* Carlos de Meira Mattos
Cresce na Europa Ocidental e nos Estados Unidos a polemica sobre o tema "bens públicos mundiais" ou "patrimônio público mundial" ou ainda "patrimônio da humanidade". Entendem centenas de organizações voltadas para as questões ambientais, sociedades cientificas e ONGs que a humanidade futura corre o perigo de sobrevivência, se não houver um controle dos recursos naturais do planeta, particularmente florestas tropicais úmidas e água. Em face da ameaça que antevêem pela devastação da floresta tropical, insistem junto à ONU e a outras instituições internacionais no sentido da criação de uma autoridade supranacional que assuma a responsabilidade pela preservação desse bem comum... A tese não é novidade para nós; já em 1945 a Unesco aprovou, com a concordância dos representantes brasileiros, o projeto da Hiléia Amazônica, que previa a criação de uma autoridade internacional com poderes para administrar a região, poderes estes considerados lesivos à soberania brasileira (parecer do Estado Maior das Forças Armadas) e finalmente rejeitado pelo Congresso. Atualmente, a discussão sobre esta questão da internacionalização da floresta tropical úmida, sob a alegação de constituir "patrimônio da humanidade", envolve uma grande rede de instituições científicas e centenas de ONGs do Primeiro Mundo. Sobre a extensão, a variedade e complexidade das questões discutidas no âmbito desta rede, faz-nos um retrato a cientista francesa Marie Claude Smouts, no seu livro recente Forêts Tropicales, amplamente comentado no último número especial da revista Sciences Humaines. Diz a cientista francesa: "O espaço internacional de discussão sobre a floresta tropical densa situa-se no âmbito de um sistema transnacional de atores, muito maior do que aqueles das organizações internacionais. É composto por uma multidão de especialistas individuais, centros de pesquisas, funcionários internacionais, administradores públicos e empresariais, associações profissionais e inúmeras ONGs". Essa dimensão transnacional da rede de instituições científicas e sociedades particulares que pretende criar um consciência mundial sobre a necessidade de que regiões consideradas "patrimônio da humanidade" sejam internacionalizadas não pode deixar de preocupar os brasileiros. Não podemos ignorar a tempestade que está se armando sobre a plenitude de nossa soberania na Amazônia, suas nuvens escuras já são visíveis - basta se perguntar às nossas autoridades responsáveis sediadas ali para se ouvir a informação de que os inúmeros contratos e convênios firmados com agências internacionais, versando sobre preservação da natureza, defesa do meio-ambiente, problemas dos indígenas etc. trazem no seu conteúdo uma limitação ao pleno exercício da soberania. Já existe, sub-reptícia, uma infiltração internacionalizante. A questão, para nós brasileiros, que temos grande parte de nosso território coberto pela floresta tropical úmida, obriga-nos a estar preparados para resistir, nos próximos anos, à crescente onde de pressões de ingerência internacional nos problemas amazônicos. Nesta fase de insinuações e pressões internacionalizantes nossa primeira trincheira há de ser uma diplomacia alerta, ativa e competente, digna do Barão do Rio Branco, capaz de defender corajosamente no exterior o interesse nacional. A lição que herdamos do nosso grande chanceler é a de que a voz da diplomacia é melhor ouvida quando conta com o apoio de uma estrutura militar eficiente, capaz de, na hipótese de uma agressão armada, vender caro a defesa do país; para tal, é mister fortalecer, modernizar e assegurar autonomia logística (à base da indústria nacional) à nossa força militar de dissuasão estratégica sediada na área amazônica. Ao mesmo tempo, nossas autoridades não podem fazer vista grossa à devastação indiscriminada da floresta tropical. Os projetos de progresso social e econômico da Amazônia, necessários, deverão sempre se enquadrar no confeito de desenvolvimento sustentável. O descuido das autoridades quanto à preservação da floresta será um fator de agravamento das pressões internacionais. Por fim, ao governo brasileiro, como um todo coeso, cumpre o dever inalienável de repelir com firmeza, qualquer sugestão ou projeto que, sob qualquer pretexto, humanitário, ambiental ou econômico, possa vir a ferir a soberania nacional da Amazônia. Devemos deixar clara a nossa disposição resoluta de defender a integridade de nosso patrimônio histórico-geográfico.
*General-de-Divisão Ref; doutor em Ciência Política, veterano da 2ª Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra
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