quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Visão democrática

NOVA YORK. A mudança de estratégia da política externa do futuro governo americano, explicitada pelo próprio presidente eleito, Barack Obama - que pretende espalhar "ideais que brilham como farol para o mundo: democracia e justiça; oportunidade e uma inabalável esperança, valores americanos que são nossos melhores produtos de exportação" -, vai dar prioridade à ajuda para o desenvolvimento de países aliados que tenham instituições democráticas fragilizadas pela pobreza e são presas fáceis de grupos delinqüentes, sejam terroristas ou traficantes de drogas e armas.

Também nos países em que os Estados Unidos travam guerras, como o Iraque e o Afeganistão, as ações militares serão acompanhadas de ações sociais e institucionais, para criar um ambiente em que seja possível prosperar a democracia. O colunista do "New York Times" David Brooks revelou ontem que essa nova estratégia responde a um sentimento generalizado entre as tropas americanas naqueles dois países, cujas impressões do campo de batalha transformaram-se em documentos de ampla circulação nos meios militares.

A conclusão é que não adianta ter poder militar para aniquilar o inimigo se o país não tem estruturas sociais e institucionais que o façam prosseguir sozinho. Países frágeis e falidos se tornariam refúgios para todo tipo de atividade ilegal. O secretário de Defesa Robert Gates teria sido mantido no cargo por causa da sua adesão anterior a esses conceitos, que tiveram em Barack Obama a melhor acolhida.

A imposição da democracia pela força seria uma tentativa inócua, mas criar condições sociais e institucionais para que a democracia floresça nesses países ameaçados seria uma maneira inteligente de combater os adversários da democracia. Não se fala em espalhar a democracia pelo mundo, como na gestão Bush, mas em dar condições aos governos ameaçados de fortalecer suas instituições e criar um ambiente de responsabilidade no serviço público.

É previsível que diversas agências americanas estarão trabalhando em conjunto nessa nova fase da diplomacia americana e, ao contrário do que acontecia ultimamente por receio de infiltração de terroristas, o governo Obama deve estimular a ampliação de intercâmbios universitários através do mundo.

Com relação à Colômbia, onde o governo Bush investiu muitos milhões de dólares num programa de combate à produção de cocaína que não teve efeito direto na contenção da droga, mas está sendo exitoso na parte de segurança interna e no combate à guerrilha, é provável que a nova administração mude seu foco, passando a ações mais construtivas na parte institucional e reduzindo o aspecto militar do projeto. Mesmo porque o presidente eleito já levantou muitas dúvidas com relação à violação dos direitos humanos no combate ao terrorismo na Colômbia.

Essa estratégia de reforçar os aspectos institucionais no combate ao terror tem tudo a ver com a guerra ao tráfico de drogas em países como o Brasil, e às gangues que dominavam as favelas do Haiti. A atuação das tropas americanas no Haiti foi desastrosa, deixando muito mais ressentimentos no país do que resultados positivos pela violência e truculência da ação. O Brasil assumiu o comando da Força de Paz a pedido dos Estados Unidos, e utilizou a estratégia de passar a prestar serviços básicos à população, depois de dominar as partes de Porto Príncipe que estavam controladas por gangues, o que foi fundamental para o êxito da força internacional de paz.

A primeira região a ser controlada foi a de Bel-Air, no centro da cidade, onde está o palácio governamental; em seguida veio o controle de Cité Militaire, e depois a maior favela do país, Cité Soleil, onde vivem cerca de 300 mil pessoas. A ação do Exército brasileiro no Haiti é considerada inovadora no campo militar, o desenvolvimento de uma nova doutrina de emprego das forças militares, que poderia perfeitamente ser utilizada no combate às quadrilhas de drogas que ocupam os morros do Rio de Janeiro.

O anúncio do governo Sérgio Cabral de que o tráfico foi enxotado do Morro Dona Marta, em Botafogo, e que o governo do estado ocupará o local não apenas com soldados, mas com ações comunitárias, segue o mesmo objetivo, de combinar a ação militar com o fortalecimento das instituições do Estado, seja ele nacional ou local, para permitir que a sociedade receba os benefícios de um governo democrático, com acesso aos serviços públicos fundamentais, como saúde e educação.

Não foi à toa que o presidente eleito Barack Obama, ao apresentar sua equipe de segurança nacional, ressaltou que, para ser forte no exterior, os Estados Unidos têm que ser fortes internamente, reforçando seu sistema de educação e as oportunidades iguais a todos.

Em várias colunas ultimamente tenho me referido ao fato de que o presidente eleito Barack Obama tem colocado a Venezuela no rol de "países-bandidos" (rogue states) juntamente com o Irã e outros. Posso ter passado a impressão de que já houve uma decisão oficial do futuro governo de oficialmente assim classificar a Venezuela, o que implicaria sanções de várias ordens.

Não há nenhuma indicação, porém, de que o governo Barack Obama venha a adotar uma medida tão radical sem dar tempo para que o governo do protoditador Hugo Chávez recomponha sua relação com os Estados Unidos.

Mas quando o próprio Obama, em seu discurso de apresentação da equipe de segurança nacional, se refere a governo autoritários que estão se fortalecendo com a dependência de petróleo dos Estados Unidos, está claramente se referindo ao governo da Venezuela.

Dependerá de Chávez a mudança da retórica para a ação prática da nova administração, ainda mais agora que ele decidiu estreitar suas relações militares com a Rússia, que também foi alvo de um comentário de Obama, que disse que "novos poderes agressivos tensionam" o mundo.

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