segunda-feira, 9 de junho de 2008


Modelo de demarcação divide RR
No debate sobre manter ou não a demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, o ponto mais polêmico é a influência do seu formato - em área contínua ou em ilhas - na sobrevivência dos 19 mil índios que habitam o 1,7 milhão de hectares da área. Refeita em ilhas, permite-se a presença dos não-índios perto das aldeias, mas os benefícios e perigos desse cenário dividem opiniões entre a Fundação Nacional do Índio (Funai), o governo do Estado, o Exército e até os índios. A questão será julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos meses.
Para a Funai e boa parte dos índios, principalmente os ligados ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), o modelo atual é fundamental para a preservação da cultura. "Excluir partes ou seccionar aldeias é comprometer a continuidade dessa organização social", afirma o antropólogo da Funai Paulo Santilli, co-autor do relatório que serviu de base para a demarcação. Caberia aos índios a decisão sobre o uso do espaço e a relação com os não-índios.
A presença do branco é defendida pela Sociedade de Defesa dos Indígenas Unidos do Norte de Roraima (Sodiurr). "Como aquele índio que trabalhava na fazenda de arroz vai ficar? Na comunidade dele não tem estrutura, não se vende nada. Não querem nos deixar trabalhar", diz o macuxi Sílvio da Silva, presidente da entidade, favorável à demarcação em ilhas.
O plantio do arroz atrai o interesse não só da Sodiurr, mas também do governo de Roraima, que chegou a protocolar no STF uma proposta de remarcação que reduziria a reserva em quase 10%, excluindo até as áreas de produção agrícola, no sul da terra indígena.
O arroz produzido na reserva corresponde a 6% do Produto Interno Bruto (PIB) de Roraima. As terras usadas no plantio pertencem à União e as benfeitorias consideradas de boa-fé - feitas antes do decreto da terra indígena - já foram pagas.
Em meados de junho ou agosto, quando o Supremo julgar as ações de contestação à homologação, o consenso é de que as outras reservas do País poderão ser questionadas. "Todas as outras terras indígenas estariam sujeitas ao mesmo procedimento", diz o antropólogo da Funai.
CONFLITO
A disputa pela Raposa Serra do Sol, área demarcada no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas homologada na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já levou à prisão do líder dos rizicultores, Paulo César Quartiero, após dez índios terem ficarem feridos em tentativa de invasão da Fazenda Depósito.
A Polícia Federal (PF) chegou a mandar um contingente de 200 policiais para desalojar os não-índios da reserva, mas a ação foi suspensa por determinação do STF. A situação continua tensa na região.
Exército teme pela fronteira
Um dos argumentos usados para evocar a presença de não-índios na região é a demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol na fronteira com a Venezuela e a Guiana. Em abril, o comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, criticou a política indigenista, dizendo que era uma ameaça à soberania.
A declaração gerou atrito entre as Forças Armadas e o governo. Hoje, o Exército não se manifesta sobre o assunto e diz que respeitará a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso.
O coronel da reserva Geraldo Cavagnari, membro e fundador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas (Unicamp), concorda com o general. "É importante ter populações vivendo na faixa de fronteira, que se formem centros urbanos ou rurais ali", opina. "Há a necessidade de presença do Estado: saúde pública, polícia, Justiça. Não bastam as Forças Armadas."
Já o antropólogo da Funai Paulo Santilli alega que, pelo fato de as terras serem da União, não há restrições de mobilidade das Forças Armadas, que contam com três pelotões de fronteira na área. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, defende tese semelhante: "As terras pertencem à União. Se, por uma infelicidade, uma dessas tribos deixar de existir, continua em poder da União."

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