segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O caso Raposa Serra do Sol

Wadih Damous

PRESIDENTE DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL DO RIO DE JANEIRO

O Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento do caso Raposa Serra do Sol. A polêmica se refere à demarcação de reserva indígena situada no estado de Roraima, em área de 1,7 milhão de hectares onde vivem cerca de 20 mil índios.

A Funai, concluindo um processo que durou cerca de 40 anos, resolveu realizar a demarcação – homologada em 2005 pelo presidente Lula – de maneira contínua. Todas as comunidades indígenas situadas na região estão englobadas na reserva, ainda que entre elas haja áreas vazias ocupadas por não-índios.

O governo de Roraima, em conjunto com setores da economia local, sobretudo produtores de arroz, não quer a demarcação tal qual foi feita. Defende que seja realizada "em ilhas" e argumenta que a economia do estado sofrerá grande prejuízo caso não seja assim.

A questão que o Supremo Tribunal Federal é instado a apreciar envolve, portanto, definir se a demarcação deverá ser contínua ou "em ilhas". Para se informar sobre o tema, a Corte mandou ao estado de Roraima três de seus ministros, que sobrevoaram a imensa área por algumas horas e dialogaram com as pessoas que vivem no local.

O caso é exemplar da tendência atual de judicialização da política. As mais acirradas polêmicas da vida nacional têm chegado ao Judiciário e, não raro, só vão encontrar seu termo final no Supremo.

O que individualiza o caso Raposa Serra do Sol é revelar com clareza um dos pontos mais discutíveis desse processo de judicialização da política: a ausência das capacidades institucionais necessárias para que o Judiciário se pronuncie sobre temas que envolvem grande complexidade fática e cuja resolução demande especialização técnica.

É temerário pensar que o Supremo Tribunal Federal, além de julgar mais de 100 mil recursos extraordinários por ano, possa também apreciar, quanto ao mérito, uma decisão da Funai que demorou mais de 40 anos para ser tomada, o que foi feito a partir de relatórios técnicos produzidos pelos principais especialistas brasileiros na organização social das populações indígenas.

Mas o ministro Gilmar Mendes disse que espera retomar o julgamento sobre a Raposa Serra do Sol no fim de novembro ou início de dezembro. Os macuxis, os arrozeiros e todo o país aguardam ansiosos.

Nas áreas demarcadas se situa o Monte Roraima, que, para aqueles povos indígenas, possui importância equivalente à que a tradição judaico-cristã atribui à cidade de Jerusalém. Para eles, ali o mundo foi criado. Foi lá que nasceu Macunaíma, personagem criada por Mario de Andrade para simbolizar o brasileiro.

O que se espera da nossa mais alta Corte é que faça um uso preciso e moderado do grande poder que possui e seja sensível em relação a decisões administrativas proferidas por entes especialmente constituídos para tomá-las.

 

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