segunda-feira, 27 de outubro de 2008

À espera de parceria

Para analistas, Brasil poderá ter um novo papel para os EUA no governo pós-Bush

Eliane Oliveira

Quando, em um evento em São Paulo na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou pela primeira vez sua preferência por Barack Obama na Presidência dos Estados Unidos, ele estava retribuindo os últimos sinais emitidos pelo candidato e por integrantes de sua campanha: Obama estaria decidido a olhar mais para a América do Sul, fortalecendo as relações com o Brasil, parceiro estratégico na região. Oficialmente, porém, o governo brasileiro não apóia nenhum candidato. Mesmo porque no Palácio do Planalto existe a avaliação de que tanto Obama quanto o republicano John McCain aprenderam algumas lições com a crise financeira internacional. Uma delas é que não dá mais para tentar resolver problemas globais sem a participação das nações emergentes, como o Brasil.

Lula foi convidado pelo presidente americano, George W. Bush, a participar, no próximo dia 15, em Washington, de uma cúpula de chefes de Estado para discutir as turbulências e propor saídas a curto prazo.

 

Protecionismo deve aumentar

Para Stan Gacek, diretor-adjunto da maior central de trabalhadores dos EUA, a AFL-CIO, McCain representa a continuidade da política de Bush. Segundo ele, não adianta pensar em aspectos importantes, como a segurança, sem um engajamento mais profundo com toda a América Latina.

- Em termos de Brasil, não se fala apenas no diálogo positivo. Trata-se de um parceiro em todos os movimentos estratégicos, com ênfase na democracia e no desenvolvimento sustentável. O Brasil seria o parceiro perfeito para Obama - disse o sindicalista americano, que apóia o candidato democrata.

O ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia concorda com essa avaliação.

- O Brasil pode ter um novo papel para os EUA - comentou Lampreia.

Mas governo e especialistas não têm ilusão quanto ao recrudescimento do protecionismo americano nos próximos anos, devido à recessão que já começou naquele país. O destino da economia americana depende de uma solução para a maior crise financeira do mundo, que começou no mercado imobiliário dos Estados Unidos há cerca de um ano. Assim, a adoção de barreiras e as dificuldades nas negociações voltadas para a abertura comercial são tidas como certas, não importa quem vença o pleito, se Obama ou o republicano McCain.

  

Presença da Quarta Frota incomoda Lula

O fato é que o estreitamento das relações políticas - ou seja, mais densas do que simplesmente a parceria em biocombustíveis - poderia compensar o sentimento de frustração em alguns integrantes do governo frente ao governo George W. Bush. Embora o presidente dos EUA abusasse da diplomacia, haja vista os diversos encontros que manteve com Lula e os inúmeros telefonemas entre o chanceler Celso Amorim e a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, vários pontos de interesse do Brasil na agenda bilateral acabaram ficando de fora.

Uma atuação mais incisiva da Casa Branca no desenvolvimento dos países da região e um apoio firme à candidatura do Brasil a uma vaga permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas - objeto de desejo do presidente Lula - são alguns exemplos. Além disso, o presidente brasileiro ainda espera uma explicação mais transparente e detalhada a respeito da reativação da Quarta Frota no Atlântico Sul.

Lula já deixou claro que a Quarta Frota o incomoda. É tema espinhoso e a presença de militares americanos, na visão de alguns analistas, teria pelo menos duas interpretações que vão além do combate ao narcotráfico. Para o cientista político David Fleischer, isso em parte se deve às relações entre Rússia e Venezuela. Recentemente, a Marinha russa realizou exercícios no Caribe. Já o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Virgílio Arraes aponta o peso cada vez mais forte da China na África.

- É um aviso à China que o Atlântico Sul é uma área de influência dos EUA - afirmou Arraes.

Ex-embaixador do Brasil em Washington e atual presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Rubens Barbosa lembra que as empresas americanas estão mais interessadas na China, na Rússia e na reconstrução do Iraque.

- Não podemos nos esquecer que a América Latina não está no radar dos formuladores da política externa americana - afirmou.

- A América do Sul é uma região secundária. Para o Brasil, é indiferente quem ganhe a eleição - reforçou Virgílio Arraes.

Barbosa observou que os democratas, mais protecionistas do que os republicanos, vão aumentar sua participação no Congresso, o que impediria uma liberalização do comércio solicitada por Obama ou McCain. Sob esse aspecto, Barbosa se disse cético em relação à conclusão da Rodada de Doha, na Organização Mundial do Comércio (OMC).

O diplomata também acredita que as regras para os imigrantes ilegais vão ficar ainda mais rígidas com a recessão. Por outro lado, as relações bilaterais tendem a se estreitar em razão dos vizinhos problemáticos sul-americanos, como Bolívia, Equador e Venezuela.

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