quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Saída à francesa

É por causa do satélite de comunicações e do submarino nuclear que o presidente Lula prefere a parceria com a França, em detrimento dos Estados Unidos e da Rússia

Não existe nada que deixe um russo mais satisfeito com a hospitalidade brasileira do que um bom rodízio de churrasco regado a caipirinha. O risco é o convidado passar mal de tanto comer e beber. Nada mais natural, portanto, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ofereça um banquete à gaúcha ao jovem presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, sob a guarda do Cristo Redentor, no Palácio Guanabara, no Rio, tendo como co-anfitrião o governador Sérgio Cabral Filho (PMDB). 

 

Rússia 

Por trás da gastronomia, porém, há dois recados: o Brasil pretende comprar os “soviéticos” helicópteros de ataque MI-35, verdadeiros tanques voadores, mas quer que os russos ampliem as cotas de exportação para os produtos brasileiros, principalmente a carne. Ou seja, a cooperação militar com a Rússia depende da ampliação das relações comerciais de US$ 5 bilhões para US$ 10 bilhões e, principalmente, de uma política de transferência de tecnologia na área militar, à qual os russos são reticentes. Eles argumentam que isso exigiria uma escala de compras de armamentos semelhante às da China e da Índia, o que não é o caso brasileiro. 

Oficialmente, no Ministério da Defesa, essa é a razão de o Brasil ter desclassificado os mais versáteis aviões de caça da atualidade, o Sukhoi SU-35, na licitação para renovação da esquadrilha de ataque da Força Aérea Brasileira. Os helicópteros russos, porém, são eficientes e robustos, têm tecnologia menos sofisticada e servirão de pau para toda obra na Amazônia. Além disso, os russos topam produzir no Brasil as peças de reposição. A compra dos aviões russos, diga-se de passagem, foi uma das causas da queda do ex-ministro da Defesa José Viegas Filho. 

O governo brasileiro acendeu uma vela para Deus e outra para o diabo. Ao rejeitar os Sukhoi na habilitação para a licitação, sinalizou aos norte-americanos que vai manter a cooperação com os russos em termos moderados, ao contrário da Venezuela de Hugo Chávez ; ao mesmo tempo, abriu a porta para a compra de novos caças franceses Rafaele F 3 em substituição aos velhos Mirages. O problema é que os pilotos brasileiros preferem os F-18 E norte-americanos. Aliás, recentemente, com os F-5 recauchutados da FAB, deram um baile nos pilotos franceses durante exercícios aéreos conjuntos da Cruzex IV em que derrubaram os Mirage2000 baseados na Guiana Francesa. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, por razões geopolíticas, não esconde a torcida pelo Rafaele; o comandante da Aeronáutica, Junit Saito, por razões militares, prefere os aviões ianques. 

 

França 

No governo, quem defende maior cooperação com a Rússia é o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, por causa do futuro da Amazônia, da qual os russos estão mais distantes. Mas o que avança mesmo é a cooperação militar com a França (que tem um pedaço do território no subcontinente), na qual Jobim aposta todas as suas fichas. Haveria de parte dos franceses mais disposição para a transferência de tecnologias do que revelam norte-americanos e russos. Além dos aviões, os franceses querem nos vender um novo satélite de comunicações, que deixaria o Brasil livre da dependência em relação aos norte-americanos nessa área. Em tempos de “guerra eletrônica”, durante visita à França, Jobim se encantou com o projeto de “soldado do futuro” (infantaria com comunicação e equipamentos integrados), utilizando veículos blindados leves de transportes de tropas como ponto de apoio para “guerra em rede”. 

Porém, a menina dos olhos da cooperação militar Brasil-França é a transferência de tecnologia para a construção do submarino nuclear que está sendo desenvolvido pela Marinha brasileira. Em termos doutrinários, para os militares, nosso país não terá “poder de dissuasão” para defender a plataforma continental e a chamada “Amazônia Azul” sem esse submarino, capaz de submergir por longos períodos e atacar de surpresa à longa distância da costa. Os ciclos de construção do seu reator nuclear e do combustível (urânio enriquecido) estão dominados, mas falta o principal em qualquer embarcação: o casco. O Brasil precisa construir os enormes anéis do casco e soldá-los; a França se dispõe a fazer isso por aqui, num estaleiro preparado para transferir tecnologia. É por causa do satélite e do submarino nuclear que o presidente Lula prefere a parceria com a França, em detrimento dos Estados Unidos e da Rússia. De quebra, deixaria o Brasil de fora da histórica rivalidade entre os dois protagonistas da antiga Guerra Fria. Tudo isso, é claro, se uma recessão mundial não atrapalhar.

 
Aposta duplicada

Dmitri Medvedev reafirma no Rio a meta de dobrar o comércio da Rússia com o Brasil e atingir US$ 10 bilhões “nos próximos anos”. Petrobras faz apresentação de biocombustíveis e negocia parcerias

Da Redação 

 

O presidente da Federação Russa, Dmitri Medvedev, pretende duplicar o comércio com o Brasil e ampliar a cooperação em áreas de alta tecnologia. “Espero que nos próximos anos o total atinja US$ 10 bilhões por ano”, disse Medvedev em almoço oferecido pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, com a presença de empresários dos dois países. Em 2007, o comércio bilateral totalizou US$ 5 bilhões. Em apenas um ano, segundo o visitante, esse montante poderia ser ampliado em US$ 1 bilhão. Participaram do evento o prefeito eleito do Rio, Eduardo Paes, e o governador de São Paulo, José Serra. 

O almoço teve cardápio requintado, com direito a moqueca de peixe acompanhada de espuma de coco, com mousse de fruta-do-conde para sobremesa. Mas no jantar oferecido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Itamaraty optou, a pedido da comitiva russa, por um simples churrasco. Em suas declarações, Medvedev não evitou assuntos considerados indigestos. Disse que Brasília e Moscou montaram uma parceria estratégica e lideram o crescimento global. Lembrou que conversou há poucos dias com Lula para que os dois países se esforcem em aumentar a cooperação, apesar da crise financeira. Os dois presidentes terão hoje um encontro de trabalho no Palácio do Itamaraty (no Rio). 

Para o presidente russo, os países do Bric (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia e China) estão em melhores condições do que os demais para se saírem bem em meio ao cenário econômico desfavorável. Medvedev citou que a Rússia mantém um crescimento respeitável, na casa dos 7%. Depois, em entrevista coletiva, afirmou que seu país gostaria que a carteira do comércio bilateral, hoje composta basicamente por matérias-primas, fosse mais diversificada. “Está longe do ideal. A principal tarefa é incluir setores de alta tecnologia. Podemos trocar opiniões e criar joint ventures nas áreas espacial, de aviação, militar-industrial e energética, inclusive no campo nuclear. Temos esse potencial.” 

 

Petróleo e armas 

Uma das áreas de cooperação delimitadas pela comitiva russa foi a da produção de petróleo. Pela manhã, Medvedev visitou a sede da Petrobras e assistiu a uma palestra do presidente da empresa, José Sergio Gabrielli de Azevedo, que apresentou detalhes sobre a atuação da estatal, no Brasil e no exterior. O chefe de Estado percorreu uma exposição sobre biocombustíveis, com amostras de matérias-primas (cana-de-açúcar e sementes de oleaginosas, como mamona, soja e girassol), informações sobre pesquisa e produção e sobre veículos flex. O presidente russo recebeu amostras de biodiesel obtido a partir das diferentes plantas. 

A Petrobras tem um memorando de entendimentos assinado com a Gazprom, maior empresa russa e maior produtora mundial de gás (a Rússia tem as principais reservas). O documento tem o objetivo de avaliar oportunidades de parceria entre as companhias, inclusive na extração em águas profundas e na camada pré-sal. 

Antes de visitar a Petrobras, o presidente russo depositou uma coroa de flores no Monumento aos Pracinhas, no Parque do Flamengo. Por questões protocolares, os ministros não podem se reunir com um chefe de Estado estrangeiro antes que ele se encontre com o mandatário brasileiro. Por isso, nenhuma autoridade civil acompanhou Medvedev na cerimônia, que teve como anfitrião o comandante militar do Leste, general Luiz Cesário da Silveira Filho. 

O Brasil precisa reequipar suas Forças Armadas, o que atrai o interesse de inúmeras indústrias bélicas estrangeiras. A Rússia espera participar desse mercado e aguarda a assinatura do contrato da concorrência AH-X, para o fornecimento de 12 helicópteros de ataque, vencida pela fabricante russa Mil com o modelo Mi-35. O valor previsto, de US$ 240 milhões, pode subir para US$ 300 milhões com a exigência brasileira de incluir equipamentos nacionais da Aeroeletrônica, subsidiária da Elbit (israelense) instalada em Porto Alegre. 

Por enquanto, o Ministério da Defesa vem privilegiando a França. Em dezembro, o presidente Nicolas Sarkozy assinará no Rio um acordo de aliança estratégica que oferecerá ao Brasil não apenas armas, mas também a tecnologia para a produção doméstica de helicópteros e submarinos. 

 

 

Viagem de resultados

Principais acordos e entendimentos fechados na visita de Dmitri Medvedev 

 

Declaração política 

Abordará a crise financeira global e a necessidade de proteger as economias em desenvolvimento do contágio recessivo 

Afirmará as coincidências em temas como a reforma das Nações Unidas, mas sem apoio explícito à candidatura brasileira ao Conselho de Segurança 

Definirá um plano de ação para a parceria estratégica firmada entre os dois países em 2004.

 

Vistos 

Será suprimida, em caráter recíproco, a exigência de visto para turistas nas viagens entre os dois países 

 

Cooperação militar 

Será fechada a compra de 12 helicópteros russos Mi-35, de ataque 

Será firmado um acordo de parceria para o desenvolvimento de equipamento bélico, composto de um acordo-quadro, um de proteção de conhecimentos e outro sobre propriedade intelectual 

Uma área específica que está sendo contemplada para trabalho conjunto é a aviônica (equipamento eletrônico de bordo) 

 

Energia 

A Gazprom, gigante estatal do petróleo e do gás e uma das maiores empresas do mundo, prepara a instalação de escritório no Rio de Janeiro. Já tem parcerias em estudos e em andamento com a Petrobras 

A Lukoil, maior petroleira privada da Rússia, enviou ao Rio seu presidente e explora as possibilidades de participar na prospecção e extração no Brasil, especialmente na camada pré-sal 

 

Aliança tecnológica 

Em nível governamental, os dois países selecionam áreas como nanotecnologia e microeletrônica 

Integra a comitiva o presidente da empresa espacial Roskosmos, que já tem técnicos trabalhando com o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos (SP), no redesenho do Veículo Lançador de Satélites (VLS) 

 

  

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