É isso que está por trás do projeto brasileiro de ampliar a extensão de nossas águas territoriais
Isabel Clemente
Isabel Clemente
Desde o anúncio, no fim de 2007, da existência de uma megarreserva de petróleo sob a grossa camada rochosa de sal que até então impedia buscas mais ousadas no fundo do mar, a Petrobras vem batendo sucessivos recordes de prospecção em profundidade. Sondas a serviço da estatal já alcançam mais de 7.000 metros abaixo da superfície do mar. Elas venceram 2 quilômetros de montanhas submarinas de sal para chegar a jazidas com petróleo de ótima qualidade. Ninguém mais parece se surpreender com isso. Mas algo tem passado quase despercebido: esses achados estão cada vez mais distantes da costa brasileira. O mais recente, anunciado em junho, está a 310 quilômetros do litoral de São Paulo. Um lugar assim só pode ser alcançado por petroleiros depois de 24 horas de navegação, se o mar ajudar.
Esse recorde criou uma situação inusitada. O poço mais longínquo está a apenas 60 quilômetros da fronteira que delimita o campo de atuação brasileira para fins exploratórios no mar. Essa área é chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Fora dos limites da ZEE, está o alto-mar, cujas riquezas não podem ser reivindicadas por nenhum país, de acordo com a Convenção dos Direitos do Mar das Nações Unidas. É patrimônio da humanidade. A proximidade das últimas descobertas daquilo que também poderia ser chamado de limbo preocupa a cúpula da Petrobras, o governo e desperta a curiosidade dos especialistas. Todas as pesquisas sobre o potencial das novas reservas – na região do subsolo marinho que se estende do litoral norte do Espírito Santo à costa de Santa Catarina – sugerem boas perspectivas de que elas alcancem trechos a 380 quilômetros de São Paulo, por enquanto. Surpresas são uma constante na indústria do petróleo.
Como o limite da área onde o Brasil pode explorar petróleo está a 370 quilômetros do litoral, é provável que um pedaço dessa riqueza se estenda além de nossas águas oceânicas, onde a Agência Nacional de Petróleo (ANP) está impedida, por acordos internacionais, de licitar áreas para explorar petróleo e gás natural. Oficialmente, a Petrobras não se pronuncia sobre a possibilidade de mais jazidas de petróleo além de nossas fronteiras marítimas, mas isso é dado como certo pelos especialistas, segundo confirmou a ÉPOCA um alto executivo de uma grande empresa de pesquisas sísmicas, que antecedem as perfurações de poços e balizam os projetos empresariais.
Todo esse quadro tornou estratégica e urgente para o governo brasileiro a extensão de nossa Zona Econômica Exclusiva, negociada com a ONU desde 2004, no ritmo lento das conversações diplomáticas. A proposta entregue às Nações Unidas pretende anexar 950.000 quilômetros quadrados de mar ao Brasil. Ciente das possibilidades escondidas no fundo do oceano, o comandante da Marinha, Júlio Soares de Moura Neto, afirma que o país “não pode perder 1 centímetro desse mar”. Para conseguir a extensão, o Brasil precisa provar aos peritos da Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas, a instância da ONU apta a reconhecer a soberania dos países sobre o mar, que toda a área reclamada é uma extensão marinha do território brasileiro. Trata-se de um trabalho científico que envolve complexas definições sobre onde começa e onde termina o subsolo brasileiro no oceano.
As possibilidades de incorporar a região hoje fora de nossa jurisdição às águas territoriais do Brasil são consideradas promissoras pela diplomacia brasileira, mas o jogo ainda não está ganho. A proposta encaminhada à ONU foi parcialmente rejeitada por questões técnicas. Dos 950.000 quilômetros quadrados reivindicados, a incorporação de 700.000 quilômetros quadrados, incluindo uma área próxima ao litoral de São Paulo, já conta com a aprovação da ONU. “Vamos adquirir novos dados e reprocessar os já adquiridos para refazer a proposta e insistir no nosso ponto de vista”, diz o contra-almirante Francisco Carlos Ortiz, secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. A negociação, porém, pode se arrastar e demorar mais que a corrida tecnológica que viabilizou a chegada das sondas a reservatórios tão remotos. Desde o início dos estudos até o vaivém de documentos para a ONU, se passaram 21 anos. O primeiro poço a vencer a camada de sal foi feito em 2005 e demorou um ano. Custou US$ 240 milhões. Hoje, os poços são perfurados em dois meses e custam até um quarto do valor inicial.
O avanço das pesquisas e da produção de petróleo em águas profundas e a aceleração das negociações para ampliar as águas territoriais brasileiras coincidem com uma intensa movimentação militar. Em junho, o governo dos Estados Unidos anunciou a reativação da Quarta Frota – seção de sua Marinha encarregada de controlar Caribe e Atlântico Sul, inoperante desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Porta-vozes militares americanos dizem que a Quarta Frota tem por estratégia missões de paz, voltadas principalmente ao combate do narcotráfico. No Ministério da Defesa, em Brasília, a medida do governo dos EUA foi recebida com desconfiança e é usada como argumento para acelerar o projeto de construção do submarino nuclear brasileiro, cujo objetivo seria proteger as instalações de petróleo e monitorar uma eventual espionagem em alto-mar.
A construção do submarino nuclear foi, mais de uma vez, tema de conversas entre o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o presidente Lula. Lula pediu explicações à Casa Branca sobre a reativação da Quarta Frota.“Descobrimos petróleo em toda a costa marítima brasileira, a 300 quilômetros da nossa costa. E nós, obviamente, queremos que os Estados Unidos nos expliquem qual é a lógica dessa Quarta Frota”, disse Lula. Ao longo do século XX, o controle de territórios ricos em petróleo foi motivo de manobras diplomáticas e guerras que redesenharam o mapa do mundo. A História ensina que essa preocupação do governo brasileiro é sensata. Foi para garantir o acesso a uma rica fatia dos poços do Oriente Médio que o antigo Império Britânico criou o Iraque e o Kuwait e sustentou a unificação da Arábia Saudita. As guerras do Golfo, no final do século passado, foram motivadas pelo controle da mais rica área de produção de petróleo. O Brasil está distante desse cenário belicoso. Mas é ingênuo acreditar que o país possa se tornar uma potência petrolífera sem ferir interesses.
Esse recorde criou uma situação inusitada. O poço mais longínquo está a apenas 60 quilômetros da fronteira que delimita o campo de atuação brasileira para fins exploratórios no mar. Essa área é chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Fora dos limites da ZEE, está o alto-mar, cujas riquezas não podem ser reivindicadas por nenhum país, de acordo com a Convenção dos Direitos do Mar das Nações Unidas. É patrimônio da humanidade. A proximidade das últimas descobertas daquilo que também poderia ser chamado de limbo preocupa a cúpula da Petrobras, o governo e desperta a curiosidade dos especialistas. Todas as pesquisas sobre o potencial das novas reservas – na região do subsolo marinho que se estende do litoral norte do Espírito Santo à costa de Santa Catarina – sugerem boas perspectivas de que elas alcancem trechos a 380 quilômetros de São Paulo, por enquanto. Surpresas são uma constante na indústria do petróleo.
Como o limite da área onde o Brasil pode explorar petróleo está a 370 quilômetros do litoral, é provável que um pedaço dessa riqueza se estenda além de nossas águas oceânicas, onde a Agência Nacional de Petróleo (ANP) está impedida, por acordos internacionais, de licitar áreas para explorar petróleo e gás natural. Oficialmente, a Petrobras não se pronuncia sobre a possibilidade de mais jazidas de petróleo além de nossas fronteiras marítimas, mas isso é dado como certo pelos especialistas, segundo confirmou a ÉPOCA um alto executivo de uma grande empresa de pesquisas sísmicas, que antecedem as perfurações de poços e balizam os projetos empresariais.
Todo esse quadro tornou estratégica e urgente para o governo brasileiro a extensão de nossa Zona Econômica Exclusiva, negociada com a ONU desde 2004, no ritmo lento das conversações diplomáticas. A proposta entregue às Nações Unidas pretende anexar 950.000 quilômetros quadrados de mar ao Brasil. Ciente das possibilidades escondidas no fundo do oceano, o comandante da Marinha, Júlio Soares de Moura Neto, afirma que o país “não pode perder 1 centímetro desse mar”. Para conseguir a extensão, o Brasil precisa provar aos peritos da Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas, a instância da ONU apta a reconhecer a soberania dos países sobre o mar, que toda a área reclamada é uma extensão marinha do território brasileiro. Trata-se de um trabalho científico que envolve complexas definições sobre onde começa e onde termina o subsolo brasileiro no oceano.
As possibilidades de incorporar a região hoje fora de nossa jurisdição às águas territoriais do Brasil são consideradas promissoras pela diplomacia brasileira, mas o jogo ainda não está ganho. A proposta encaminhada à ONU foi parcialmente rejeitada por questões técnicas. Dos 950.000 quilômetros quadrados reivindicados, a incorporação de 700.000 quilômetros quadrados, incluindo uma área próxima ao litoral de São Paulo, já conta com a aprovação da ONU. “Vamos adquirir novos dados e reprocessar os já adquiridos para refazer a proposta e insistir no nosso ponto de vista”, diz o contra-almirante Francisco Carlos Ortiz, secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. A negociação, porém, pode se arrastar e demorar mais que a corrida tecnológica que viabilizou a chegada das sondas a reservatórios tão remotos. Desde o início dos estudos até o vaivém de documentos para a ONU, se passaram 21 anos. O primeiro poço a vencer a camada de sal foi feito em 2005 e demorou um ano. Custou US$ 240 milhões. Hoje, os poços são perfurados em dois meses e custam até um quarto do valor inicial.
O avanço das pesquisas e da produção de petróleo em águas profundas e a aceleração das negociações para ampliar as águas territoriais brasileiras coincidem com uma intensa movimentação militar. Em junho, o governo dos Estados Unidos anunciou a reativação da Quarta Frota – seção de sua Marinha encarregada de controlar Caribe e Atlântico Sul, inoperante desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Porta-vozes militares americanos dizem que a Quarta Frota tem por estratégia missões de paz, voltadas principalmente ao combate do narcotráfico. No Ministério da Defesa, em Brasília, a medida do governo dos EUA foi recebida com desconfiança e é usada como argumento para acelerar o projeto de construção do submarino nuclear brasileiro, cujo objetivo seria proteger as instalações de petróleo e monitorar uma eventual espionagem em alto-mar.
A construção do submarino nuclear foi, mais de uma vez, tema de conversas entre o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o presidente Lula. Lula pediu explicações à Casa Branca sobre a reativação da Quarta Frota.“Descobrimos petróleo em toda a costa marítima brasileira, a 300 quilômetros da nossa costa. E nós, obviamente, queremos que os Estados Unidos nos expliquem qual é a lógica dessa Quarta Frota”, disse Lula. Ao longo do século XX, o controle de territórios ricos em petróleo foi motivo de manobras diplomáticas e guerras que redesenharam o mapa do mundo. A História ensina que essa preocupação do governo brasileiro é sensata. Foi para garantir o acesso a uma rica fatia dos poços do Oriente Médio que o antigo Império Britânico criou o Iraque e o Kuwait e sustentou a unificação da Arábia Saudita. As guerras do Golfo, no final do século passado, foram motivadas pelo controle da mais rica área de produção de petróleo. O Brasil está distante desse cenário belicoso. Mas é ingênuo acreditar que o país possa se tornar uma potência petrolífera sem ferir interesses.
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