Missão Amazônia
Comando de Fronteira Solimões
A presença do Exército Brasileiro no extremo ocidental da Amazônia
Na Amazônia toda Missão é Real
Kaiser Konrad
Enviado Especial a Tabatinga-AM
Na calha no Rio Javari, próximo à fronteira com o Peru, cerca de 150 quilômetros ao sul de Tabatinga-AM, uma flotilha de três embarcações táticas do Exército Brasileiro navegava vagarosamente. Era uma patrulha fluvial de rotina. Cada barco era tripulado por onze soldados que estavam armados com fuzis Pára-FAL 7,62. Na proa de cada barco, um operador de MAG vasculhava a área em frente enquanto seus colegas observavam o leito sinuoso do rio. Na margem oposta uma presença suspeita chamou a atenção dos militares. Um pequeno barco sem a bandeira do Brasil estava parado e sendo carregado. Homens armados usando trajes camuflados e civis estavam no local. Os motores de popa da flotilha foram desligados. O guerreiro de selva aprendeu com os animais que a abordagem deve ser silenciosa e sorrateira, e se for necessária, letal. A tensão aumentou e os barcos se separaram. Quinhentos metros antes do local dois deles chegaram à margem e em segundos todos os soldados desembarcaram, enquanto o outro ficava na retaguarda, pronto para ir ao encalço da embarcação suspeita caso ela tentasse fugir. A abordagem seria feita em dois flancos, por terra e água. Com os rostos pintados, os militares alcançaram o local sem serem percebidos. Era um laboratório de refino de cocaína operado por guerrilheiros e narcotraficantes. Como eles estavam fortemente armados, a possibilidade de resistência deveria ser evitada. A ação tinha que ser breve e letal. Era território brasileiro, e como acontece na natureza, quem entra sem ser convidado corre o risco de ser atacado.
Tabatinga é uma cidade com cerca de 40 mil habitantes e faz fronteira com a cidade colombiana de Letícia. É a porta de entrada de grande parte da cocaína que chega ao Brasil, e estima-se, que pelo menos um membro de cada família da cidade possui ligação direta com o narcotráfico. A presença da Polícia Federal é inexpressiva se comparada à da Polícia Nacional da Colômbia, que já na fronteira com o Brasil possui um Ponto-forte, onde policiais armados com submetralhadoras fazem a vigilância do local, enquanto no lado brasileiro não se vê um único policial controlando a entrada e saída de pessoas e cargas.
A presença militar na região remonta há 1776 quando os portugueses instalaram o Forte São Francisco Xavier de Tabatinga, por já entenderem a importância estratégica que tinha a entrada do rio Solimões. Em 1932 a fúria das águas destruiu a fortificação, que foi substituída por outra que em 1950 foi novamente levada pelas águas. Posteriormente o Exército Brasileiro se fez presente com o 1º Batalhão Especial de Fronteira, designado atualmente como 8° Batalhão de Infantaria de Selva – Comando de Fronteira Solimões.
O 8º BIS é comandado pelo Tenente-Coronel de Infantaria Antônio Elcio Franco Filho. Possui um efetivo de mil homens e está subordinado a 16º Brigada de Infantaria de Selva, localizada em Tefé. Sua área de responsabilidade é uma faixa de fronteira de 1632 km, onde estão instalados quatro Pelotões Especiais de Fronteira.
Ao norte, nas proximidades de La Pedrera, na Colômbia, está instalado na entrada do rio Japurá o 3º PEF - Vila Bittencourt. Logo abaixo, na embocadura do rio Içá está localizado o 2º PEF – Ipiranga. Na fronteira com o Peru, às margens do rio Javari estão o 1º PEF – Palmeiras do Javari e o 4º PEF – Estirão do Equador.
Na Amazônia toda missão é real. O 8º Batalhão de Infantaria de Selva realiza a vigilância da Faixa de Fronteira - onde possui poder de polícia -, patrulha fluvial utilizando lanchas especiais para operações ribeirinhas, patrulha a pé em ambiente de selva. Seus quatro PEFs cumprem as mesmas missões e enfrentam regularmente a biopirataria, garimpo ilegal, crimes ambientais, plantio e tráfico internacional de drogas, além de fazer um trabalho de inteligência procurando identificar as células das FARC que ainda se fazem presentes na região.
Acompanhe uma entrevista com o comandante do 8º BIS, Ten Cel Elcio:
DEFESA@NET - Quais são as peculiaridades das operações nesta região?
Ten Cel Elcio: Aproveitar o máximo da malha hidroviária da região. Aqui não raciocinamos com emprego de viaturas. Todo transporte deve ser feito através dos rios, ou aeromóveis, com o auxílio da Força Aérea Brasileira e do 4º Batalhão de Aviação do Exército. Por vias terrestres, a marcha em selva tem a velocidade de 1 km/h. É importante que nosso combatente esteja habilitado a realizar deslocamentos nadando, e a operar embarcações, motores de popa e barcos a remo. O clima quente e úmido da região é propício à infecção por fungos e bactérias, e ainda tem de enfrentar as doenças tropicais. É uma área endêmica de tuberculose, leishmaniose e malária. Por isso o militar deve estar com a saúde em muito bom estado. A rigidez do guerreiro de selva é fundamental para sua plena capacidade de operação neste singular teatro de operações.
DEFESA@NET - Que equipamentos de combate são utilizados pelo 8º BIS?
Ten Cel Elcio: O batalhão está dotado com o equipamento padrão do Exército Brasileiro, mas com as adequações necessárias à utilização no Teatro de Operações da Amazônia. Utilizamos o fuzil Pára-FAL 7,62 , FAP, metralhadoras MAG e Ponto 50. Estas últimas podem ser instaladas em reparos existentes em nossas embarcações, o que dará um poder de combate maior durante uma abordagem ou desembarque ribeirinho. Estamos equipados também com canhões anti-carro Carl Gustav.
DEFESA@NET - O Centro de Instrução de Guerra na Selva realizou um estudo sobre a utilização de Búfalos no combate de selva. Que facilidades o uso deste animal traz para vocês?
Ten Cel Elcio: O Búfalo é um animal extremamente rústico. Ele gosta da umidade e tem facilidade para atravessar rios, tendo capacidade de subir aclives carregando uma carga de munição e armamento de até 400 kg. Ele se alimenta de quaisquer folhas que encontrar na floresta e em combate fica tranqüilo e não se assusta como outros animais. O búfalo é o único meio de transporte que podemos usar em ambiente de selva.
DEFESA@NET - O poder de polícia em faixa de fronteira
Ten Cel Elcio: Nós temos poder de polícia em toda faixa de fronteira onde operamos em conjunto com os outros órgãos de segurança pública. Existem acordos de livre navegação com o Peru e a Colômbia. As embarcações desses países podem navegar em nossos rios como se estivessem em águas internacionais, porém, se sujeitando à legislação brasileira. Por isso a importância de fiscalizar todas as embarcações que passam pelos nossos pelotões de fronteira, a fim de coibir o narcotráfico, o contrabando de armas e os crimes ambientais.
DEFESA@NET - Houve confronto com narcotraficantes ou guerrilheiros na região?
Ten Cel Elcio: Não há indício da presença de guerrilheiros ou narcotraficantes nesta região. O último confronto que se tem notícia foi em 2002, ao norte do 3º Pelotão Especial de Fronteira, em Vila Bittencourt, na calha do rio Japurá, praticamente na área do 5º BIS. Houve confronto com a morte de guerrilheiros.
DEFESA@NET - Como é a relação com as tropas dos países vizinhos?
Ten Cel Elcio: Existe oficialmente no diálogo de mais alto-nível, reuniões regionais de intercâmbio militar que são conduzidas pela 16º Brigada de Infantaria de Selva. Estas reuniões são realizadas em separado com as brigadas dos exércitos do Peru e da Colômbia localizadas na faixa de fronteira. No dia-a-dia, nossa convivência é muito positiva. As nossas tropas possuem um efetivo espelho no outro lado de cada fronteira.
DEFESA@NET - Quais as necessidades do 8º BIS?
Ten Cel Elcio: No nosso caso necessitamos de lanchas mais velozes para assalto, o que melhoraria nosso poder ofensivo em operações ribeirinhas. Também existem estudos para nós adotarmos um fuzil com o calibre 5,56, o que facilitaria sua logística, embora vá diminuir o poder transfixante, do calibre 7,62, essencial no combate em área de selva.
O episódio do Rio Traíra
Kaiser Konrad
Em sua área de atuação, a unidade então chamada de 1º BEF, ficou conhecida nacionalmente durante o infame episódio do Rio Traíra, em 26 de fevereiro de 1991, quando um de seus destacamentos foi atacado por quarenta elementos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, matando três soldados brasileiros e ferindo outros nove.
A ação provocou uma reação imediata e sem precedentes por parte das Forças Armadas brasileiras, que empreenderam uma verdadeira caçada dentro do território colombiano e que só acabou quando todas as armas roubadas foram recapturadas e os guerrilheiros que participaram do ataque foram mortos.
A ação na selva atrás das linhas colombianas foi realizada por elementos das Forças Especiais, que inclusive, tinham planejado a explosão de um vilarejo onde os guerrilheiros moravam com suas famílias. Pouco antes de executar o plano, os militares brasileiros, que estavam descaracterizados, receberam de Brasília a ordem de abortar a missão.
O recado foi dado e desde então as FARC perceberam que não poderiam mais realizar este tipo de ação em território brasileiro sem pagar um preço alto. O próprio Exército da Colômbia foi avisado de que se não cuidasse deste que era problema interno seu, o Brasil violaria a fronteira quantas vezes mais fosse necessário para responder às agressões de forças irregulares estrangeiras dentro de seu território.
Nenhum comentário:
Postar um comentário