* Mauro Barbosa Siqueira
Introdução
Analisar o significado da expressão Segurança Hemisférica, onde tratados e acordos são firmados em prol da maior aproximação e da integração entre países, força a apresentação da primeira questão óbvia: até que ponto os interesses ou as necessidades de defesa de cada Estado envolvido são os mesmos? O exercício do Poder, no contexto das relações internacionais, pressupõe o jogo de interesses entre as grandes potências mundiais.
O jogo de interesses e o Poder são explorados em obras como A Política entre as Nações: a luta pelo poder e pela paz, de Hans Morgenthau, The Tragedy of Great Power Politics, de John Mearsheimer, A Sociedade Anárquica, de Hedley Bull, etc.
Não há dúvida de que as mudanças ocorridas nas últimas décadas do século XX, mormente dos anos 80 até hoje, resultaram em uma maior aproximação e integração entre os países do continente americano. No caso específico do tema em estudo, onde se enfoca a Segurança Hemisférica do Continente Sul-Americano, serão desenvolvidos assuntos ligados à Soberania (individual e não coletiva) de cada Estado que compõe o continente.
Em paralelo, não se pode negar que, independentemente do processo de globalização da economia, os problemas internos de cada nação refletem-se nas demais nações. Esses problemas, portanto, também estão inseridos no processo global. Podem-se citar como exemplos sempre atuais: o narcotráfico, o terrorismo, a violência e a degradação do meio ambiente. A qualidade de vida do cidadão, em cada país, está ligada a acontecimentos que eclodem em qualquer lugar do planeta. A manutenção da paz e o resgate da dignidade da pessoa humana devem ser enfocados por nações integradas, com pensamento voltado de forma global para um contexto vindouro mais equilibrado.
Não pode ser esquecido, no entanto, que o “sonho de uma nova ordem”, capaz de garantir a paz e a segurança no mundo, já foi “uma esperança” em três importantes conferências internacionais – o Pacto de Viena (1815), quando, derrotado Napoleão, os vitoriosos decidiram estabelecer regras para todos os outros países; o Tratado de Versalhes (1919), estabelecido pelas potências que derrotaram a Alemanha do Kaiser Guilherme II; e, finalmente, após a Segunda Guerra Mundial, por meio do Tratado de São Francisco e a criação da ONU. Todavia, a humanidade está agora diante da quarta tentativa de uma reorganização da estrutura da Sociedade Anárquica Internacional, pela vontade de poucos.
Este trabalho parte de uma premissa maior. Uma análise da conjuntura existente, na América do Sul, que implique na montagem de um cenário provável em horizonte temporal à frente de 2010 torna-se árdua tarefa, pois se vive, hoje, na Era da Informação. O futuro poderá nos levar a um “mundo plano”[i] e muito mutável, graças às rápidas mudanças globais, regionais e locais. Conservar-se vigilante aos sinais é obrigação e é ajuizado.
Portanto, os tópicos deste estudo versam sobre possíveis soluções (políticas e estratégicas) para reverterem o atual quadro negativo e consolidarem tendências positivas, de acordo com os Objetivos Nacionais. Importa não olvidar e sempre salientar que o Poder Nacional é manifestado por intermédio de suas Expressões Política, Econômica, Psicossocial, Militar e Científico-Tecnológica, cujos fundamentos estão voltados para o Homem, a Terra e as Instituições, e que, naturalmente, a conquista e a manutenção dos Objetivos ditados pela Política visam à consecução do Bem-Comum de cada Nação.
Geopolítica da Amazônia
Rudolf Kjéllen foi o primeiro a usar o termo “geopolítica” em O Estado como manifestação da vida. A Geopolítica foi definida como: “a Ciência que concebe o Estado como um organismo geográfico ou como um fenômeno do espaço”. Porém, foi na Alemanha nazista do Reich que o novo conceito se institucionalizou e ganhou cidadania universitária e formalização teórica. Os expoentes reuniram-se em torno do conselheiro de Hitler, Karl Haushofer. Fundado e presidido por ele, o Instituto de Geopolítica de Munique sintetizou: “A geopolítica deve ser e será a consciência geográfica do estado”.
As raízes intelectuais da Geopolítica residem no pensamento geográfico do alemão Friedrich Ratzel (1844 – 1904). Intelectual de Estado, engajado no projeto de unificação da Alemanha, sob hegemonia da Prússia, publicou, em 1882, seu principal livro: Antropogeografia – fundamentos da aplicação da geografia à história, concebendo o Estado como emanação natural da sociedade destinada à defesa do território. Ao formular suas “leis da expansão espacial dos Estados”, define o progresso como crescimento territorial. Dessas “leis” origina-se o conceito de “Lebensraum” (espaço vital), que seria a relação de equilíbrio entre a população de determinada sociedade, seus recursos naturais e seu território potencial. “Lebensraum” reapareceria na obra programática de Hitler, Mein Kampf. É de Ratzel a famosa frase: “Espaço é poder”, pedra angular original de todo o pensamento geopolítico. Esta frase projetou-se como estratégia do Estado alemão e de Hitler.
Da mesma forma, o pensamento geopolítico escoltou a trajetória dos EUA em direção à sua consolidação como potência mundial. Em 1823, o Presidente James Monroe expõe o conceito estratégico que ficaria conhecido como “Doutrina Monroe”: “A América para os americanos”. Essa teorização da futura tutela dos EUA sobre a América Latina foi considerada pelo Instituto de Geopolítica de Munique como “a mais soberba idéia do século”. O “Corolário Roosevelt” (1904) retoma e amplia a Doutrina para justificar a política ativa de intervenção na América Latina durante todo o último século. A anexação dos territórios mexicanos do Texas e da Califórnia foi desta forma justificada, como um reconhecimento do direito de qualquer antiga colônia juntar-se espontaneamente aos EUA. E o “Destino Manifesto”? Em que medida, tudo se confirmou ao longo da história?
Contudo, o expoente teórico da projeção mundial norte-americana foi o Almirante Alfred Thayer Mahan. Em 1886, ele preconizou propostas, como presidente do Naval War College, das quais se salientam o desenvolvimento da Marinha de Guerra e estabelecimento de zona de hegemonia nos dois grandes oceanos, criação de passagem estratégica entre o Atlântico e o Pacífico, e a limitação de qualquer pretensão naval japonesa.
Por sua vez, o historiador brasileiro Nélson Werneck Sodré definiu a geopolítica, ao procurar captar a dimensão essencial dessa doutrina, como “a geografia do fascismo”. Esta definição, no entanto, acaba por obscurecer o essencial. Na realidade, as práticas de dominação fundamentadas no controle do território não são exclusividade do governo fascista, concernem, também, ao Estado contemporâneo, seja ele totalitário, autoritário ou democrático parlamentar. Ou, até mesmo, o denominado neo-liberal...
No Brasil, o Estado também evidenciou domínio na arte do que se pode considerar “geopolítica interna”: a unidade de soberania territorial brasileira. O General Golbery pode ser considerado um geopolítico com características de persistência e de decisiva influência histórica. Ingressando na Escola Superior de Guerra em 1952, como adjunto do Departamento de Estudos, destacou-se como formulador da ideologia da Segurança Nacional. Compartimentou a Geopolítica da América do Sul, conforme consta em seu livro “Geopolítica do Brasil”, e apresentou as seguintes cinco áreas distintas:
1) Área de Reserva Geral ou Plataforma Central de Manobra;
2) Área da Amazônia (assunto e preocupação central deste trabalho);
3) Área Platino-Patagônica;
4) Área Continental de Soldadura; e
5) Área do Nordeste Brasileiro.
Em sentido amplo, Amazônia é o nome de uma grande zona fitogeográfica, coberta pela floresta equatorial, que constitui a Hiléia, como foi denominada por Alexandre Von Humboldt; extravasa as fronteiras políticas do Brasil, alcançando a Oeste os contrafortes dos Andes, em terras da Colômbia, do Equador, do Peru e da Bolívia. Ao Norte avança pela Colômbia, Venezuela e as Guianas. Assim considerada, corresponde a uma Amazônia americana ou Hiléia amazônica. Limitando-a ao território brasileiro, tem-se a Amazônia Brasileira, que abrange com uma região natural complexa, a Grande Região Norte.
Região situada no Norte do Brasil, atravessada pela linha do Equador. Ocupa uma área de mais de cinco milhões de quilômetros quadrados, correspondendo a 60% da área de todo território nacional. Em extensão territorial, equivale a 32 países europeus. Um terço das florestas tropicais existentes no nosso planeta, estão em suas áreas. Quinze por cento das águas existentes na Terra correm nos leitos dos seus rios. Aproximadamente 8,8% das terras agricultáveis existentes estão na Amazônia. E a Amazônia possui um e meio trilhão de dólares de recursos minerais.
Para fins de planejamento, o governo brasileiro instituiu, por intermédio da Lei Nº 5.173, de 25/10/66, a Amazônia Legal, cujos limites geográficos foram estabelecidos em termos de paralelos e meridianos. A Amazônia Legal tem uma incontestável unidade. Excetuando-se as encostas de dois planaltos, o das Guianas e o Brasileiro, que a delimitam ao Norte e ao Sul. A unidade é constituída, em maior grau, por terrenos terciários, onde se desdobra o caudaloso Rio Amazonas e sua abissal rede de afluentes. Na área domina o clima quente e úmido, o qual favorece o crescimento de uma pujante floresta tropical.
A Amazônia possui sete tipos de coberturas vegetais:
1) • Floresta Ombrófila Densa
2) • Floresta Ombrófila Aberta
3) • Campos e Cerrados
4) • Campinarana
5) • Àreas de Transição
6) • Formações Pioneiras
7) • Floresta Semi-decidual
De toda vegetação existente, apenas 8% da área foi submetida à ação antrópica. Na realidade, 90,12% de sua vegetação é nativa, natural da região. Estima-se que nesta região existam mais de um trilhão de dólares em madeira de lei. Em paralelo, sabe-se que as rochas existentes no seu solo são as mais antigas do Continente Sul Americano. No seu solo, há metais como o ouro e a cassiterita (área com a presença de ouro secundário – 1,4 milhões de km2). Estudos garantem que há reservas incomensuráveis de petróleo.
A Amazônia se projeta pelo seu potencial pesqueiro. Aliás, a região possui o maior banco genético do planeta (imensa diversidade de animais e vegetais). Os reservatórios naturais existentes denotam que a Região Amazônica possui recursos naturais que a destacam dentro do cenário mundial como um baluarte da humanidade.
Dentro desse conjunto está inclusa uma imensa variedade de Recursos Minerais, cujo valor é inestimável para o Brasil.Recursos Minerais incluem: metais, água, petróleo entre outros. E tudo isso é abundante na Amazônia. A idéia básica é mostrar a dimensão das potencialidades da região em relação a tais recursos. Os recursos hídricos são imensos.
A magnitude da bacia amazônica torna-se motivo de estudos estatísticos e de pesquisas. Sozinha responde por mais de 15% de toda água doce existente no mundo. Abaixo, estão algumas informações que indicam os valores dos seus recursos hídricos:
1) Volume de água na Foz do Rio Amazonas: 100 a 300 m³ por segundo, dependendo da época do ano;
2) Se considerarmos em média 200 m³ por segundo, isso significa que o consumo diário de uma cidade de 2.000 habitantes seria suprido por um segundo do rio;
3) A quantidade de água do Rio Amazonas representa cerca de 17% de toda a água líquida do planeta;
4) A profundidade média é de 40 a 50 metros, podendo atingir até 100 metros;
5) O efeito das marés pode ser percebido até mais de 1.000 Km do mar;
6) Dos vinte maiores rios do mundo, em volume de água, nove são amazônicos. Existem basicamente três tipos de rios: água branca (Solimões, Amazonas, Madeira...) visibilidade 0,1 a 0,5 metros; pH 6,5 a 7,0; água preta (Negro, Urubu...) visibilidade de 1,50 a 2,50 metros, pH 3,5 a 4,0; água clara (Tapajós, Trombetas...) visibilidade mais de 4 metros, pH de 4,0 a 7,0.
O petróleo também constitui uma grande fonte de divisas para a região. Na região de Urucu, incrustada no meio da selva, encontra-se um ponto de extração que retira de terra firme cerca de 33mil barris por dia. O petróleo é encontrado nas chamadas bacias sedimentares. A região amazônica encontra-se sobre uma delas. São diversas as jazidas de metais encontradas na região. Para enumerar alguns, citam-se: ouro, alumínio, nióbio, ferro, estanho, manganês, entre outros. A riqueza mineral da região é motivo para a cobiça das grandes empresas internacionais, devido ao seu grande valor estratégico. A região possui, e.g., a maior reserva de nióbio do mundo. Este metal possui características que o torna elemento da estrutura de veículos espaciais, um mercado de alta tecnologia e que precisa de matéria prima de alto grau de especificidade. As altas reservas de alumínio existentes na região levaram grandes multinacionais do setor a se instalarem na região. A ALCOA, que é uma indústria de alumínio, consome metade da energia direcionada para Belém do Pará. São negócios que movimentam cifras, verdadeiramente, astronômicas.
A Companhia Vale do Rio Doce é uma dessas grandes empresas que se beneficiam dos fartos recursos minerais da região. Seus negócios vão da extração da extração da bauxita passando pelo ouro, manganês, cobre, até negócios relacionados ao transporte de carga em ferrovias próprias. A seguir uma tabela indica as quantidades de minérios que estão em áreas de prospecção da Vale do Rio Doce e coligadas. Dessas reservas grande parte está na Amazônia[ii].
Minério (quantidade)
Reservas
provadas e prováveis
Outros
depósitos
minerais
Participação
da CVRD (%)
Potássio (milhões t)
4,4
116,0 (b)
100
Ouro (t)
66,2
(a)
100
Manganês (milhões t)
30,4
26,2
100
Bauxita (milhões t)
197,5
489,1
40
Ferro (bilhões t)
3,0
38,6
100
OBS: Base junho/1997.
(a) Não inclui outros depósitos não mensurados.
(b) Reservas arrendadas da PETROBRÁS.
Com o intuito de proteger, de defender e de integrar uma região tão rica e, ao mesmo tempo, tão inóspita, o Governo Brasileiro induziu, no passado, medidas institucionalizadas por determinação legal. Uma importante iniciativa governamental foi um projeto intitulado de PROJETO CALHA NORTE.
Portanto, cabe repassar algumas das principais ações, mesmo que sucintamente e em detalhes superficiais, dessa iniciativa.
Projeto Calha Norte: Passado, Presente e Futuro
Criado em 1985, o Projeto Calha Norte teve como propósito precípuo a maior integração da área localizada ao norte das calhas dos rios Solimões – Amazonas ao restante do País, partindo de uma maior participação governamental ao longo da faixa de fronteira, proporcionando melhores condições ao Estado Brasileiro para manter a integridade territorial e exercer a soberania nacional naquela região. Foi o primeiro esforço governamental frente às pressões internacionais, visando a garantir a integridade do território nacional e a sua soberania, naquela remota região, e assegurar a oferta de recursos sociais básicos às populações locais insuficientemente assistidas.
Frise-se que o Calha Norte não foi um programa exclusivamente militar, que por envolver aspectos de soberania e integridade territorial, necessariamente teria que participar, mas sim um projeto integrado envolvendo vários Ministérios e organizações. Estes órgãos federais, juntamente com os seus homólogos estaduais do Amazonas, Pará, Roraima e Amapá, e dos municípios da região, mobilizaram recursos de toda ordem, destinados aos setores de saúde, assistência social, educação e saneamento básico.
Então, foi formado um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) que listou as seguintes necessidades fundamentais e imediatas como ações a realizar:
Incremento das relações bilaterais com os países limítrofes;
Aumento da presença brasileira, baseada na ação pioneira das Forças Armadas;
Ampliação e intensificação da ação da FUNAI junto às populações indígenas;
Intensificação das campanhas de recuperação dos marcos limítrofes;
Ampliação da infra-estrutura viária;
Aceleração de produção de energia local;
Interiorização de pólos de desenvolvimento econômico; e
Ampliação de oferta de recursos sociais básicos.
Com as limitações de recursos financeiros existentes e a magnitude das ações necessárias, o GTI priorizou em duas etapas a consecução das ações: ações imediatas na faixa da fronteira e ações subseqüentes, que envolviam a área como um todo. O Calha Norte teria sob seu encargo a ordenação e a programação dos trabalhos para a execução das ações imediatas na faixa da fronteira. As ações ulteriores deveriam ser conduzidas no contexto do 1º Plano de Desenvolvimento Regional. Várias ações foram implantadas ao longo dos anos, não sendo necessário explicitá-las, pois não é finalidade deste trabalho, mas sim alertar para uma ação governamental no sentido da preservação da integridade territorial e da soberania nacional em relação à Amazônia Brasileira. Fortalecer o Calha Norte é um dever de ofício.
Novos Tempos e Futuros Desafios
O governo brasileiro vem planejando realizar grandes investimentos na região amazônica pelo do Programa Avança Brasil[iii]. Entre suas metas para os próximos anos, está a quase duplicação da extensão das estradas pavimentadas e a construção de portos, hidrovias, ferrovias e usinas hidroelétricas. Embora exista consenso de que a região precisa de uma infra-estrutura melhor, obras desta natureza têm potencial de gerar grandes impactos ambientais e sócio-econômicos negativos. Antes de implantá-las, portanto, é necessário promover uma profunda avaliação de seus impactos e um amplo processo de discussão com todos os atores sociais interessados em participar dos debates sobre o tema.
Com base nos estudos que comprovam a relação entre a implantação ou melhoria de infra-estrutura rodoviária e desmatamentos, é possível prever que, em apenas uma faixa de 50 Km ao longo de quatro trechos de estradas a serem pavimentadas, de acordo com as orientações do Programa Avança Brasil, uma área entre 80,000 e 180,000 Km² poderá ser desmatada nos próximos 25 ou 35 anos. O mapa abaixo contém os projetos previstos pelo Avança Brasil. Dentre um dos esforços de maior estatura tem-se o asfaltamento de 6.000 quilômetros de estradas, mais do que o dobro da atual malha viária amazônica.
Fonte: Nepstad, D. C., J. P. Capobianco, A. C. Barros, G. Carvalho, P. Moutinho, U. Lopes, and P. Lefebvre. 2000. Avança Brasil: Os custos ambientais para a Amazônia, p. 55.
O governo brasileiro está tomando decisões críticas para o futuro da Amazônia. Essas decisões podem perpetuar o atual modelo de desenvolvimento predatório, com todas suas falhas já mencionadas, ou redirecioná-lo, para um modelo de desenvolvimento sustentável, não somente em discurso, mas que, na prática diária venha a garantir, de fato, a conservação dos recursos naturais e a melhoria de vida da população. O processo de tomada de decisão, para os investimentos nesta área, fracassa por não considerar os custos ambientais das ações planejadas e o planejamento estratégico para a Região Amazônica.
Até o momento, o governo não estabeleceu um diálogo com a sociedade civil para discutir as implicações ambientais dos projetos propostos e suas alternativas. Uma maior participação da sociedade civil na discussão pode trazer o efeito sinérgico. Urge que se abra um debate sobre as futuras políticas públicas para a sociedade civil se pronunciar.
Em ‘O perigo ronda a Amazônia”, Carlos de Meira Mattos afirma, com muita sapiência, que “ao Governo Brasileiro, como um todo coeso, cumpre o dever inalienável de repelir, com firmeza, qualquer sugestão ou projeto que, sob qualquer pretexto, humanitário, ambiental ou econômico, possa vir a ferir a soberania nacional da Amazônia”.
O Almirante Mario César Flores[iv] lembra que:
A prioridade estratégica da região sul perdeu força porque inexistem motivos que a justifiquem e assim continuará se a associação regional tiver sucesso, exorcizando velhas rivalidades. A Amazônia merece agora mais atenção. Não se trata de ameaças regulares, de Estados, mas de ameaças irregulares (guerrilha, criminalidade transnacional). Nossos vizinhos não têm razões, nem capacidade, para nos ameaçar, e intervenções de grande(s) potência(s) por questões ambientais são improváveis por ora, até porque para influenciar o comportamento do Brasil são mais lógicos os mecanismos econômicos e financeiros de coação, a que somos vulneráveis (embargos, cotas de importação, restrições em financiamentos, etc.). Grifos nossos.
Em face da economia brasileira se encontrar fortalecida hoje, quando comparada àquela vigente à época em que o almirante Flores escreveu o artigo, conclui-se que “mais lógicos os mecanismos econômicos e financeiros de coação, a que somos vulneráveis” não se fazem, atualmente, tão influenciáveis. Logo, as perspectivas são boas.
No mesmo artigo, o oficial-general da Marinha do Brasil asseverou:
As Forças Armadas devem servir à defesa nacional e, de acordo com a lei, também ao controle de ilicitudes que agridam o povo, quando for preciso usar meios e táticas militares e quando a ação policial é insatisfatória ou inviável (no Brasil, mar costeiro, espaço aéreo, selva amazônica). Mas o emprego das Forças Armadas não deve ser estendido à rotina da segurança pública – uma medida de eficácia duvidosa, prejudicial à missão precípua e intrusiva em questões internas além do razoável, numa democracia. Grifos nossos.
Cenário Desejado: Integração das Expressões do Poder Nacional dos Países da América do Sul
O cenário desejado é o que coloca a integração como condicionante maior para a consecução dos objetivos estabelecidos, individual ou coletivamente, pelos partícipes da comunidade sul-americana. Para tanto, abrange as Expressões do Poder Nacional de cada País, de forma a se estabelecer a integração em todos os campos da vida nacional.
Iniciar pela Expressão Econômica exige estabelecer medidas que visem à troca de riquezas, ao livre comércio e a uma política aduaneira própria. Acordos são firmados, objetivando a quebra de barreiras, a redução das tarifas de importação e, particularmente, a integração de políticas macroeconômicas. Por conseguinte, o cenário desejado requer plena integração econômica entre os países da América do Sul, estabelecendo-se uma Associação de Livre Comércio da América do Sul. Não importa o nome que se conceda a esta Instituição Macroeconômica Sul-Americana. A união faz a força.
Em prosseguimento, a Expressão Política assume papel relevante no processo. A integração entre autoridades políticas dos países sul-americanos deverá ter como propósito maior a criação de um ambiente de confiança mútua, confirmado e respaldado pela coerência entre decisões políticas internas e os acordos firmados no continente.
A Expressão Psicossocial segue a reboque das medidas tomadas pelas duas anteriores, integrando pessoas e instituições sociais de forma a favorecer a plena realização dos sul-americanos. Assim, o cenário desejado nesse campo deve possibilitar que a interação entre povos do continente ocorra de forma plena sem, todavia, comprometer aspectos da nacionalidade de cada Estado.
No que tange à Expressão Científico-Tecnológica, deve-se buscar estabelecer a confiança entre as partes envolvidas e primar pela troca de informações que beneficiem a pesquisa e a obtenção de tecnologias a serem compartilhadas.
Respaldando o processo, a Expressão Militar consolida a integração aplicando a força do braço armado em defesa dos interesses sul-americanos. Para tanto, a confiança mútua é essencial, o conhecimento da doutrina é condição e o bom relacionamento é vital. Logo, as forças militares de cada Estado devem interagir entre si e criar condições para serem aplicadas, de forma conjunta (ou combinada, pois não interessa a tradução, mas sim o intuito), na defesa de interesses comuns. Todavia, as perspectivas para este século vislumbram ameaças à Segurança Hemisférica – comuns a todos os Estados – como o narcotráfico, o terrorismo internacional e as pressões internacionais de ordem ambiental e econômico financeira. Faz-se mister a atenção voltada à união e não ao jogo de interesses.
Epílogo
Embora haja tendências que neguem a existência da Geopolítica e que contestem a sua validade, há cadeiras especializadas no ensino da Geopolítica em universidades de renome. Na realidade, mesmo os ortodoxos alemães do Instituto de Munique não se preocuparam demasiadamente em atribuir-lhe um estatuto científico. Ainda que a tratassem como ciência, preferiam enxergá-la como uma teoria ou uma arte. Ciência ou não, a Geopolítica prossegue influenciando fortemente as nações. E deverá ser assim no futuro.
Ao se analisar o contexto exposto, pode-se afirmar que o ideário da confiança mútua deveria significar o ponto vital da integração entre os Estados. Mormente no que se refere aos paradigmas da Segurança Hemisférica e abrangendo os diferentes tópicos envolvidos no relacionamento entre os países do Continente Sul-Americano.
As contribuições que o ideário de confiança mútua proporciona à Ciência Política, às Relações Internacionais e à aproximação entre as nações, visam ao fortalecimento e à consolidação desse processo integrador. Ele é um conjunto de ações de confiança comum, no qual são aplicadas medidas para a construção dessa situação e, mais tarde, outras ações visando ao fortalecimento das primeiras. Sem dúvida, representam um importante instrumento para auxiliar na prevenção de conflitos armados e na manutenção da paz.
Portanto, o processo deve desenvolver-se por ações recíprocas entre os estados, as quais se destinam a promover a abertura e a transparência entre eles. O objetivo consiste, principalmente, em dirimir as percepções errôneas e os desentendimentos, por meio da divulgação das intenções políticas e da capacidade de cada um para implementá-las. Como conseqüência, logra-se a união e as condições para um ambiente de paz e segurança.
Assim sendo, a implantação das medidas de confiança mútua, portanto, lançará as bases para um ambiente de respeito, solidariedade, lealdade, favorecendo a criação e a manutenção do sistema de segurança sul-americana, em um ambiente de cooperação sem comprometer a soberania de cada Estado Nacional soberano. Principalmente, quando interesses econômicos se encontram em jogo, como é o caso da Região Amazônica.
Será que há necessidades tão prementes para todo esse crescimento desordenado?
O Cinturão do Desmatamento da Amazônia é hoje uma triste e atemorizante realidade.
Enfim, as palavras atentas do Gen Ex Rodrigo Octávio nos remetem a um dever: não se pode olvidar de que “árdua é a missão de desenvolver e defender a Amazônia. Muito mais difícil, porém, foi a de nossos antepassados, de conquistá-la e de mantê-la”...
Por isso mesmo, deve-se pensar na nossa Amazônia do futuro como se pensou o Brasil no passado: “integrar para não entregar”. Gen Afonso de Albuquerque Lima.
· O autor foi instrutor da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica. É mestrando da Universidade Federal Fluminense no Curso de Pós-graduação em Ciência Política. Foi estagiário da Escola Superior de Guerra, em 2007, onde cursou o CEMD (Curso de Estado-Maior de Defesa). Atualmente, é adjunto da Coordenadoria de Pós-graduação da Universidade da Força Aérea.
Notas:
[i] FRIEDMAN, Thomas L.. O Mundo é plano: uma breve história do Século XXI. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, passim.
[ii] Os valores são impressionantes. Estima-se que quase metade (50%) das reservas de minério de ferro
Encontrem-se sob o solo do Brasil. Grande parte em solo amazônico.
[iii] Programa Avança Brasil O lançamento da mais nova iniciativa do governo federal brasileiro vem gerando intenso debate entre os mais diversos meios da nossa sociedade. De imediato, pode-se arriscar que apenas tal fato já consiste em um efeito desta iniciativa, dada a fundamental importância da participação da sociedade civil em debates de tamanha relevância. Também chamado de grande experimento de políticas públicas brasileiro, o Avança Brasil já surge repetindo alguns erros do passado, tal como a forte centralização do processo de decisão na esfera governamental e completa ausência de análise dos aspectos ambientais relacionados. Contando com a soma de 40 bilhões de dólares para investimentos em projetos de infra-estrutura na Amazônia até o ano de 2008, o governo federal brasileiro tem dois grandes objetivos com o Avança Brasil: promover a melhoria da malha rodoviária; e estimular o crescimento do setor agroindustrial através da construção de hidroelétricas, hidrovias, portos e um gasoduto. Enfim, os principais vilões da Amazônia brasileira são a expansão da monocultura de soja e algodão, a construção de estradas e a ação dos grileiros e madeireiros ilegais que atuam na região. Como se já não bastassem, essas são, aparentemente, apenas as ameaças internas.
[iv] Reflexões Estratégicas (abril de 2006). Esta análise é fundamentada no livro do Almirante-de-Esquadra
(Reformado) Mario Cesar Flores: reflexões estratégicas - repensando a defesa nacional ("É Realizações", São Paulo, dezembro de 2002). Analisam-se os temas ali tratados - e outros - foram desenvolvidos.
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