A tão sonhada integração sul-americana mais uma vez encontra obstáculo na dubiedade das intenções de seus líderes. Partiu do presidente do Equador, Rafael Correa – um dos mais entusiasmados adeptos do bolivarianismo – a decisão de não pagar a dívida de US$ 243 milhões (cerca de R$ 580 milhões) com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e, além disso, levar o contencioso à arbitragem internacional. Surpreso não só com a contestação do débito mas com a forma pela qual o tema foi abordado (diretamente na mídia equatoriana, sem qualquer comunicado oficial ou tentativa de negociação entre governos) o Palácio do Planalto convocou seu embaixador em Quito, no primeiro capítulo de uma crise que promete desdobramentos ainda mais desgastantes.
A rigor, a novela protagonizada por Correa começou ainda em setembro, quando o mandatário expulsou do país a empreiteira Odebrecht. Cinco obras da empresa no Equador sofreram intervenção, e os direitos constitucionais de quatro diretores foram suspensos. A razão alegada foi uma falha estrutural na hidrelétrica San Francisco – obra tocada pela companhia brasileira, financiada com dinheiro do BNDES. A expulsão da Odebrecht e de Furnas (que participara como consultora da supervisão das obras da usina) foi acompanhada de ameaças aos investimentos da Petrobras no Equador. Desde então, as relações entre os dois países azedaram, apesar dos esforços de Brasília pela manutenção do diálogo.
A opção pelo calote, anunciada na sexta-feira, levou o governo brasileiro a chamar de volta o embaixador Antonino Marques Porto e Santos – o que, em linguagem diplomática, significa o primeiro passo de um processo que pode culminar no rompimento de relações. O telefonema entre os presidentes Lula e Correa, no sábado, de nada adiantou para amenizar o clima. O governante equatoriano insiste na suspensão do pagamento e no julgamento internacional da validade da dívida. E ainda ressaltou que "independentemente do carinho que tem pelo Brasil", não vai deixar "que ninguém engane seu país". Na distorcida visão de Correa, o incidente se resume a uma conta de somar mal feita entre amigos, tanto assim que afirmou não entender o motivo do incidente diplomático "por algo que é um problema claramente comercial e financeiro".
Não é costume da diplomacia brasileira criar atritos com nações amigas. Mesmo quando refinarias da Petrobras na Bolívia foram ocupadas por tropas (em maio de 2006, enquanto o presidente Evo Morales – outro bolivariano de intenções dúbias – anunciava a nacionalização do petróleo e do gás) o Brasil evitou medidas mais drásticas. Houve quem visse ali um sinal de fraqueza das autoridades brasileiras para lidar com o vizinho. Dois anos depois, algo semelhante se repete, com o mesmo sotaque ideológico embutido. A diferença agora é que, do ponto de vista de Brasília, o Equador não tem qualquer importância estratégica.
De fato, numa eventual contenda entre Brasil e Equador, este último tem muito mais a perder. E diante de um parceiro claramente não confiável, é melhor que a diplomacia ceda a vez às cortes internacionais de Justiça.
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