domingo, 8 de junho de 2008

Planalto tenta controlar ocupação na fronteira

Governo encomenda levantamento para descobrir quem são os verdadeiros donos de terras em áreas estratégicas
Leila Suwwan
BRASÍLIA. O Planalto tem agido silenciosamente para tentar contornar o avanço que ocorre há tempos nas fronteiras do país e é considerado uma ameaça à soberania: a compra, posse ou uso de terras da chamada faixa de fronteira por grupos estrangeiros, sem o consentimento prévio do governo, conforme prevê a Constituição. Sem alarde, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) encomendou levantamento para cartórios dos 570 municípios fronteiriços para descobrir os verdadeiros donos dessas terras. E está discutindo com países vizinhos suas preocupações estratégicas.
Além das vulnerabilidades de segurança e defesa nacional, a faixa de fronteira é considerada alvo crítico também pela possibilidade de escoamento de minérios. Assim como as aquisições por estrangeiros, qualquer atividade de mineração nessas terras precisa ser aprovada pelo Conselho de Defesa Nacional.

Áreas de interesse se sobrepõem a terras indígenas
O monitoramento militar da região revela que grupos estrangeiros se interessam por pesquisa ou lavra em 115 mil km², o equivalente ao território de Santa Catarina e Sergipe somados. Em alguns casos, essas áreas se sobrepõem com terras indígenas. Segundo documento do GSI, o alvo da mineração são regiões sensíveis, em um cinturão que toma a fronteira norte desde o Amapá até o norte da Amazônia e a divisa de Rondônia.
A faixa de fronteira é a extensão de 150 quilômetros a partir dos 17.500 quilômetros da fronteira terrestre e que representa 27% do território nacional. As terras pertencem à União, mas há um caos jurídico na titulação de imóveis, muitos concedidos de forma irregular. No caso da presença estrangeira, há limites legais, mas não se tem idéia da situação real. Para tentar retomar o controle, o governo acionou os cartórios, em acordo firmado em março deste ano.
- Não há dados precisos e as compras estão sendo mascaradas com ONGs que têm capital estrangeiro. A preocupação é defender nossa soberania. Vamos ver quem é o dono e de quem é o investimento. Mas teremos de buscar a papelada, e isso deve demorar dois anos - disse Rogério Portugal Bacellar, presidente da Associação Nacional de Notários e Registradores do Brasil (Anoreg).
O cadastro de imóveis rurais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra (Incra) é considerado subestimado. Em todo o país, há registro de 33 mil imóveis em posse de estrangeiros em um total de 55 mil km², cerca de 70% disso na Amazônia. Mas, segundo o presidente do órgão, Rolf Hackbart, o dado verdadeiro é pelo menos cinco vezes maior, o que significa 275 mil km², área quase igual à de Tocantins.
- Isto não é xenofobia. O Estado precisa saber quem é o proprietário das terras e o uso desses imóveis. O debate às vezes fica escondido porque há um viés torto de que todo investimento é bom. No caso da fronteira, é onde o debate deve começar. E os cartórios são a única forma de conhecer os reais proprietários - disse Hackbart.
O Conselho Nacional de Defesa e o Gabinete de Segurança Institucional não se manifestam sobre o tema. Mas documentos internos mostram que a preocupação é grande e foi debatida com representantes de Venezuela, Bolívia e Equador no mês passado. O GSI diz que grandes empresas às vezes sequer registram a compra das terras e assim burlam a exigência de obtenção do "assentimento prévio", concedido pelo Conselho de Defesa Nacional. Outro problema é que os municípios também não repassariam os relatórios exigidos. E finalmente, também foi detectado que estrangeiros estão assumindo posse de terras sem efetivamente registrar o imóvel, o que também escapa do controle do governo.

Nenhum comentário: