Fareed Zakaria
Colunista e editor-chefe da edição internacional da revista Newsweek e escreve quinzenalmente em ÉPOCA
Iniciativas corajosas são tomadas todos os dias para acabar com a fome, diminuir a pobreza, salvar vidas. Mas, para realmente resolver os problemas do mundo, é necessário espalhar a democracia. É bem óbvio que falar é mais fácil que fazer. Há muitos exemplos bem-sucedidos. Mas há muitos mais de fracasso. Consideremos o Haiti, onde os Estados Unidos tentam promover a democracia intermitentemente há quase um século com quase nenhum sucesso. Por quê?
Com certeza os haitianos desejam ser livres. Mas há aspectos da política, da economia e da cultura que tornam muito difícil estabelecer uma democracia liberal. Mudar essas condições é um desafio difícil, complexo e de longo prazo. Não é impossível. Mas exige um estudo cuidadoso, pragmatismo e humildade.
Um caminho simples para a democracia é realizar eleições. Isso tem um apelo óbvio. Legitima o sistema político, amplia a participação e fornece uma resposta simples para a pergunta “Quem deve governar?”. A realização de eleições é um dos aspectos que definem uma democracia liberal. Mas não deve ser o primeiro passo para a construção da democracia. As sociedades ocidentais passaram por séculos de modernização antes de realizar eleições. Leva tempo para desenvolver instituições legais e uma sociedade civil. Consideremos o problema dos conflitos étnicos e sectários, que são endêmicos em tantas sociedades modernas. Se forem realizadas eleições muito rapidamente em países que estão começando a se democratizar, as pessoas votarão apenas de acordo com suas identidades étnica, religiosa ou racial estabelecidas – e isso vai minar a criação de uma democracia liberal genuína.
A ajuda estrangeira não produz mais democracia, ou mesmo um governo melhor. Uma boa parte da história da ajuda externa é um apanhado de boas intenções que levam a situações infernais – corrupção enorme e fortalecimento de elites quase feudais. As transições rápidas e bem-sucedidas para a democracia – em países como Taiwan e Coréia do Sul no leste da Ásia e Chile na América do Sul – não foram produto de programas de ajuda. Certamente há programas que funcionaram, muitos deles nas áreas médica e científica.
Na maioria dos países em desenvolvimento, a terra é o bem mais importante e é a chave para o poder econômico e político. Os padrões de propriedade de terra em boa parte do mundo são altamente desiguais. Em um país como o Paquistão, a propriedade da terra tende a permanecer concentrada, e o resultado é que um pequeno grupo de elites locais exerce o poder, qualquer que seja o sistema político. Quando são realizadas eleições, o candidato eleito é um proprietário de terra local ou alguém financiado por ele. Até na Índia, as regiões em que a democracia funciona pior são os locais onde a propriedade de terra se aproxima desse mesmo padrão.
A solução é a reforma agrária, uma redistribuição dos bens feita de maneira ordenada. Os resultados falam por si. Os EUA incentivaram a reforma agrária no Japão, na Coréia do Sul e em Taiwan. Os três países ganharam sistemas democráticos em pleno funcionamento. A reforma agrária muitas vezes é vista como um projeto socialista. Mas na verdade é o oposto. Feita corretamente, põe a terra no mercado. A reforma agrária geralmente passa a propriedade da terra a quem pode cultivá-la com eficiência ou vendê-la para alguém que possa fazê-lo. As reformas são essenciais para converter uma sociedade camponesa retrógrada numa sociedade capitalista moderna.
É preciso entender a ligação entre a propriedade privada da terra e a liberdade. O apelo à reforma agrária não é tão empolgante quanto o apelo à liberdade. Não é tão fácil de mostrar na TV como eleições. Mas, no fim, é o que pode fazer a democracia criar raízes em solo estrangeiro.
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