quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Brasil evita se comprometer a vender urânio para a Índia

País saiu do isolamento atômico no mês passado e quer cooperação na área civil

Ministros brasileiros têm opiniões diferentes sobre conveniência de parceria; França e EUA saem na frente em mercado bilionário

MARCELO NINIO

ENVIADO ESPECIAL A NOVA DÉLI

 

Temeroso de entrar num campo minado da diplomacia mundial, o Brasil está se esquivando do desejo da Índia em firmar parcerias na área atômica. A assinatura do histórico acordo nuclear entre a Índia e os EUA, na semana passada, colocou fim a 34 anos de embargo internacional sobre Nova Déli e abriu para o Ocidente um mercado estimado em mais de US$ 100 bilhões.

O governo indiano tem deixado claro que vê o Brasil, que tem a sexta maior reserva de urânio do mundo, como parceiro natural no comércio de tecnologia e combustível nuclear. "É claro que queremos firmar acordos nessa área com o governo brasileiro", disse ontem o ministro das Relações Exteriores da Índia, Anand Sharma, no segundo dia da cúpula do Ibas (grupo formado por Índia, Brasil e África do Sul).

Mas o interesse da Índia em oferecer ao Brasil uma fatia desse bolo bilionário tem provocado divisões no governo brasileiro. Em conversa com a Folha, uma fonte do primeiro escalão disse considerar "uma loucura" o fato de alguns ministros defenderem o fornecimento de urânio brasileiro à Índia, aproveitando o mercado aberto com o acordo entre Washington e Nova Déli.

Para essa fonte, as possíveis vantagens econômicas não compensam o risco de desgaste político que traria o comércio de material nuclear com a Índia, que mantém uma tensa relação com o vizinho Paquistão, outra potência nuclear.

Firmado durante a visita do presidente George W. Bush a Nova Déli, em 2006, o acordo recebeu no mês passado o aval da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e do Grupo de Fornecedores Nucleares (GFN), que mantinha embargo internacional à Índia.

Foi o sinal verde para a retomada do comércio nuclear com a Índia, a começar pelos 45 membros do GFN, do qual o Brasil faz parte. Criado pelos EUA em 1974, após o primeiro teste nuclear realizado pela Índia, o GFN visava punir o país por manter programa atômico sem submeter-se aos acordos de não-proliferação.

 

Salvaguardas

O chanceler Celso Amorim é um dos que não acreditam que haja empecilhos em uma parceria nuclear com a Índia. Para ele, as salvaguardas da AIEA aceitas pela Índia, pelas quais o país abrirá 14 de seus 22 reatores a inspeção, constituem garantia suficiente.

"Contanto que sejam acordos de cooperação para fins pacíficos, como manda a Constituição brasileira, não vejo problemas", disse Amorim. Segundo ele, o assunto não foi abordado no encontro que teve ontem com o ministro indiano das Relações Exteriores.

Outros países já estão de olho no bilionário mercado nuclear indiano. A França saiu na frente e fechou um acordo de cooperação para o fornecimento de combustível nuclear e tecnologia. O país é líder mundial, com 75% de sua eletricidade gerada por centrais nucleares.

Além de romper o isolamento internacional, a Índia espera acima de tudo resolver seus graves problemas de geração de energia. O fornecimento elétrico no país é extremamente irregular, sendo estimado em 15% abaixo do necessário nos horários de pico. Com blecautes freqüentes, geradores e velas estão sempre a postos.

Na primeira fase, a meta é importar oito reatores nos próximos cinco anos, triplicando a proporção de energia nuclear no país, que hoje corresponde a 8% do total. Além disso, com o fim do embargo, o país espera alimentar os reatores já existentes: hoje, metade está parada por falta de urânio.

O jornalista Marcelo Ninio viajou a convite da India Brand Equity Foundation


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