terça-feira, 10 de junho de 2008

A Tese da Internacionalização da Amazônia


* General Carlos de Meira Mattos
É antiga a idéia da internacionalização da Amazônia. De tempos em tempos, ela volta ao palco trazida por novos ventos , revestida em teses pseudo-científicas ou sócio-humanitaristas, usadas para ocultar o seu verdadeiro objetivo político ou econômico .
No começo, era apenas a curiosidade pelo ineditismo do cenário gigantesco descrito pelos primeiros exploradores : o imenso “Mar Dulce “ da carta do navegante espanhol Vicente Pinzon a El Rei :
a “terra da canela e o El Dorado” procurados pela expedição de Orellana e Gonzalo Pizarro, irmão do conquistador do Peru ; a lenda fantasiosa “ das índias guerreiras amazônicas” , espalhadas na Europa pelos escritos de Frei Carbajal , descrevendo-as como “ alvas e brancas , usando cabelo comprido entrançado e enrolado na cabeça, pernas e braços bastante desenvolvidos , andam nuas em pêlo dissimulando seu sexo, com seus arcos e flechas nas mãos , fazendo tanta guerra como dez homens”. Estas notícias e lendas povoaram o imaginário de aventureiros europeus durante o Século XVI.
Em seguida, veio a curiosidade de famosos cientistas e naturalistas , europeus e norte americanos , diante da magnitude do cenário florestal e hidrográfico que deparavam na Amazônia.
Nos séculos 17 e 18, vieram conhecê-la e estudá-la , renomados cientistas e naturalistas da Europa e dos Estados Unidos Ali estiveram La Condamine, Von Martius, D’orbigny , Goeldi, Agassiz , Humboldt (criador da denominação Hiléia); nos primeiros anos do século 20 , Theodor Roosevelt. Seus relatórios e estudos chamaram a atenção internacional para a Amazônia .
Passada a fase de admiração científica pela sua colossal imagem geográfica, vieram as ambições e a cobiça. Vamos lembrar apenas algumas das muitas investidas mais remotas à nossa soberania amazônica .
Nos velhos tempos do Império de D.Pedro II, no ano de 1850 , sofremos as tentativas do Comandante Matthew Maury , Chefe do Observatório Naval de Washington , defendendo a tese da livre navegação internacional do rio Amazonas , considerando que pelo seu volume de águas deveria ser incorporado ao mesmo status do direito marítimo. O governo norte- americano autorizou o envio de uma canhoneira para explorar o rio que desrespeitando os nossos direitos soberanos penetrou na grande caudal e navegou até Iquitos, no Peru. Esta violação de nosso território exigiu enorme esforço diplomático de então Embaixador em Washington, Sergio Teixeira de Macedo, para neutralizar a difundida propaganda internacionalista disseminada por Maury e conseguir uma satisfação do governo norte americano.
Em 1948, vimos aprovada pela Unesco, organismo da ONU, a criação do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica , segundo o qual uma autoridade internacional passaria a administrar as pesquisas científicas e o desenvolvimento da região. Esta interferência nos nossos direitos soberanos, já aprovada ingenuamente por nossos representantes na UNESCO, só foi evitada pela rejeição do referido Instituto pelo nosso Parlamento baseado num parecer do então Estado-Maior Geral e na campanha veemente de protesto do senador Arthur Bernardes.
A partir dos anos oitenta do século passado vem crescendo a propaganda e as pressões de interferência na nossa Amazônia . As hostes internacionalista, hoje, concentram sua ação através das Organizações Não Governamentais ( ONG).
As ONG são associações civis, internacionais ou nacionais , que proclamam fins humanitários ou científicos tais como direitos humanos, defesa ambiental , combate às desigualdades sociais , preservação de comunidades indígenas, combate a atividades belicistas e outros.
O articulista Sorman, do jornal francês “Le Monde” (25-4-01) calculava em 32.000 o número de ONG espalhadas pelo mundo. Comenta o jornalista: “Ninguém fiscaliza suas fontes de financiamento, ninguém verifica a autenticidade da boa causa a que se propõem, ninguém controla suas despesas. Na sua quase totalidade estão subordinadas a assembléias fantasmas (de personalidades honradas), mas administradas efetivamente por minorias vinculadas a outros interesses”.
A tese central das ONG internacionais que atuam no norte do Brasil sintetiza-se na expressão “Amazônia patrimônio da Humanidade”. Alegam que se trata de uma imensa regiâo de natureza tropical cuja floresta deve ser preservada visando a sobrevivência da Humanidade, justificam sua tese acusando os estados nacionais, principalmente o Brasil de responsáveis pela destruição da natureza amazônica e de serem incapazes de conter o desmatamento da floresta, a poluição ambiental e a natureza primitiva do gentio. Baseados na alegação da incapacidade do Brasil de preservar a natureza amazônica , inúmeras ONG européias e norte-americanas lutam para que se estabeleça para a nossa Amazônia, o status de “território do interesse da Humanidade”, como tal , que um organismo supra nacional. Com autoridade decisória passe a participar de sua administração. As ONG já envolveram a ONU , a UNESCO e entidades financeiras internacionais na tese de apoio á criação de uma entidade supranacional para preservar a floresta amazônica. Inúmeras ONG pressionam as instituições financeiras mundiais no sentido da implantação de uma autoridade supranacional na Amazônia e, com este objetivo, estas aprovam ou desaprovam pedidos de empréstimo , igualmente mantêm e financiam várias agências na região que se apresentam como ambientalistas , antropológicas, naturalistas, indigenistas , pacifistas , de direitos humanos .
Destacam-se entre as ONG atuantes na Amazônia : a inglesa “Survival International !” também conhecida como “Casa de Windsor” (dado à sua estreita ligação com a coroa inglesa), cuja infiltração na região data dos anos 60 ; a “ European Working Group on Amazon (EWGA)”- o Conselho Mundial de Igrejas , reunindo Igrejas protestantes da Europa e Estados Unidos ; a União Internacional para a Conservação da Natureza ( UICN) ; e o Conselho Indigenista Missionário(CIMI) sediado na Suíça.
As acima citadas ONG internacionais, e outras, irradiam no Brasil e em particular na Amazônia , uma rede de dezenas de agências que buscam criar na população local e nos indígenas uma conscientização da necessidade de internacionalizar a região. Entre as ONG nacionais mais presentes na Amazônia destacam-se o Conselho Imdigenista de Roraima ( CIR ) controlado pela Comissão Pastoral da Terra; Associação dos Povos Indígenas de Roraima (APIR); Associação regional Indígena dos Rios Kinô, Cotongo e Monte Roraima (ARIKOM) . A Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte do Estado de Roraima (SODIURR ) defende a convivência pacifica e comunitária entre índios e não índios.
Duas teses se confrontam em torno da questão indígena – Integração versus Confinamento . A política tradicional brasileira é da integração à sociedade nacional, idealizada e realizada pelo nosso maior indigenista, o General Rondon .
A partir dos anos 60, Organizações internacionais do 1º Mundo e entidades cristãs sediadas na Europa e Estados Unidos , mantenedoras de inúmeras Missões Religiosas na Amazônia, abriram a luta a favor da internacionalização da Hiléia e confinamento das tribos de gentios visando a preservar os hábitos e costumes primitivos. Vários lideres políticos europeus têm se pronunciado, em caráter particular, a favor da tese de internacionalização da Amazônia, entre os quais citaremos o ex Presidente da França , François Miterrand , que declarou em 1991 , “ o Brasil precisa aceitar a soberania relativa sobre a Amazônia”.
As ONG internacionalistas escolheram para tema de sua penetração a questão indígena e, para área principal de operações, o território Norte do Estado de Roraima, contíguo às nossas fronteiras com a Venezuela e República da Guiana . Escolheram uma região vulnerável , pela distância dos grandes centros, pelo seu despovoamento , pela sua contigüidade com um espaço tri-fronteiriço ( Brasil-Venezuela-República da Guiana). A constância de sua ação, o apoio de ONGs internacionais nas suas pressões ao governo brasileiro já lhes assegurou duas vitórias: a demarcação das reservas indígenas de Ianomami, superfície de 96.649 Km2 ( equivalente a do Estado de Santa Catarina) para uma população de cerca de 9.000 índios e a demarcação das reservas dos índios de Raposa Terra do SOL , superfície de 17.430 Km2 ( metade do território do Estado do Rio de Janeiro) para uma populaçâo de 15.000 índios . A Soma da superfície destas duas reservas esteriliza para a ocupação e economia cerca de 50% do território do Estado de Roraima . A propaganda das idéias de internacionalização lançada na Europa e Estados Unidos pelas ONG transnacionais vem conquistando um número crescente de adeptos no exterior e mesmo no nosso País , particularmente entre as organizações que delas recebem financiamento, e brasileiros que delas dependem por seu emprego .
Qual tem sido a atitude do governo brasileiro em face às investidas internacionalistas. Algumas vezes cega, outras vezes dúbia, cedente e em parte, vacilante .
A Assembléia Constituinte de 1988 , pressionada pelas ONG, colocou na Constituição vigente conceitos de interpretação duvidosa sobre “ terras tradicionais dos índios” ; Baseado em critério interpretativo duvidoso, o Executivo homologou, com decretos e portarias, as reinvindicações sobre reservas indígenas totalizando 1/10 do território nacional , para uso privilegiado de cerca de 700 mil índios, entre tribais e semi- tribais , divididos em 215 etnias, com 180 línguas e dialetos (IBGE).
Buscando responder às críticas internacionais acusatórias de ineficácia na preservação do meio-ambiente e na contenção da destruição da floresta tropical . o governo Sarney . Em 1988, lançou o Programa Nossa Natureza , estabelecendo a política de Desenvolvimento Sustentado.
Visando a executar o Programa Nossa Natureza foi criado o IBAMA, que vinha obtendo resultados favoráveis no combate ao desmatamento , mas que, ultimamente, tem perdido eficiência por falta de recursos financeiros .
O Projeto Calha Norte , instituído em 1985, tendo por objetivo o povoamento, atendimento social e incentivo econômico na larga faixa de nossa fronteira Norte , com 5 paises ( Guiana Francesa, Suriname , Rep da Guiana , Venezuela e Colômbia ) , operação conjunta de Ministérios civis e militares, vem se arrastando por falta de verba e de interesse dos Ministérios civis. Somente os Comandos Militares vem realizando a sua parte. Ultimamente, o governo tem procurado reanimar o andamento desse Projeto . Vários outros órgãos governamentais atuam na área amazônica,entre os quais o Ministério do Meio Ambiente, e a FUNAI, que substituiu o antigo Serviço de Proteção ao Índio .
A tese mais presente, hoje , é a da “Amazônia patrimônio da humanidade”, devendo ser administrada por autoridade internacional , única capaz de garantir a sobrevivência futura de vida no Planeta. Oferecem aos paises donos do território amazônico o consolo de uma soberania partilhada.
A propaganda e as pressões internacionais a favor desta absurda tese de internacionalização vêm revestidas das falácias pseudo-científicas: Amazônia pulmão do mundo; queimadas da floresta responsáveis principais pela emissão de dióxido de carbono e conseqüente envenenamento da atmosfera ( duas acusações já cientificamente destruidas ). Amazônia, último espaço de natureza e da vida selvagem a ser preservada ( preferida dos antropólogos , ambientalistas e indigenistas ) .
Os principais propagandistas e ativistas dessa tese são organizações internacionais não governamentais(ONG ), dos paises ricos da Europa e dos Estados Unidos , presentes e atuantes na Amazônia Brasileira através de suas agencias e de missões religiosas . dispondo de dinheiro farto e envolvendo a participação de brasileiros A ultima manifestação dos ativistas da soberania partilhada para a Amazônia , veio- nos do francês M.Pascoal Lamy . Ex-Comissário de Comércio da União Européia e candidato de seu país a Diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio ( OMG) .
Defendendo o conceito de Governança Global, em conferência recente realizada em Genebra, perante diplomatas e funcionários de organizações internacionais, o sr Pascoal Lamy afirmou : “ as florestas tropicais como um todo , devem ser submetidas à gestão coletiva, ou seja, gestão compartilhada com a comunidade internacional”.
Segundo a proposta do Sr Lamy, em fórum internacional, nossa floresta amazônica deve passar a ser administrada por uma autoridade internacional a ser criada.
Sobre este pronunciamento do Sr Lamy o nosso Ministro de Relações Exteriores , Celso Amorim , apresentou imediata e veemente protesto nos seguintes termos :
“ As declarações do Sr Lamy revelam uma visão preconceituosa, que susbestima a capacidade dos paises em desenvolvimento em gerenciar,de forma soberana e sustentável os forma soberana e sustentável os seus recursos naturais . Tais declarações são incompatíveis. Com o Cargo de Diretor-Geral da Organização Mundial do Trabalho ( OMC ) ao qual o Sr Lamy aspira “
Não há duvidas que perigos rondam a nossa integridade territorial , na região amazônica . Cabe ao Estado Brasileiro demonstrar forte e inabalável decisão de não aceitar a violação de seus direitos soberanos, conquistados duramente através de 5 séculos, por portugueses e brasileiros. Não há de ser a nossa geração que, por incapacidade de lutar, irá permitir a lesão de nossa soberania em parte do território nacional.
Nossa política de defesa contra as pretensões internacionalista na nossa Amazonia, a nosso ver , deve se basear nos seguintes itens principais :
- Demonstrar vontade nacional inabalável de preservar intocável nossa soberania territorial ( para isto mobilizar a consciência das elites e do povo) .
- Possuir uma Diplomacia super ativa e vigilante, capaz de refutar veementemente , de imediato, qualquer insinuação ou projeto internacionalista envolvendo o Brasil, surja onde surgir, em qualquer país ou entidade internacional .
- Estreitar nossas relações com os países nossos vizinhos amazônicos, buscando integrá-los na missão de defesa contra a campanha de internacionalização da área. Incentivar os projetos de povoamento e de desenvolvimento sustentado da Amazônia Norte e Oeste .
- Administrar eficazmente a proteção da floresta e a preservação do meio-ambiente (sem prejuízo da valorização política , econômica e social da região e de seus habitantes).
- Manter na região um dispositivo militar de defesa , especializado em guerra na selva, que por seu efetivo , armamento moderno , equipamento e adestramento , represente uma força de dissuasão convincente , capaz de desencorajar aqueles que projetem um conquista fácil .
Este o Grande Desafio diante dos brasileiros desta geração . Saberemos respondê-lo ?
Cai sobre nossos ombros preservar a integridade de nosso território ameaçado, missão que as gerações que nos antecederam souberam fazer, com habilidade diplomática, intrepidez e mesmo com sangue, quando necessário.
* O autor é General-de-Divisão Reformado e cientista político.

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