terça-feira, 10 de junho de 2008

A questão das terras indígenas


Atinge as raias do absurdo, da insensatez, a nossa atual política para os índios, se é que alguma existe. A redação dúbia e confusa do Artigo 231 e seus parágrafos, na Constituição de 1988, redação esta produto de pressões sobre os constituintes de parte de organizações de interesses suspeitos, permitiram uma legislação complementar que cedeu aos cerca de 350 mil índios brasileiros o direito da exploração exclusiva de 11,58% do território nacional; ou seja, 0,2% da população com o direito de usufruir com exclusividade a área de 12,58% da superfície do país (estes números constam de informações da Funai).
No contexto do referido artigo 231, misturam-se e conflitam-se as expressões "direitos originários, direitos tradicionais, direitos sobre as terras tradicionalmente ocupadas", permitindo que os grupos de interesses (atuais e futuros) sobre o potencial de riquezas ali abrigadas pressionem as autoridades executivas e legislativas na regulamentação da matéria. Atualmente a gravidade desse conflito mostra-se bem visível no Estado de Roraima. Este estado vem crescendo demográfica e economicamente nos últimos 30 anos. É uma fronteira econômica em marcha. Mas a sua progressão é barrada pelas terras indígenas que ocupam cerca de 50% de seu território, a maioria abrangendo a faixa de fronteira com a República da Guiana e a Venezuela. Em virtude do Ministério da Justiça ter homologado recentemente a demarcação da área de cerca de 16,700 km² da reserva Raposa Terra do Sol, pelo critério de "terra contínua", alguns grupos dos selvagens ali aldeiados, apoiados por missões religiosas e ONGs sediadas em Boa Vista (quase todas internacionais), entendem que devem ser retirados da reserva o Município de Uiramutã, várias povoados de não-índios, fazendeiros plantadores de arroz e feijão, e até um pelotão de fronteira do Exército. Alguns dos residentes são descendentes de moradores ali há mais de 100 anos. Os defensores da tese da demarcação em "terra contínua", pretendem que o governo do Estado de Roraima promova o desterramento dessa população de não-índios e a instale em outra área. Pretende o Governo do Estado que a demarcação seja feita de forma "descontínua", preservando os direitos da população de não-índios residente na reserva, contrariando, assim, a decisão do Ministério da Justiça. Diante da gravidade do conflito que se deflagrou, o presidente da República, por solicitação do ministro da Defesa, suspendeu o cumprimento da decisão da Justiça e nomeou uma Comissão Especial para reestudar o assunto. Até parece mentira que nossos legisladores e administradores tenham conseguido criar um tamanho despropósito, uma tamanha confusão, com questões que eram pacíficas na vida nacional - a incorporação gradual, mansa e tranqüila de nossos indígenas à sociedade e o direito universal dos brasileiros de viverem em qualquer rincão de nosso território.
Carlos de Meira Mattos General reformado do Exército, doutor em Ciência Política e conselheiro da Escola Superior de Guerra (ESG).

Nenhum comentário: