Antes de encerrar as atividades do Supremo Tribunal Federal no corrente ano, a questão relacionada com a controvérsia em torno da reserva Raposa Serra do Sol deve ter continuidade. No voto já proferido pelo relator da matéria, ministro Ayres de Brito, confirmou-se a procedência jurídica do ato demarcatório, o que significa dizer que os índios, até o presente momento, ganham a causa. Pelo referido voto, os limites e confrontações das terras da reserva estão preservados, procedidos que foram pela Fundação Nacional do Índio e sancionados por ato do governo federal. Aguarda-se, ainda, a tomada de votos dos outros 10 juízes componentes da Corte.
Criada pela Constituição de 1988, a nova unidade federada padece de mal congênito. De toda a área de 224.298,980 km2, apenas aproximadamente 12,5% do território são consideradas terras do estado. O restante abrange reservas indígenas e parques nacionais de conservação ambiental. As terras agricultáveis, coincidentemente, se localizam nessa mesma região, onde se cultivam quase que exclusivamente arroz e, em menor escala, outros grãos de subsistência. O maior peso econômico sustenta-se na produção de arroz, pode-se dizer o único meio de geração de tributos e empregos. Se os proprietários forem forçados a se desalojarem das fazendas, haverá perda irreparável para os cofres do estado e prejuízo a seu combalido desenvolvimento.
Desde 1774, quando os portugueses chegaram à região, Portugal já incentivava a ocupação de suas terras por colonos portugueses. O curioso, do ponto de vista histórico, é que a fixação de colonos na área acabou se ampliando até boa parte da margem esquerda do Rio Essequibo, hoje território da Guiana. O fato provocou disputa de limites entre o Brasil e a Inglaterra, que se resolveu por meio de juízo arbitral. Joaquim Nabuco foi, em 1903, o advogado contratado para defender os direitos do país. A escolha do árbitro recaiu no duque de Baden. Quando os trabalhos se iniciavam, a Inglaterra, inconformada com a indicação, por ser duque de status inferior a rei, exigiu substituição por monarca. A nova designação recaiu em Victor Emmanuel III, rei da Itália. Embora o melhor direito estivesse do lado brasileiro, como reconhecido por renomados jurisconsultos europeus, o Brasil perdeu a demanda.
Remonta a esse tempo a ocupação de terras por brancos na região da reserva. Lá remanescem herdeiros dos primeiros proprietários e outros detentores de direitos posteriormente adquiridos, além de novos colonos que passaram a dispor de propriedades na área. Para proceder à demarcação, a Funai baixou portaria com os elementos constitutivos do ato, como ordena a lei. Elaborado o laudo, a demarcação foi questionada em juízo. Como a União havia perdido a causa, o governo baixou outra portaria, aproveitando, sem cerimônia, o mesmo laudo originariamente subscrito por antropóloga do órgão. É essa nova demarcação, praticamente reprodução da primeira, que está sendo contestada perante o STF.
De tudo o que se sabe, das comunidades indígenas que disputam a reserva somente os índios Macuxi se batem por sua legitimação. Assim mesmo com divergências. As outras etnias — Wapixana,
Patamona, Ingarikó e Taurepang — são contrárias. Destaque-se que, para acompanhar os atos de demarcação, somente os Macuxi foram convidados, por indicação do Conselho Indigenista Missionário. As outras comunidades não tiveram oportunidade de se manifestar no curso dos trabalhos. Tratando-se de faixa de fronteira, que há de merecer proteção do Estado, é estranho que o Conselho de Defesa Nacional não tenha sido ouvido, em virtude de desinteresse do governo.
As relações entre fazendeiros e índios no local da reserva são pacíficas e regulares. Ainda que a maioria dos índios seja favorável à permanência dos brancos na área, outro é o aspecto transcendental que não deverá passar desapercebido aos ministros do STF. É certo que a Constituição garante pertencerem aos índios terras por eles tradicionalmente ocupadas. O que está em jogo, entretanto, é saber se, com tanto tempo de permanência dos fazendeiros na região, assim mesmo devem ser dela expungidos, sem levar em conta a tradicionalidade da ocupação. Dois municípios foram constituídos na área da reserva. Um bom número de fazendeiros tem títulos legitimados em cartório. Indaga-se: é possível passar por cima desses direitos, com as peculiaridades que contornam a questão?
O que parece desarrazoado é afirmar a imemorialidade das terras em benefício dos índios e não garantir os mesmos direitos aos fazendeiros, depois de tanto tempo decorrido de uso da terra. Bem poderia o STF, face às peculiaridades do caso, reconhecer a demarcação descontínua da reserva, garantindo o direito dos não-índios às suas propriedades e aos índios as terras que tradicionalmente ocupem. Nessa decisão do STF põe-se a sorte da viabilidade econômica de Roraima. Caso contrário, será mais uma desventura que o Estado já tão depauperado de terras terá de suportar.
Criada pela Constituição de 1988, a nova unidade federada padece de mal congênito. De toda a área de 224.298,980 km2, apenas aproximadamente 12,5% do território são consideradas terras do estado. O restante abrange reservas indígenas e parques nacionais de conservação ambiental. As terras agricultáveis, coincidentemente, se localizam nessa mesma região, onde se cultivam quase que exclusivamente arroz e, em menor escala, outros grãos de subsistência. O maior peso econômico sustenta-se na produção de arroz, pode-se dizer o único meio de geração de tributos e empregos. Se os proprietários forem forçados a se desalojarem das fazendas, haverá perda irreparável para os cofres do estado e prejuízo a seu combalido desenvolvimento.
Desde 1774, quando os portugueses chegaram à região, Portugal já incentivava a ocupação de suas terras por colonos portugueses. O curioso, do ponto de vista histórico, é que a fixação de colonos na área acabou se ampliando até boa parte da margem esquerda do Rio Essequibo, hoje território da Guiana. O fato provocou disputa de limites entre o Brasil e a Inglaterra, que se resolveu por meio de juízo arbitral. Joaquim Nabuco foi, em 1903, o advogado contratado para defender os direitos do país. A escolha do árbitro recaiu no duque de Baden. Quando os trabalhos se iniciavam, a Inglaterra, inconformada com a indicação, por ser duque de status inferior a rei, exigiu substituição por monarca. A nova designação recaiu em Victor Emmanuel III, rei da Itália. Embora o melhor direito estivesse do lado brasileiro, como reconhecido por renomados jurisconsultos europeus, o Brasil perdeu a demanda.
Remonta a esse tempo a ocupação de terras por brancos na região da reserva. Lá remanescem herdeiros dos primeiros proprietários e outros detentores de direitos posteriormente adquiridos, além de novos colonos que passaram a dispor de propriedades na área. Para proceder à demarcação, a Funai baixou portaria com os elementos constitutivos do ato, como ordena a lei. Elaborado o laudo, a demarcação foi questionada em juízo. Como a União havia perdido a causa, o governo baixou outra portaria, aproveitando, sem cerimônia, o mesmo laudo originariamente subscrito por antropóloga do órgão. É essa nova demarcação, praticamente reprodução da primeira, que está sendo contestada perante o STF.
De tudo o que se sabe, das comunidades indígenas que disputam a reserva somente os índios Macuxi se batem por sua legitimação. Assim mesmo com divergências. As outras etnias — Wapixana,
Patamona, Ingarikó e Taurepang — são contrárias. Destaque-se que, para acompanhar os atos de demarcação, somente os Macuxi foram convidados, por indicação do Conselho Indigenista Missionário. As outras comunidades não tiveram oportunidade de se manifestar no curso dos trabalhos. Tratando-se de faixa de fronteira, que há de merecer proteção do Estado, é estranho que o Conselho de Defesa Nacional não tenha sido ouvido, em virtude de desinteresse do governo.
As relações entre fazendeiros e índios no local da reserva são pacíficas e regulares. Ainda que a maioria dos índios seja favorável à permanência dos brancos na área, outro é o aspecto transcendental que não deverá passar desapercebido aos ministros do STF. É certo que a Constituição garante pertencerem aos índios terras por eles tradicionalmente ocupadas. O que está em jogo, entretanto, é saber se, com tanto tempo de permanência dos fazendeiros na região, assim mesmo devem ser dela expungidos, sem levar em conta a tradicionalidade da ocupação. Dois municípios foram constituídos na área da reserva. Um bom número de fazendeiros tem títulos legitimados em cartório. Indaga-se: é possível passar por cima desses direitos, com as peculiaridades que contornam a questão?
O que parece desarrazoado é afirmar a imemorialidade das terras em benefício dos índios e não garantir os mesmos direitos aos fazendeiros, depois de tanto tempo decorrido de uso da terra. Bem poderia o STF, face às peculiaridades do caso, reconhecer a demarcação descontínua da reserva, garantindo o direito dos não-índios às suas propriedades e aos índios as terras que tradicionalmente ocupem. Nessa decisão do STF põe-se a sorte da viabilidade econômica de Roraima. Caso contrário, será mais uma desventura que o Estado já tão depauperado de terras terá de suportar.
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