* Armando Amorim Ferreira Vidigal
Introdução
O problema da Amazônia brasileira ocupa, cada vez mais, o imaginário de uma parcela considerável da sociedade. A preocupação com a região decorre de muitas circunstâncias: o crescente aumento do interesse internacional com o efeito estufa e conseqüente elevação da temperatura do planeta – de que as queimadas na floresta seriam a principal causa, pelo menos no que concerne à responsabilidade do Brasil; o número cada vez maior de Organizações-Não-Governamentais (ONGs) na região, a maioria de caráter internacional, e cujos propósitos não são sempre claros; as inúmeras demarcações de terras indígenas na Amazônia brasileira, algumas em áreas de fronteiras, de extensão maior do que a de muitos estados europeus, em áreas de abundantes recursos, onde vêm crescendo as dificuldades de acesso a não-índios e até mesmo ao poder público. A recente aprovação na Organização das Nações Unidas (ONU) da Declaração Universal dos Povos Indígenas, com o voto inacreditável dos representantes brasileiros naquela Organização, onde há referência não só à “posse da terra” mas também à “autodeterminação, de acordo com a lei internacional” e ao direito dos índios de “não concordar e de vetar ‘as atividades militares’ e depósitos ou armazenamentos de materiais em suas terras”, bem como o contencioso criado com a decisão governamental da demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, ao norte do Estado de Roraima, vieram trazer novos elementos de inquietação.
O contencioso com relação à reserva Raposa Serra do Sol resulta do fato que a demarcação contínua implicará na expulsão da área de fazendeiros produtores de arroz que estão na região desde a década de 80 do século passado, responsáveis pela produção de boa parte da riqueza do estado e da geração de empregos na área, inclusive para os índios. Uma parcela dos índios (ligados à Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima (SODIUR), apóia os fazendeiros, enquanto outra apóia a demarcação contínua, estes unidos no Conselho Indigenista de Roraima (CIR), ligado à Igreja Católica. O governador do Estado, José Anchieta, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a demarcação contínua, alegando que ela fere o princípio da autonomia federativa, pois, transfere para a União toda a área da gigantesca reserva – 1,74 milhões de km², para uma população de cerca de 18.000 índios. Graças a essa ação, o STF sustou a ação programada pela Polícia Federal (PF) para expulsar os arrozeiros que, com os índios que os apóiam, pretendiam resistir. A decisão final é aguardada com muita ansiedade.[1]
Estamos convencidos que a atual política indigenista brasileira é, em grande parte, responsável pelos problemas amazônicos e precisa urgentemente ser mudada, após uma ampla discussão.
O General-de-Exército Augusto Heleno Ribeiro, Comandante Militar da Amazônia, disse recentemente num seminário realizado no Clube Militar:
“A política indigenista está dissociada da História brasileira e tem de ser revista urgentemente. Não sou contra os órgãos do setor, quero me associar para rever uma política que não deu certo, é só ir lá para ver que é lamentável, para não dizer caótica.[2]
Este breve artigo é minha contribuição para este inadiável debate.
A Atual Política
A essência da atual política indigenista brasileira é a criação de gigantesca reserva – justificada pelo “nomadismo” das tribos – onde os índios, em teoria pelo menos, seriam mantidos isolados, em “estado natural”, preservados de qualquer contacto com os não-índios, com o objetivo de não serem contaminados pelo mal do homem civilizado e preservação de sua cultura. A manutenção dos índios sob a tutela do Estado, o que os torna inimputáveis, é outra característica fundamental desta política.
Essa política é totalmente inadequada pelas razões que apontamos a seguir:
- Ela é injusta para com os índios.
Decorrente de uma visão idealista do “bom selvagem” de Jean-Jacques Rousseau – o índio no seu estado natural é um ser puro que, em contato com a civilização, se degradará –que, além de não corresponder á realidade, esconde um sentimento racista, já que pressupõe que o índio é incapaz, mesmo se tiver acesso à informação, de se tornar consciente a assumir as suas responsabilidades como ser humano – a tutela pelo Estado é claramente um corolário desse ponto de vista. A atual política está longe de apresentar os resultados que os seus idealizadores imaginaram.
Ninguém duvida que a preservação da cultura dos índios – língua, mitologia e determinados costumes – merece consideração. Aqui nos referimos apenas a “determinados costumes” porque, certamente, alguns dos costumes de muitas tribos brasileiras, não foram, nem deveriam ser, preservados. Refiro-me, em especial, ao canibalismo ou antropofagia, forte elemento cultural para muitas tribos, com grande significado simbólico.
Não julgo que o isolamento seja um fator indispensável para a preservação da cultura desses povos, nem que seja necessário para a manutenção dos índios no estado de virtude. No passado, a necessidade de derrotar os inimigos nas freqüentes guerras, obrigava as tribos a se manterem hígidas, permanentemente prontas para o combate. Com o fim das guerras entre as tribos – penso que este é outro importante elemento de cultura que terá de ser desestimulado – dificilmente os índios se manterão com alto grau de higidez; sem o estímulo da necessidade da vitória em combate; a caça e a pesca não serão substitutivo suficiente, sendo mais provável que a lassidão e a preguiça sobrevenham, o que contribuirá para os vícios que já aparecem na atualidade.
A visão idealista, importada no Brasil pelas esquerdas, é um produto estrangeiro e, em certos casos, é mal intencionada. É digno de registro a carta enviada em 1990, pelo presidente George H. Bush ao então presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello, exigindo, em nome desse idealismo, a demarcação da área dos índios Ianomâmis, que ocupam parte do território brasileiro e parte do território venezuelano. Em conseqüência, em 1991, a despeito das opiniões contrárias do Conselho de Segurança Nacional (CSN), dos Ministros Militares e dos governos da região amazônica, Collor criou no estado de Roraima a reserva Ianomâmi – Portaria 580, de 15 de novembro de 1991, do então Ministro da Justiça, Jarbas Passarinho.
- A política atual é irrealista
Acreditar que em pleno século XXI é possível manter qualquer grupo social completamente isolado da civilização é uma utopia. Não há barreiras suficientemente fortes que impeçam a intensificação do contato entre os índios e os civilizados. O rádio, a televisão e até mesmo a internet já fazem parte da vida de inúmeras aldeias e nada pode deter este processo que é irreversível. A injustiça que este pretendido isolamento representa para os índios já foi objeto de nossas considerações no tópico anterior; aqui o objetivo é tão somente mostrar a sua inexequibilidade.
Os contatos entre os índios e os civilizados são cada vez mais freqüentes e necessários para a própria segurança dos índios, para a proteção de sua saúde e, até mesmo, garantia de sua sobrevivência. O papel que as forças armadas desenvolvem na Amazônia é digno de louvor, mormente porque sua atenção não é restrita apenas aos povos indígenas mas, de maneira bem mais ampla, à populações ribeirinhas e às populações isoladas em áreas remotas, onde o serviço público não chega. As ONGs e algumas instituições religiosas atuam ativamente na região, influenciando os índios num sentido que, muitas vezes, é totalmente contrário aos interesses nacionais; outras entidades também estão presentes, perseguindo interesses econômicos próprios, como é o caso dos grupos de madeireiros e de mineradores, que se aproveitam das carências dos índios para a extração de madeira ou de minério, em condições que pouco ou nada beneficiam as populações indígenas e são um elemento que estimula a corrupção das mesmas.
O fato é que esses contactos já são inevitáveis e não será a demarcação das reservas que irá impedi-los, nem a simples interrupção deles significará uma melhor condição para os índios, muito ao contrário. Deixar apenas para os órgãos oficiais, específicos para o trato com as tribos, essa imensa tarefa é, na prática, abandonar os índios à própria sorte: os recursos são ínfimos e o número de funcionários muito aquém do que será minimamente necessário. O que acontece na atualidade é a contratação de ONGs que, como veremos, vem piorar ainda a situação. Seria imprescindível uma verdadeira revolução no setor inspirada numa visão menos ideológica e mais adequada à realidade local.
- A atual política é totalmente ineficaz
Não é incomum encontrar nas reservas índios vítimas de embriaguês e das drogas e crescem os problemas de prostituição entre as jovens índias. A subnutrição é uma perversa realidade
A política indigenista, por falta de uma estrutura do Estado, está entregue a ONGs que, entretanto, não conseguem atender aos cerca de 740 mil índios existentes em todo o território nacional e têm se mostrado pouco confiáveis. Além da Funai, os ministérios da Educação, Saúde e Meio Ambiente são responsáveis pela ação governamental em relação aos índios e esta atuação se faz, quase que inteiramente, por meio das ONGs.
Na saúde, por exemplo, 51 ONGs cuidam dos indígenas mas, desde 2007, 26 delas foram trocadas por cometerem irregularidades (desvio de recursos públicos). A Fundação Nacional da Saúde (FUNASA) editou portaria tornando mais rígida a contratação de ONGs numa tentativa de coibir os evidentes abusos. No ano passado, o governo gastou R$ 179 milhões no programa de saúde indígena sendo que apenas a Editora da Universidade de Brasília recebeu R$ 12,8 milhões. Há evidências de que boa parte dos recursos foi gasta em jantares suntuosos em Brasília[3].
A Funai administra 488 reservas indígenas, com uma área total de 1,020 milhões de km², correspondentes a 12% do território brasileiro. Outras 201 áreas estão na fila para se tornarem reservas, o que elevará o total de áreas homologadas a 15% do território brasileiro.[4]
A própria Funai tem pessoal das ONGs nos seus cargos de direção, o que, evidentemente, torna a fiscalização completamente ineficaz.
As conseqüências são óbvias:
“Não é preciso viajar para aldeias perdidas no meio da Amazônia para constatar o descaso com a sobrevivência e dignidade dos povos indígenas. Nos arredores do prédio onde funciona a presidência da Funai, em Brasília, mulheres, crianças, jovens e velhos de etnias de todo o país se amontoam e perambulam em busca de alguma ajuda. A maioria está atrás de atendimento médico. Outros desistem de voltar às aldeias e passam dias entre os quartinhos alugados em pensões próximas à sede da Funai. Muitos se entregam ao alcoolismo. Os que não conseguem vaga nas pensões armam suas redes no saguão do prédio e por ali dormem e passam os dias. Alguns ficam como mendigos sob o pilotis do prédio”.[5]
O índio Teuê Camaiurá, do Parque Nacional do Xingu, comenta sobre a Funai:
“Quando a gente precisa, eles não atendem. Está havendo invasão de madereiros e garimpeiros em nossas terras, e eles nada fazem. Nada de semente para plantar, nada de ajuda para produzir. A gente pede e é sempre a mesma resposta: a Funai não tem dinheiro.”[6]
O antropólogo Márcio Pereira Gomes, ex-presidente da Funai – três anos e sete meses no governo atual – declara:
“As OGNs indigenistas fazem um péssimo papel. Estão fazendo a Funai perder espaço e força, além de perder orçamento e capacidade de diálogo com os índios. As OGNs, desde o governo Collor, tomaram conta do Estado. E não têm qualquer compromisso com a causa. Deveriam sair da área.”[7]
Apesar dele não ver erro na política em si, mas na sua aplicação – “R$ 700 milhões para a política indigenista estão nas mãos de outras áreas” e “em 86, eram cinco mil servidores para cuidar de 200 mil índios. Hoje, são dois mil funcionários para meio milhão de indígenas”[8] – nós acreditamos que, cada vez mais, a homologação de áreas imensas para os indígenas só aumentará as tensões entre eles e os fazendeiros, ampliando os conflitos por terras nas regiões do país onde as reservas têm sido e serão criadas. O que ocorre no Mato Grosso é típico. Existem hoje 12 áreas com processos administrativos para ampliação das de reservas. Além do processo em curso em Nova Nazaré, na parte leste do estado, fazendeiros e prefeitos de Campinópolis, Comodoro e Peixoto de Azevedo questionam o aumento das áreas protegidas. Caso esses aumentos sejam confirmados, é certo que as tensões crescerão. No caso de Campinópolis, por exemplo, apenas 18% da área original do município estaria fora da reserva.[9]
- A atual política é uma ameaça à segurança nacional
A aprovação pela Assembléia Geral da ONU, a 13 de setembro de 2007, da Declaração Universal dos Direitos Indígenas, conferindo proteção internacional para mais de 370 milhões de indígenas do mundo todo, consubstancia a ameaça. O instrumento foi aprovado por 143 países, havendo 11 abstenções e 4 votos contra – Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália. A Colômbia foi o único país ibero-americano que não votou a favor, optando pela abstenção; o Brasil, que por algum tempo foi opositor ferrenho da medida, chegando a liderar um grupo de oposição, votou – não consigo compreender porquê – a favor, quando, os demais países que têm problemas análogos aos do Brasil no que diz respeito a populações nativas votaram, compreensivelmente, contra.
Alguns pontos deste documento merecem destaque:
· os indígenas terão livres “estruturas políticas, econômicas e sociais, especialmente seus direitos a terras, territórios e recursos”;
· o Estado parte da Declaração reconhece “a necessidade da desmilitarização das terras e territórios dos povos indígenas”;
· os “indígenas têm o direito de determinar livremente suas relações com os Estados nos quais vivem ...”;
· os indígenas “têm o direito à autodeterminação, de acordo com a lei internacional”;
· os indígenas têm o direito coletivo e individual de indenização por “qualquer propaganda dirigida contra eles”;
· os indígenas têm o “direito coletivo e individual de possuir, controlar e usar as terras e território que têm ocupado tradicionalmente ou usado de outra maneira. Isso inclui o direito ao pleno reconhecimento de suas próprias leis”;
· os indígenas “têm direito à restituição, e na medida em que isto não seja possível, a uma justa ou eqüitativa compensação pelas terras e territórios que hajam sido confiscados, ocupados, usados ou sofrido danos, sem seu livre e informado consentimento”;
· do ponto de vista da segurança do Estado, “os índios têm o direito de não concordar e de vetar ‘as atividades militares’ e depósito ou armazenamento de materiais em suas terras”;
· os índios têm o direito “de ter seu caráter específico devidamente refletido no sistema legal e nas instituições políticas, socioeconômicas e culturais, incluindo, em particular, uma adequada consideração e reconhecimento das leis e costumes indígenas”.
Isto basta para mostrar que, aprovada a Declaração pelo Congresso Nacional, não será difícil uma moção na ONU, motivada por qualquer tribo indígena, estimulada por ONGs ou países, declarar a sua separação do seu país de origem e a constituição de um estado independente, que contará imediatamente com o apoio de inúmeros Estados e instituições internacionais. O fato é ainda mais grave quando, nos organismos internacionais, a denominação das tribos indígenas passa ser feita, cada vez com mais freqüência, usando termos – como “povos e nações”, independente do número de indígenas compreendidos nessas denominações e a área por eles ocupada.
A combinação dessa política indigenista criminosa com a nossa incontestável incapacidade de deter a destruição da floresta forma um conjunto explosivo que hoje, indubitavelmente, é a maior ameaça à segurança nacional.
A atual política externa brasileira, alicerçada em premissas ideológicas, não contribui para tranqüilizar os espíritos, principalmente quando se leva em consideração a atuação dos ditos “movimentos sociais” não só na área amazônica mas em todo o país, sem que os poderes públicos impeçam a prática de atos criminosos e até os estimulem por meio de generosas doações com recursos públicos. Em Rondônia, a Liga dos Camponeses Pobres (LCP) está utilizando táticas de guerrilha, conforme consta de relatório da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), sem que providências sejam tomadas pelo governo para coibir as ações terroristas da LCP.[10]
Não se pode deixar de considerar que, para agravar este quadro, já em si tão preocupante, o continente sul-americano, até pouco tempo atrás considerado uma zona livre de tensões e turbulências, graças em especial à tendência à unificação regional e ao aprofundamento da democracia, já não o é mais: o Mercosul, por exemplo, enfrenta uma crise sem precedentes, e alguns governos da região – sem dúvida a Venezuela, a Bolívia e o Equador – embora eleitos democraticamente, estão utilizando métodos gramscianos para sua perpetuação no poder. O assistencialismo populista é uma praga da qual não escapam nem Estados mais desenvolvidos politicamente como a Argentina e o Brasil.
Uma Nova Política
A esta equivocada política indigenista, contrapomos uma política cuja premissa fundamental é a integração dos índios à sociedade. Nada de segregá-los em enormes áreas e mantê-los sem contato com a civilização mas, pelo contrário, integrá-los à sociedade, como indivíduos totalmente responsáveis pelos seus atos e prontos para contribuírem para o bem comum, sem com isso renegarem a cultura que herdaram de seus antepassados.
A diferença entre esta proposta e a política em vigor é crucial. A atual política vê o indígena da mesma forma que vê o mico-leão dourado e a arara azul – espécies nativas ameaçadas de extinção e que devem ser preservadas – enquanto a nossa proposta considera que o índio é um ser humano integral, cujos direitos devem ser preservados, que merece desenvolver plenamente todas as suas potencialidades. Ela, ao contrário da política atual, não é racista.
Ao longo da história, sempre que uma cultura mais primitiva entrou em contato com uma cultura superior, esta absorveu aquela mesmo quando derrotada militarmente – os bárbaros que destruíram o império romano absorveram a cultura superior deste, embora preservando algumas características importantes da sua cultura que, nesses aspectos, foi preservada. Em geral, o que é importante preservar é a memória de uma cultura passada, o que é feito através do conhecimento dela; a cultura egípcia é assim “preservada” pelo conhecimento que as escavações e a interpretação dos textos antigos nos trazem dela.
Já que tratamos aqui de uma cultura que está ainda viva,consideramos de interesse que as diversas línguas sejam preservadas e a história dos hábitos e costumes das tribos estudadas.
A aplicação da nova política não pode ser uniforme em todo território nacional. Para cada região será necessário considerar as peculiaridades locais e o grau de aculturamento de cada tribo envolvida. Entretanto, alguns aspectos são comuns a todas as situações:
- o consentimento dos índios é fundamental
A obtenção desse consentimento deve ser conseguida por meio do convencimento das lideranças naturais ora existentes, o que, sem dúvida, tornará o processo moroso mas muito mais consistente.
- a presença do Estado, muito forte no início do processo, deve ser paulatinamente diminuída.
O objetivo final sendo a integração do índio à sociedade, a política deve assegurar que a auto gestão vá se impondo pouco a pouco. A preparação de novas lideranças, comprometidas com o projeto, com conhecimento da cultura das tribos, é requisito fundamental.
As ações do Estado devem ser de molde a estimular, por parte dos índios, a procura da auto-suficiência. As doações de terra, por exemplo, devem inicialmente ser feitas a título precário só sendo efetivada a posse definitiva quando a terra tiver alcançado a condição produtiva estabelecida pela tecnologia.
- a assistência técnica é indispensável para o processo
Isso vale tanto no caso da agricultura como em outras áreas em que haja possibilidade de emprego dos índios.
No caso da agricultura, não basta doar terras, sementes e mudas. Sem o apoio de uma assistência técnica, no início contínua e mais tarde intermitente, será impossível obter resultados. A participação da EMBRAPA no processo é fundamental.
- a assistência médico-hospitalar é primordial para apoio às populações indígenas
Cada grupo de ambulatórios deve ser coordenado por 1 hospital; deverá ser possível a transferência de pacientes, que exijam internação, dos ambulatórios para o hospital, usando meios de transporte adequados.
Os navios-hospitais da Marinha na região Amazônica devem ser integrados ao sistema.
- o saneamento básico é parte importante do processo (água tratada, esgoto, etc)
Sem isso, os gastos com assistência médico-hospitalar serão excessivos.
- o acesso ao ensino superior, quando este for o caso, deve ser assegurado sem o apelo às cotas
As cotas são, ou deveriam ser, deprimentes para quem é beneficiado por elas, e odiosas pelos que, com mais mérito, são prejudicados pelos cotistas. Fazem parte de um processo que tende a dividir a sociedade em termos de raça e cor.
Conclusão
Uma discussão envolvendo variados setores da sociedade poderá ampliar muito estas considerações. É indispensável que as atuais lideranças indígenas participem desse debate.
Esta imensa e meritória tarefa de integrar o índio à sociedade só terá êxito se governo e sociedade estiverem unidos numa causa que corresponde à redenção de nossos indígenas e um marco na perene luta para a manutenção da integridade de nosso território.
* O autor é Vice-Almirante
[1] O Estado de Raraima perderá, considerando-se a reserva Raposa Serra do Sol e a reserva Ianomâmi, cerca de ¾ do seu território. A reserva Ianomâmi que tem continuidade numa reserva na Venezuela, compreende uma área de 96.649 km² para uma “tribo fantasma” de cerca de 5.000 índios (há muita controvérsia sobre a existência de uma tribo Ianomâmi).
[2] “Cúpula militar critica governo”, O Globo, 17 de abril de 2008.
[3] “OGNs dominam política indigenista”, Maria Lima, Evandro Éboli e Chico de Gois, “O Globo”, 27 de abril de 2008.
[4] Ibidem.
[5] “Abandono à porta da Funai”, O Globo, 27 de abril de 2008.
[6] Maria Lima, et alii, op.cit.
[7] “Política está sendo conduzida de maneira caótica”, entrevista com Márcio Pereira Gomes, “O Globo”, 27 de abril de 2008
[8] Ibidem.
[9] “Na Amazônia, tribos sofrem com desmatamento”, Ronaldo Brasiliense e Anselmo Carvalho Pinto, “O Globo”, 27 de abril de 2008.
[10] “O Governo não está nem aí”, Jorge Serrão, Alerta Total, 21 de abril de 2008.
Introdução
O problema da Amazônia brasileira ocupa, cada vez mais, o imaginário de uma parcela considerável da sociedade. A preocupação com a região decorre de muitas circunstâncias: o crescente aumento do interesse internacional com o efeito estufa e conseqüente elevação da temperatura do planeta – de que as queimadas na floresta seriam a principal causa, pelo menos no que concerne à responsabilidade do Brasil; o número cada vez maior de Organizações-Não-Governamentais (ONGs) na região, a maioria de caráter internacional, e cujos propósitos não são sempre claros; as inúmeras demarcações de terras indígenas na Amazônia brasileira, algumas em áreas de fronteiras, de extensão maior do que a de muitos estados europeus, em áreas de abundantes recursos, onde vêm crescendo as dificuldades de acesso a não-índios e até mesmo ao poder público. A recente aprovação na Organização das Nações Unidas (ONU) da Declaração Universal dos Povos Indígenas, com o voto inacreditável dos representantes brasileiros naquela Organização, onde há referência não só à “posse da terra” mas também à “autodeterminação, de acordo com a lei internacional” e ao direito dos índios de “não concordar e de vetar ‘as atividades militares’ e depósitos ou armazenamentos de materiais em suas terras”, bem como o contencioso criado com a decisão governamental da demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, ao norte do Estado de Roraima, vieram trazer novos elementos de inquietação.
O contencioso com relação à reserva Raposa Serra do Sol resulta do fato que a demarcação contínua implicará na expulsão da área de fazendeiros produtores de arroz que estão na região desde a década de 80 do século passado, responsáveis pela produção de boa parte da riqueza do estado e da geração de empregos na área, inclusive para os índios. Uma parcela dos índios (ligados à Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima (SODIUR), apóia os fazendeiros, enquanto outra apóia a demarcação contínua, estes unidos no Conselho Indigenista de Roraima (CIR), ligado à Igreja Católica. O governador do Estado, José Anchieta, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a demarcação contínua, alegando que ela fere o princípio da autonomia federativa, pois, transfere para a União toda a área da gigantesca reserva – 1,74 milhões de km², para uma população de cerca de 18.000 índios. Graças a essa ação, o STF sustou a ação programada pela Polícia Federal (PF) para expulsar os arrozeiros que, com os índios que os apóiam, pretendiam resistir. A decisão final é aguardada com muita ansiedade.[1]
Estamos convencidos que a atual política indigenista brasileira é, em grande parte, responsável pelos problemas amazônicos e precisa urgentemente ser mudada, após uma ampla discussão.
O General-de-Exército Augusto Heleno Ribeiro, Comandante Militar da Amazônia, disse recentemente num seminário realizado no Clube Militar:
“A política indigenista está dissociada da História brasileira e tem de ser revista urgentemente. Não sou contra os órgãos do setor, quero me associar para rever uma política que não deu certo, é só ir lá para ver que é lamentável, para não dizer caótica.[2]
Este breve artigo é minha contribuição para este inadiável debate.
A Atual Política
A essência da atual política indigenista brasileira é a criação de gigantesca reserva – justificada pelo “nomadismo” das tribos – onde os índios, em teoria pelo menos, seriam mantidos isolados, em “estado natural”, preservados de qualquer contacto com os não-índios, com o objetivo de não serem contaminados pelo mal do homem civilizado e preservação de sua cultura. A manutenção dos índios sob a tutela do Estado, o que os torna inimputáveis, é outra característica fundamental desta política.
Essa política é totalmente inadequada pelas razões que apontamos a seguir:
- Ela é injusta para com os índios.
Decorrente de uma visão idealista do “bom selvagem” de Jean-Jacques Rousseau – o índio no seu estado natural é um ser puro que, em contato com a civilização, se degradará –que, além de não corresponder á realidade, esconde um sentimento racista, já que pressupõe que o índio é incapaz, mesmo se tiver acesso à informação, de se tornar consciente a assumir as suas responsabilidades como ser humano – a tutela pelo Estado é claramente um corolário desse ponto de vista. A atual política está longe de apresentar os resultados que os seus idealizadores imaginaram.
Ninguém duvida que a preservação da cultura dos índios – língua, mitologia e determinados costumes – merece consideração. Aqui nos referimos apenas a “determinados costumes” porque, certamente, alguns dos costumes de muitas tribos brasileiras, não foram, nem deveriam ser, preservados. Refiro-me, em especial, ao canibalismo ou antropofagia, forte elemento cultural para muitas tribos, com grande significado simbólico.
Não julgo que o isolamento seja um fator indispensável para a preservação da cultura desses povos, nem que seja necessário para a manutenção dos índios no estado de virtude. No passado, a necessidade de derrotar os inimigos nas freqüentes guerras, obrigava as tribos a se manterem hígidas, permanentemente prontas para o combate. Com o fim das guerras entre as tribos – penso que este é outro importante elemento de cultura que terá de ser desestimulado – dificilmente os índios se manterão com alto grau de higidez; sem o estímulo da necessidade da vitória em combate; a caça e a pesca não serão substitutivo suficiente, sendo mais provável que a lassidão e a preguiça sobrevenham, o que contribuirá para os vícios que já aparecem na atualidade.
A visão idealista, importada no Brasil pelas esquerdas, é um produto estrangeiro e, em certos casos, é mal intencionada. É digno de registro a carta enviada em 1990, pelo presidente George H. Bush ao então presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello, exigindo, em nome desse idealismo, a demarcação da área dos índios Ianomâmis, que ocupam parte do território brasileiro e parte do território venezuelano. Em conseqüência, em 1991, a despeito das opiniões contrárias do Conselho de Segurança Nacional (CSN), dos Ministros Militares e dos governos da região amazônica, Collor criou no estado de Roraima a reserva Ianomâmi – Portaria 580, de 15 de novembro de 1991, do então Ministro da Justiça, Jarbas Passarinho.
- A política atual é irrealista
Acreditar que em pleno século XXI é possível manter qualquer grupo social completamente isolado da civilização é uma utopia. Não há barreiras suficientemente fortes que impeçam a intensificação do contato entre os índios e os civilizados. O rádio, a televisão e até mesmo a internet já fazem parte da vida de inúmeras aldeias e nada pode deter este processo que é irreversível. A injustiça que este pretendido isolamento representa para os índios já foi objeto de nossas considerações no tópico anterior; aqui o objetivo é tão somente mostrar a sua inexequibilidade.
Os contatos entre os índios e os civilizados são cada vez mais freqüentes e necessários para a própria segurança dos índios, para a proteção de sua saúde e, até mesmo, garantia de sua sobrevivência. O papel que as forças armadas desenvolvem na Amazônia é digno de louvor, mormente porque sua atenção não é restrita apenas aos povos indígenas mas, de maneira bem mais ampla, à populações ribeirinhas e às populações isoladas em áreas remotas, onde o serviço público não chega. As ONGs e algumas instituições religiosas atuam ativamente na região, influenciando os índios num sentido que, muitas vezes, é totalmente contrário aos interesses nacionais; outras entidades também estão presentes, perseguindo interesses econômicos próprios, como é o caso dos grupos de madeireiros e de mineradores, que se aproveitam das carências dos índios para a extração de madeira ou de minério, em condições que pouco ou nada beneficiam as populações indígenas e são um elemento que estimula a corrupção das mesmas.
O fato é que esses contactos já são inevitáveis e não será a demarcação das reservas que irá impedi-los, nem a simples interrupção deles significará uma melhor condição para os índios, muito ao contrário. Deixar apenas para os órgãos oficiais, específicos para o trato com as tribos, essa imensa tarefa é, na prática, abandonar os índios à própria sorte: os recursos são ínfimos e o número de funcionários muito aquém do que será minimamente necessário. O que acontece na atualidade é a contratação de ONGs que, como veremos, vem piorar ainda a situação. Seria imprescindível uma verdadeira revolução no setor inspirada numa visão menos ideológica e mais adequada à realidade local.
- A atual política é totalmente ineficaz
Não é incomum encontrar nas reservas índios vítimas de embriaguês e das drogas e crescem os problemas de prostituição entre as jovens índias. A subnutrição é uma perversa realidade
A política indigenista, por falta de uma estrutura do Estado, está entregue a ONGs que, entretanto, não conseguem atender aos cerca de 740 mil índios existentes em todo o território nacional e têm se mostrado pouco confiáveis. Além da Funai, os ministérios da Educação, Saúde e Meio Ambiente são responsáveis pela ação governamental em relação aos índios e esta atuação se faz, quase que inteiramente, por meio das ONGs.
Na saúde, por exemplo, 51 ONGs cuidam dos indígenas mas, desde 2007, 26 delas foram trocadas por cometerem irregularidades (desvio de recursos públicos). A Fundação Nacional da Saúde (FUNASA) editou portaria tornando mais rígida a contratação de ONGs numa tentativa de coibir os evidentes abusos. No ano passado, o governo gastou R$ 179 milhões no programa de saúde indígena sendo que apenas a Editora da Universidade de Brasília recebeu R$ 12,8 milhões. Há evidências de que boa parte dos recursos foi gasta em jantares suntuosos em Brasília[3].
A Funai administra 488 reservas indígenas, com uma área total de 1,020 milhões de km², correspondentes a 12% do território brasileiro. Outras 201 áreas estão na fila para se tornarem reservas, o que elevará o total de áreas homologadas a 15% do território brasileiro.[4]
A própria Funai tem pessoal das ONGs nos seus cargos de direção, o que, evidentemente, torna a fiscalização completamente ineficaz.
As conseqüências são óbvias:
“Não é preciso viajar para aldeias perdidas no meio da Amazônia para constatar o descaso com a sobrevivência e dignidade dos povos indígenas. Nos arredores do prédio onde funciona a presidência da Funai, em Brasília, mulheres, crianças, jovens e velhos de etnias de todo o país se amontoam e perambulam em busca de alguma ajuda. A maioria está atrás de atendimento médico. Outros desistem de voltar às aldeias e passam dias entre os quartinhos alugados em pensões próximas à sede da Funai. Muitos se entregam ao alcoolismo. Os que não conseguem vaga nas pensões armam suas redes no saguão do prédio e por ali dormem e passam os dias. Alguns ficam como mendigos sob o pilotis do prédio”.[5]
O índio Teuê Camaiurá, do Parque Nacional do Xingu, comenta sobre a Funai:
“Quando a gente precisa, eles não atendem. Está havendo invasão de madereiros e garimpeiros em nossas terras, e eles nada fazem. Nada de semente para plantar, nada de ajuda para produzir. A gente pede e é sempre a mesma resposta: a Funai não tem dinheiro.”[6]
O antropólogo Márcio Pereira Gomes, ex-presidente da Funai – três anos e sete meses no governo atual – declara:
“As OGNs indigenistas fazem um péssimo papel. Estão fazendo a Funai perder espaço e força, além de perder orçamento e capacidade de diálogo com os índios. As OGNs, desde o governo Collor, tomaram conta do Estado. E não têm qualquer compromisso com a causa. Deveriam sair da área.”[7]
Apesar dele não ver erro na política em si, mas na sua aplicação – “R$ 700 milhões para a política indigenista estão nas mãos de outras áreas” e “em 86, eram cinco mil servidores para cuidar de 200 mil índios. Hoje, são dois mil funcionários para meio milhão de indígenas”[8] – nós acreditamos que, cada vez mais, a homologação de áreas imensas para os indígenas só aumentará as tensões entre eles e os fazendeiros, ampliando os conflitos por terras nas regiões do país onde as reservas têm sido e serão criadas. O que ocorre no Mato Grosso é típico. Existem hoje 12 áreas com processos administrativos para ampliação das de reservas. Além do processo em curso em Nova Nazaré, na parte leste do estado, fazendeiros e prefeitos de Campinópolis, Comodoro e Peixoto de Azevedo questionam o aumento das áreas protegidas. Caso esses aumentos sejam confirmados, é certo que as tensões crescerão. No caso de Campinópolis, por exemplo, apenas 18% da área original do município estaria fora da reserva.[9]
- A atual política é uma ameaça à segurança nacional
A aprovação pela Assembléia Geral da ONU, a 13 de setembro de 2007, da Declaração Universal dos Direitos Indígenas, conferindo proteção internacional para mais de 370 milhões de indígenas do mundo todo, consubstancia a ameaça. O instrumento foi aprovado por 143 países, havendo 11 abstenções e 4 votos contra – Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália. A Colômbia foi o único país ibero-americano que não votou a favor, optando pela abstenção; o Brasil, que por algum tempo foi opositor ferrenho da medida, chegando a liderar um grupo de oposição, votou – não consigo compreender porquê – a favor, quando, os demais países que têm problemas análogos aos do Brasil no que diz respeito a populações nativas votaram, compreensivelmente, contra.
Alguns pontos deste documento merecem destaque:
· os indígenas terão livres “estruturas políticas, econômicas e sociais, especialmente seus direitos a terras, territórios e recursos”;
· o Estado parte da Declaração reconhece “a necessidade da desmilitarização das terras e territórios dos povos indígenas”;
· os “indígenas têm o direito de determinar livremente suas relações com os Estados nos quais vivem ...”;
· os indígenas “têm o direito à autodeterminação, de acordo com a lei internacional”;
· os indígenas têm o direito coletivo e individual de indenização por “qualquer propaganda dirigida contra eles”;
· os indígenas têm o “direito coletivo e individual de possuir, controlar e usar as terras e território que têm ocupado tradicionalmente ou usado de outra maneira. Isso inclui o direito ao pleno reconhecimento de suas próprias leis”;
· os indígenas “têm direito à restituição, e na medida em que isto não seja possível, a uma justa ou eqüitativa compensação pelas terras e territórios que hajam sido confiscados, ocupados, usados ou sofrido danos, sem seu livre e informado consentimento”;
· do ponto de vista da segurança do Estado, “os índios têm o direito de não concordar e de vetar ‘as atividades militares’ e depósito ou armazenamento de materiais em suas terras”;
· os índios têm o direito “de ter seu caráter específico devidamente refletido no sistema legal e nas instituições políticas, socioeconômicas e culturais, incluindo, em particular, uma adequada consideração e reconhecimento das leis e costumes indígenas”.
Isto basta para mostrar que, aprovada a Declaração pelo Congresso Nacional, não será difícil uma moção na ONU, motivada por qualquer tribo indígena, estimulada por ONGs ou países, declarar a sua separação do seu país de origem e a constituição de um estado independente, que contará imediatamente com o apoio de inúmeros Estados e instituições internacionais. O fato é ainda mais grave quando, nos organismos internacionais, a denominação das tribos indígenas passa ser feita, cada vez com mais freqüência, usando termos – como “povos e nações”, independente do número de indígenas compreendidos nessas denominações e a área por eles ocupada.
A combinação dessa política indigenista criminosa com a nossa incontestável incapacidade de deter a destruição da floresta forma um conjunto explosivo que hoje, indubitavelmente, é a maior ameaça à segurança nacional.
A atual política externa brasileira, alicerçada em premissas ideológicas, não contribui para tranqüilizar os espíritos, principalmente quando se leva em consideração a atuação dos ditos “movimentos sociais” não só na área amazônica mas em todo o país, sem que os poderes públicos impeçam a prática de atos criminosos e até os estimulem por meio de generosas doações com recursos públicos. Em Rondônia, a Liga dos Camponeses Pobres (LCP) está utilizando táticas de guerrilha, conforme consta de relatório da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), sem que providências sejam tomadas pelo governo para coibir as ações terroristas da LCP.[10]
Não se pode deixar de considerar que, para agravar este quadro, já em si tão preocupante, o continente sul-americano, até pouco tempo atrás considerado uma zona livre de tensões e turbulências, graças em especial à tendência à unificação regional e ao aprofundamento da democracia, já não o é mais: o Mercosul, por exemplo, enfrenta uma crise sem precedentes, e alguns governos da região – sem dúvida a Venezuela, a Bolívia e o Equador – embora eleitos democraticamente, estão utilizando métodos gramscianos para sua perpetuação no poder. O assistencialismo populista é uma praga da qual não escapam nem Estados mais desenvolvidos politicamente como a Argentina e o Brasil.
Uma Nova Política
A esta equivocada política indigenista, contrapomos uma política cuja premissa fundamental é a integração dos índios à sociedade. Nada de segregá-los em enormes áreas e mantê-los sem contato com a civilização mas, pelo contrário, integrá-los à sociedade, como indivíduos totalmente responsáveis pelos seus atos e prontos para contribuírem para o bem comum, sem com isso renegarem a cultura que herdaram de seus antepassados.
A diferença entre esta proposta e a política em vigor é crucial. A atual política vê o indígena da mesma forma que vê o mico-leão dourado e a arara azul – espécies nativas ameaçadas de extinção e que devem ser preservadas – enquanto a nossa proposta considera que o índio é um ser humano integral, cujos direitos devem ser preservados, que merece desenvolver plenamente todas as suas potencialidades. Ela, ao contrário da política atual, não é racista.
Ao longo da história, sempre que uma cultura mais primitiva entrou em contato com uma cultura superior, esta absorveu aquela mesmo quando derrotada militarmente – os bárbaros que destruíram o império romano absorveram a cultura superior deste, embora preservando algumas características importantes da sua cultura que, nesses aspectos, foi preservada. Em geral, o que é importante preservar é a memória de uma cultura passada, o que é feito através do conhecimento dela; a cultura egípcia é assim “preservada” pelo conhecimento que as escavações e a interpretação dos textos antigos nos trazem dela.
Já que tratamos aqui de uma cultura que está ainda viva,consideramos de interesse que as diversas línguas sejam preservadas e a história dos hábitos e costumes das tribos estudadas.
A aplicação da nova política não pode ser uniforme em todo território nacional. Para cada região será necessário considerar as peculiaridades locais e o grau de aculturamento de cada tribo envolvida. Entretanto, alguns aspectos são comuns a todas as situações:
- o consentimento dos índios é fundamental
A obtenção desse consentimento deve ser conseguida por meio do convencimento das lideranças naturais ora existentes, o que, sem dúvida, tornará o processo moroso mas muito mais consistente.
- a presença do Estado, muito forte no início do processo, deve ser paulatinamente diminuída.
O objetivo final sendo a integração do índio à sociedade, a política deve assegurar que a auto gestão vá se impondo pouco a pouco. A preparação de novas lideranças, comprometidas com o projeto, com conhecimento da cultura das tribos, é requisito fundamental.
As ações do Estado devem ser de molde a estimular, por parte dos índios, a procura da auto-suficiência. As doações de terra, por exemplo, devem inicialmente ser feitas a título precário só sendo efetivada a posse definitiva quando a terra tiver alcançado a condição produtiva estabelecida pela tecnologia.
- a assistência técnica é indispensável para o processo
Isso vale tanto no caso da agricultura como em outras áreas em que haja possibilidade de emprego dos índios.
No caso da agricultura, não basta doar terras, sementes e mudas. Sem o apoio de uma assistência técnica, no início contínua e mais tarde intermitente, será impossível obter resultados. A participação da EMBRAPA no processo é fundamental.
- a assistência médico-hospitalar é primordial para apoio às populações indígenas
Cada grupo de ambulatórios deve ser coordenado por 1 hospital; deverá ser possível a transferência de pacientes, que exijam internação, dos ambulatórios para o hospital, usando meios de transporte adequados.
Os navios-hospitais da Marinha na região Amazônica devem ser integrados ao sistema.
- o saneamento básico é parte importante do processo (água tratada, esgoto, etc)
Sem isso, os gastos com assistência médico-hospitalar serão excessivos.
- o acesso ao ensino superior, quando este for o caso, deve ser assegurado sem o apelo às cotas
As cotas são, ou deveriam ser, deprimentes para quem é beneficiado por elas, e odiosas pelos que, com mais mérito, são prejudicados pelos cotistas. Fazem parte de um processo que tende a dividir a sociedade em termos de raça e cor.
Conclusão
Uma discussão envolvendo variados setores da sociedade poderá ampliar muito estas considerações. É indispensável que as atuais lideranças indígenas participem desse debate.
Esta imensa e meritória tarefa de integrar o índio à sociedade só terá êxito se governo e sociedade estiverem unidos numa causa que corresponde à redenção de nossos indígenas e um marco na perene luta para a manutenção da integridade de nosso território.
* O autor é Vice-Almirante
[1] O Estado de Raraima perderá, considerando-se a reserva Raposa Serra do Sol e a reserva Ianomâmi, cerca de ¾ do seu território. A reserva Ianomâmi que tem continuidade numa reserva na Venezuela, compreende uma área de 96.649 km² para uma “tribo fantasma” de cerca de 5.000 índios (há muita controvérsia sobre a existência de uma tribo Ianomâmi).
[2] “Cúpula militar critica governo”, O Globo, 17 de abril de 2008.
[3] “OGNs dominam política indigenista”, Maria Lima, Evandro Éboli e Chico de Gois, “O Globo”, 27 de abril de 2008.
[4] Ibidem.
[5] “Abandono à porta da Funai”, O Globo, 27 de abril de 2008.
[6] Maria Lima, et alii, op.cit.
[7] “Política está sendo conduzida de maneira caótica”, entrevista com Márcio Pereira Gomes, “O Globo”, 27 de abril de 2008
[8] Ibidem.
[9] “Na Amazônia, tribos sofrem com desmatamento”, Ronaldo Brasiliense e Anselmo Carvalho Pinto, “O Globo”, 27 de abril de 2008.
[10] “O Governo não está nem aí”, Jorge Serrão, Alerta Total, 21 de abril de 2008.
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