terça-feira, 10 de junho de 2008

A PERDA DA AMAZÔNIA

* Hélio Jaguaribe
Num país como o Brasil, marcado por amplas e lamentáveis incúrias de parte do poder público, nada é comparável ao absoluto abandono a que está sujeita a Amazônia.
O que está ocorrendo nesta área, que representa 59% do território, é simplesmente inacreditável.
Por meio de uma multiplicidade de processos, a Amazônia está sendo submetida à acelerada desnacionalização, em que se conjugam ameaçadores projetos por parte de grandes potências para sua formal internacionalização com insensatas concessões de áreas gigantescas – correspondentes, no conjunto, a 13% do território nacional – a uma ínfima população de algo como 200 mil índios.
Acrescente-se a isso inúmeras penetrações, freqüentemente sob a aparência de pesquisas científicas e a atuação de mais de cem ONGs. Recente reportagem publicada em caderno especial do Jornal do Brasil apresenta os mais alarmantes dados.
A Amazônia brasileira, representando 85% da Amazônia total, constitui a maior floresta tropical e a maior bacia hidrográfica do mundo, com um quinto da água doce do planeta, sendo, concomitantemente, a maior reserva mundial de biodiversidade e uma das maiores concentrações de minerais valiosos, com um potencial diamantífero na reserva Roosevelt 15 vezes superior ao da maior mina da África, reservas gigantescas de ferro e outros minerais na região de Carajás, no Pará, de bauxita no Rio Trombeta, também no Pará, e de cassiterita, urânio e nióbio em Roraima.
O dendê, nativo da Amazônia e nela facilmente cultivável, constitui uma das maiores reservas potenciais de biodiesel. Em apenas 7 milhões de hectares, numa região com 5.000.000 km2, é possível produzir 8 milhões de barris de biodiesel por dia, correspondentes à totalidade da produção de petróleo da Arábia Saudita.
É absolutamente evidente que o Brasil está perdendo o controle da Amazônia. É urgentíssima uma apropriada intervenção federal.
Os principais aspectos em jogo dizem respeito a formas eficazes de vigilância da região e de sua exploração racional e colonização. O Grupo de Trabalho da Amazônia, coordenado pela ABIN, já dispõe de um importante acervo de dados, contidos em relatórios aos quais as autoridades superiores, entretanto, não vêm dando a menor atenção. É indispensável tomar o devido conhecimento dos relatórios.
Sem prejuízos das medidas neles sugeridas e de levantamento complementares, é indiscutível a necessidade de uma ampla revisão da política de gigantescas concessões territoriais a ínfimas populações indígenas, no âmbito das quais, principalmente sob pretextos religiosos, se infiltram os estrangeiros.
Enquanto a Igreja Católica atua como ingênua protetora dos indígenas, facilitando, indiretamente, indesejáveis penetrações estrangeiras, igrejas protestantes, nas quais pastores improvisados são, concomitantemente, empresários por conta própria ou a serviço de grandes companhias, atuam diretamente com finalidades mercantis e propósitos alienantes.
O objetivo que se tem em vista é o de criar condições para a formação de “nações indígenas” e proclamar, subseqüentemente, sua independência – com o apoio norte-americano.
Em última análise (excluída a eliminação dos índios adotada no século XIX pelos EUA), há duas aproximações possíveis da questão indígena: a do General Rondon, de princípios do século XX, e a atual, dos indigenistas.
Rondon, ele mesmo com indígenas, partia do pressuposto de que o índio era legítimo proprietário das terras que habitasse. A um país civilizado como o Brasil, o que competia era persuadir, pacificamente, o índio a se incorporar a nossa cidadania, para tanto lhe prestando toda a assistência conveniente, dando-lhe educação, saúde e facilidades para um trabalho condigno. Os indigenistas, diversamente, querem instituir um “jardim zoológico” de indígenas, sob o falacioso pretexto de preservar sua cultura.
Algo equivalente ao intento de criar uma área de preservação de culturas paleolíticas ou mesolíticas no âmbito de um país moderno. O resultado final, além de facilitar a penetração estrangeira, é converter a condição indígena em lucrativa profissão, com contas em Nova York e telefone celular.
Há urgente necessidade, portanto, de rever essas concessões, submetendo-as a uma eficiente fiscalização federal, reduzindo-as a proporções incomparavelmente mais restritas e instituindo uma satisfatória faixa de prioridade federal, devidamente fiscalizada, na fronteira de terras indígenas com outros países.

* Sociólogo, é decano emérito do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (RJ), membro da Academia Brasileira de Letras e autor de, entre outras obras, Brasil: Alternativas e Saídas

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