil, em nome do crescimento econômico, não é capaz de conter os massacres, o roubo de terras e o genocídio aos indígenas na Amazônia brasileira”. Ao recorrer à pressão européia em um debate tão envenenado por apetites "internacionalizantes", a turnê desta semana presta um serviço no mínimo duvidoso à causa das comunidades indígenas que exigem do STF uma decisão favorável à reserva. Que as palavras da indígena Pierlângela em Madri sejam literalmente interpretadas também para a Amazônia: "Não nos tirem nossa terra. Há vários anos, todo o Brasil era dos índios. Que o pouco que nos restou não nos seja roubado, pois para nós ela é o mais importante".
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