segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Rússia e Brasil, juntos também na OMC

Pedro de Camargo Neto

 

A feliz chegada do presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, ao Brasil representa oportunidade para maior aproximação entre os dois países. Embora as diferenças sejam maiores do que as semelhanças, ambos têm o desejo de atuar juntos nos grandes desafios que atravessam o mundo.

Os temas tratados serão diversos, da energia nuclear à tecnologia aeroespacial, passando também pelo comércio. Certamente, terão prioridade os esforços da Rússia para acessão à Organização Mundial do Comércio (OMC), bem como os do Brasil de passar a ser membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

O Brasil tornou-se, na última década, grande produtor e exportador de carnes bovina, suína e de aves. A Rússia passou ano a ano a importar mais do Brasil, tornando-se importantíssimo cliente do setor nacional. É o maior destino para as carnes bovina e suína - esta última representa cerca de 40% das exportações, o que cria clara dependência daquele mercado. De janeiro a outubro deste ano, as vendas brasileiras de carne suína ao mercado russo totalizaram 203,7 mil toneladas e US$ 676,4 milhões, um declínio de 6,78% em volume em relação a igual período do ano passado.

A Rússia iniciou sua negociação para acessão na OMC há cerca de oito anos. Apresentou, em Genebra, proposta com cotas e tarifas intra e extracotas. Dividiu as cotas entre os países fornecedores daquela época. O Brasil, praticamente ausente, não foi contemplado com um contingente individual, disputando o mercado por meio das cotas designadas para os demais países. Não se trata de reclamar agora que a Rússia não nos teria privilegiado com cotas próprias, pois naquela época não éramos mesmo fornecedores significativos.

Em 2005, por ocasião da viagem do presidente Lula a Moscou, o Brasil apoiou formalmente a entrada da Rússia na OMC. Para a questão do comércio de carnes, que representa mais da metade das exportações brasileiras, ficou o compromisso de a gestão do sistema de cotas garantir a estabilidade do comércio existente entre os dois países.

Em 2005, na proposta da Rússia vinculada à negociação para o seu ingresso na OMC, ao Brasil não era oferecida cota de carne suína, ao contrário da União Européia e do Paraguai, que foram contemplados. Na ocasião, a União Européia-25 recebeu 227,3 mil toneladas; os EUA, 42,2 mil; e o Paraguai, mil toneladas. A cota dos “outros países” era de 179,5 mil toneladas. Com relação à importação efetiva pela Rússia, o que se nota é que o Brasil reduziu suas exportações para aquele mercado a partir de 2005, enquanto a União Européia aumentou seus embarques de tal forma que preencheu sua cota. O Brasil exportou, em 2005, 397,8 mil toneladas de carne suína para a Rússia, volume que caiu para 233 mil toneladas em 2006 e 282,1 mil em 2007.

Os volumes exportados pelo Brasil para o mercado russo resultaram de utilização das cotas da categoria “outros países” e de cotas adicionais redistribuídas, além de extracota.

Em 2005, foi considerado impossível corrigir formalmente a discriminação contra o Brasil, que permaneceria sem cotas próprias. Essa gestão de cotas tem frustrado o Brasil, que viu o volume de comércio se reduzir. Dificuldades criadas por outros países - não o nosso -, que entenderam que a proposta da Rússia era insuficiente, atrasaram sua entrada na OMC.

Agora, a Rússia voltou a negociar os termos de acesso à OMC, criando oportunidade para corrigirmos a discriminação existente. Um sistema de cotas, caso seja mantido, precisa reconhecer a realidade do comércio nos últimos anos, garantindo o espaço que conquistamos. Seria inaceitável a Rússia entrar na OMC, com o apoio do Brasil, cristalizando uma estrutura de cotas discriminatória e que prejudica a nossa competitividade.

Por ser competitivo, o Brasil venderá em 2008 mais de 250 mil toneladas dentro da cota definida para o ano. No acordo pelo qual o Brasil apoiou a entrada da Rússia na OMC, uma das cláusulas deixava claro que, apesar de o País estar na categoria “outros países”, seu fluxo de venda de carnes deveria ser mantido. Isso não ocorreu e tem havido queda de participação brasileira nas importações realizadas pela Rússia. A União Européia, em 2005, exportou para o mercado russo 106,7 mil toneladas de carne suína, volume que cresceu para 241,9 mil toneladas em 2006 e 242,3 mil em 2007. Os EUA, que venderam para os russos 29,7 mil toneladas de carne suína em 2005, embarcaram 68,4 mil em 2006 e 75,1 mil em 2007.

Existem diversas maneiras de a Rússia estruturar tarifas e cotas para suas importações de carnes. O Brasil, parceiro da Rússia em tantos projetos, não pode, porém, ser prejudicado justamente na questão do comércio, realidade tão importante no fortalecimento econômico. O pleito é o fim dos privilégios aos nossos principais concorrentes. Caso existam cotas, estas devem ser distribuídas com a regra que no jargão da OMC se chama nação mais favorecida, isto é, sem privilégios.

A liderança comercial brasileira é ainda muito recente. Enfrentamos esta dificuldade em inúmeros mercados que consolidaram suas barreiras comerciais durante a Rodada Uruguai, do Gatt. Somos obrigados a conviver com sistemas de cotas tarifárias que quase sempre ignoram a nossa recente competitividade. Eventual melhora no decorrer da Rodada Doha será pequena, caso algum dia terminem as negociações.

A Rússia, que esperamos entre agora no órgão multilateral de comércio, precisa, ao entrar, não congelar um passado em que o Brasil, muitas vezes, nem sequer aparecia. A aliança Brasil-Rússia é voltada para o futuro. É com esta visão que esperamos que sejam negociadas as futuras regras para o comércio de carne suína.

Pedro de Camargo Neto é presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs)

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