Aos 186 anos de vida independente, 119 de regime republicano e cinco de governo Lula da Silva, o Brasil assistiu, na semana passada, a uma cena histórica. Numa cerimônia pública, um ministro beijou a testa do presidente. Nunca antes neste país. O beijo foi perpetrado pelo performático e caloroso novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, na testa do presidente Lula. Como Minc é quase uma cabeça mais alto que Lula, a imagem resultante era a do pai abençoando o filho, o mestre o discípulo, o chefe o subordinado. Impunha-se uma vez mais o estilo espantosamente desinibido do ministro Minc. Sua mão segurava o pescoço do presidente, com o carinho e a condescendência que os grandes devem aos pequenos.
Ora, direis, que mal há num beijo na testa? Manifestações semelhantes são hoje em dia banais, e não apenas beijo na testa como também na boca, entre pessoas apenas amigas, e mesmo homem com homem e mulher com mulher. No ambiente do show business, são até obrigatórias. Compõem a etiqueta do setor, assim como a genuflexão diante da rainha compõe a etiqueta do Palácio de Buckingham. Eu vos direi no entanto que o problema é justamente que, em que pesem os coletes do novo ministro, governo não é showbiz. O beijo ocorreu durante a posse de Minc, no Palácio do Planalto. Foi o ponto culminante de uma cerimônia toda ela ocorrida num clima de gandaia, o presidente se esmerando no papel, a ele tão caro, de animador de auditório.
O Brasil em geral, e o governo em particular, ainda não entendeu o que está acontecendo. A questão do meio ambiente mudou de patamar, mundo afora. Trinta anos atrás era uma bizarria de uns poucos. Vinte anos atrás começava a ser acolhida pelos governos, mas numa posição marginal. De dez anos para cá foi se deslocando da margem para o centro e, ao impulso das notícias sobre mudança climática, chegou ao coração dos governos e das sociedades, principalmente no mundo desenvolvido. É reflexo disso que em sua recente visita ao Brasil a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, a tenha trazido como item nº 1 da agenda.
Muito menos, o Brasil em geral, e o governo em particular, se mostra atento ao que está por vir. A mudança de presidente nos Estados Unidos, qualquer que seja o vencedor da eleição, promete outro giro do torniquete. Por enquanto os EUA estão atrás da Europa na atenção às políticas ambientais. Têm o rabo preso no ceticismo com que o governo Bush encara os alertas de aquecimento global e em sua recusa em assinar o Protocolo de Kioto. Isso vai mudar. Tanto John McCain quanto Barack Obama e Hillary Clinton já incluíram no centro de seus discursos a questão climática e em seus programas a adesão a Kioto. Com quem vão estrilar, com quem, com quem? O Brasil. Quando se fala em clima e ambiente, fala-se em Amazônia.
O Brasil já está, e estará mais ainda, na berlinda. A posse do novo ministro do Meio Ambiente era ocasião para um discurso sério e firme do presidente, dirigido ao país e ao mundo. Ainda mais que Minc entra no lugar de Marina Silva, símbolo da luta pela preservação da floresta, cuja saída ela própria fez questão de revestir de um ar de derrota da causa. Em vez disso, tivemos beijo na testa e, da parte do presidente, as piadas e as costumeiras "apologias" (ele queria dizer "analogias") com o futebol. A única coisa séria era a cara da ministra demissionária. Marina Silva não ria das graças do ex-chefe. Seu rosto emitia um mau sinal para os interessados na questão ambiental ao redor do mundo.
Na mesma medida em que o meio ambiente foi se deslocando para o centro das preocupações de sociedades e governos, o fantasma da internacionalização da Amazônia foi se tornando menos fantasma. O que antes não podia ser dito em voz alta por um estrangeiro perdeu a vergonha no brado do jornal inglês The Independent ao comentar a demissão de Marina da Silva: "A Amazônia é importante demais para ser deixada aos brasileiros". O que antes era produto de teorias conspiratórias ficou mais perto de virar proposta em foros internacionais. "A Amazônia tem dono", afirmou Lula, em outra ocasião durante a semana. É a velha síndrome, dos brasileiros em geral, e deste presidente em particular, de tratar as questões a golpe de retórica.
Está na hora, aliás já passou da hora, de o dono agir com firmeza contra as forças da motossera. De inventar alternativas para as populações amazônicas que não impliquem a destruição do meio ambiente. De quebra, de iniciar, antes que outros o façam, um trabalho sério de pesquisa das propaladas riquezas da floresta – por exemplo, criando uma Universidade da Amazônia, com recursos e programas ambiciosos o suficiente para atrair os melhores cérebros, o que poderia representar um projeto científico muito mais coerente do que a proliferação sem rumo das universidades federais e uma obra de governo com a grandeza e o investimento no futuro que tentações faraônicas como a transposição do São Francisco não têm. Senão... É esperar o avanço do torniquete. Ele mal começou a se mover.
Ora, direis, que mal há num beijo na testa? Manifestações semelhantes são hoje em dia banais, e não apenas beijo na testa como também na boca, entre pessoas apenas amigas, e mesmo homem com homem e mulher com mulher. No ambiente do show business, são até obrigatórias. Compõem a etiqueta do setor, assim como a genuflexão diante da rainha compõe a etiqueta do Palácio de Buckingham. Eu vos direi no entanto que o problema é justamente que, em que pesem os coletes do novo ministro, governo não é showbiz. O beijo ocorreu durante a posse de Minc, no Palácio do Planalto. Foi o ponto culminante de uma cerimônia toda ela ocorrida num clima de gandaia, o presidente se esmerando no papel, a ele tão caro, de animador de auditório.
O Brasil em geral, e o governo em particular, ainda não entendeu o que está acontecendo. A questão do meio ambiente mudou de patamar, mundo afora. Trinta anos atrás era uma bizarria de uns poucos. Vinte anos atrás começava a ser acolhida pelos governos, mas numa posição marginal. De dez anos para cá foi se deslocando da margem para o centro e, ao impulso das notícias sobre mudança climática, chegou ao coração dos governos e das sociedades, principalmente no mundo desenvolvido. É reflexo disso que em sua recente visita ao Brasil a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, a tenha trazido como item nº 1 da agenda.
Muito menos, o Brasil em geral, e o governo em particular, se mostra atento ao que está por vir. A mudança de presidente nos Estados Unidos, qualquer que seja o vencedor da eleição, promete outro giro do torniquete. Por enquanto os EUA estão atrás da Europa na atenção às políticas ambientais. Têm o rabo preso no ceticismo com que o governo Bush encara os alertas de aquecimento global e em sua recusa em assinar o Protocolo de Kioto. Isso vai mudar. Tanto John McCain quanto Barack Obama e Hillary Clinton já incluíram no centro de seus discursos a questão climática e em seus programas a adesão a Kioto. Com quem vão estrilar, com quem, com quem? O Brasil. Quando se fala em clima e ambiente, fala-se em Amazônia.
O Brasil já está, e estará mais ainda, na berlinda. A posse do novo ministro do Meio Ambiente era ocasião para um discurso sério e firme do presidente, dirigido ao país e ao mundo. Ainda mais que Minc entra no lugar de Marina Silva, símbolo da luta pela preservação da floresta, cuja saída ela própria fez questão de revestir de um ar de derrota da causa. Em vez disso, tivemos beijo na testa e, da parte do presidente, as piadas e as costumeiras "apologias" (ele queria dizer "analogias") com o futebol. A única coisa séria era a cara da ministra demissionária. Marina Silva não ria das graças do ex-chefe. Seu rosto emitia um mau sinal para os interessados na questão ambiental ao redor do mundo.
Na mesma medida em que o meio ambiente foi se deslocando para o centro das preocupações de sociedades e governos, o fantasma da internacionalização da Amazônia foi se tornando menos fantasma. O que antes não podia ser dito em voz alta por um estrangeiro perdeu a vergonha no brado do jornal inglês The Independent ao comentar a demissão de Marina da Silva: "A Amazônia é importante demais para ser deixada aos brasileiros". O que antes era produto de teorias conspiratórias ficou mais perto de virar proposta em foros internacionais. "A Amazônia tem dono", afirmou Lula, em outra ocasião durante a semana. É a velha síndrome, dos brasileiros em geral, e deste presidente em particular, de tratar as questões a golpe de retórica.
Está na hora, aliás já passou da hora, de o dono agir com firmeza contra as forças da motossera. De inventar alternativas para as populações amazônicas que não impliquem a destruição do meio ambiente. De quebra, de iniciar, antes que outros o façam, um trabalho sério de pesquisa das propaladas riquezas da floresta – por exemplo, criando uma Universidade da Amazônia, com recursos e programas ambiciosos o suficiente para atrair os melhores cérebros, o que poderia representar um projeto científico muito mais coerente do que a proliferação sem rumo das universidades federais e uma obra de governo com a grandeza e o investimento no futuro que tentações faraônicas como a transposição do São Francisco não têm. Senão... É esperar o avanço do torniquete. Ele mal começou a se mover.
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