terça-feira, 29 de julho de 2008

Índios vêem ameaça em mobilização do Exército

RAYMOND COLITT - REUTERS
BRASÍLIA - O decreto que prevê o envio de tropas para reservas indígenas está causando preocupação entre líderes indígenas e grupos de direitos humanos, para quem a medida viola as leis e a autonomia dos povos nativos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto na semana passada, em resposta a criticas de militares e políticos sobre a suposta infiltração de guerrilheiros, traficantes e outros nas reservas, que representam 12 por cento do território nacional.
"Lula pode ser bem intencionado, mas os militares não ligam para nós", disse Saturnino Xavante, secretário da ONG Coiab. "Todos esses anos mantivemos os intrusos para fora, e agora somos um risco à segurança nacional?"
De acordo com ele, os indígenas temem que o Exército ocupe parte de suas terras, influencie suas culturas e estupre suas mulheres. Em 2007, conflitos fundiários provocaram a morte de 92 índios.
Latifundiários, madeireiras e mineradoras dizem que os índios são um entrave ao progresso.
Márcio Meira, presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), disse à Reuters na sexta-feira que é favorável ao envio de tropas.
"Eu concordo", disse Meira, acrescentando que o Exército costuma ajudar os índios em questões de saúde e transporte.
"Há a necessidade de maior presença do Estado no território para garantir a ordem jurídica e constitucional, não só na Amazônia, mas em todo o território nacional. Senão, não temos como garantir a resolução desses conflitos na base legal", afirmou Meira num restaurante de Brasília decorado como oca.
O presidente da Funai acrescentou que a sociedade brasileira tem obrigação legal e moral de honrar os direitos indígenas. "Precisamos fazer valer o pacto que foi estabelecido com os povos indígenas na Constituição de 1988. É uma questão ética, uma dívida histórica", disse ele.
Críticos do decreto afirmam que a presença militar nas áreas indígenas é ilegal. "A Constituição diz que só índios podem ocupar terras indígenas, a não ser que o Congresso aprove uma legislação especial -- o que não fez", disse Cláudio Luiz Beirão, consultor jurídico do Conselho Indigenista Missionário, da Igreja Católica (Cimi).
De acordo com ele, há um histórico de problemas com os militares nas terras indígenas, o que inclui manobras repentinas, estupros e conflitos culturais. "Se o Exército não é capaz de operar no Rio de Janeiro, imagine o que vai fazer numa reserva indígena", disse ele, referindo-se à suspeita de que militares entregaram três jovens a traficantes de um morro rival em julho.
O governo Lula criou várias novas reservas, mas especialistas dizem que falta apoio aos índios em termos de saúde, combate a drogas e proteção contra invasões.
O Supremo Tribunal Federal vai decidir em agosto sobre a anulação da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, criada pelo governo em 2005. Em maio, a polícia tentou sem sucesso retirar produtores rurais que reivindicam parte daquelas terras. Dez índios ficaram feridos, e a polícia prendeu o líder ruralista e prefeito do município de Pacaraima, Paulo César Quartiero.
Segundo o presidente da Funai, uma sentença do STF contrária à reserva colocaria em dúvida os direitos constitucionais dos indígenas à terra. "Seria a maior ofensa antiindígena desde a Constituição de 1988", afirmou.
"Os índios são derrotados historicamente. Não podemos infringir uma segunda derrota a eles, que é o caso da Raposa Serra do Sol. Eles têm direito dos derrotados", disse Meira.

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