O medo das invasões de terra forçou os agricultores brasileiros radicados no departamento (Estado) de San Pedro, no Paraguai, a adotar uma nova técnica: o plantio às escondidas. Com um olho no trabalho e outro nos movimentos dos sem-terra, os brasiguaios, como são conhecidos, tentam evitar a perda da colheita de soja.
No segundo e último dia da série sobre o conflito no Paraguai, ZH detalha a vida na região e mostra por que líderes dos movimentos que protagonizam as invasões querem os brasileiros fora de seu país. Ao contrário do departamento paraguaio do Alto Paraná, onde os imigrantes brasileiros iniciaram a colonização em 1976 e hoje representam uma importante parcela da população, no departamento de San Pedro eles começaram a se instalar há apenas quatro anos e são minoria clara. O conflito com os trabalhadores rurais teve início dias depois da chegada das primeiras famílias de brasileiros. E agora vive o seu período mais radicalizado, com depredação de patrimônio e constrangimentos de toda ordem.
A radicalização da luta tem dois responsáveis. Do lado dos sem-terra, há o apoio e incentivo do governador de San Pedro, José Ledesma, 48 anos – conhecido como Pakova (banana, em guarani), por ter sido produtor da fruta. Ele é aliado e amigo do presidente do país, Fernando Lugo, que foi bispo na região durante uma década. Do lado dos brasiguaios, há a pressão do tempo: o prazo para fazer o plantio de soja está chegando ao fim, e a maioria não consegue trabalhar porque, quando sai para o campo, é atacada por invasores. Para o agrônomo Julio Franco, 40 anos, prefeito de Lima – do Partido Colorado –, a situação pode ser definida da seguinte maneira:
– Perigosa para os dois lados!
No centro dessa disputa está uma área de 120 mil hectares, localizada a pouco mais de 15 quilômetros da sede do município. Em uma parte das terras – 40% – foram assentadas 120 famílias de agricultores nos anos 90. No restante da área, começaram a se estabelecer, há quatro anos, brasiguaios que antes viviam no Alto Paraná e compraram propriedades de fazendeiros paraguaios falidos. Foi o que aconteceu com a família de Osnilda Echelberger, 67 anos – mãe de Valídio, 46, Francisco, 40, e Jorge, 27. Eles venderam os 57 hectares – herdados do patriarca Fredolino José – em Santa Rita, Alto Paraná, depois de saber que o preço do hectare em Lima custava US$ 600.
– Como o preço do hectare em Santa Rita era de US$ 15 mil, eu pensei que podíamos vender e comprar terra para todos os filhos em Lima. E, com isso, realizar o sonho do meu falecido marido, que era dar uma propriedade a cada um deles – comenta Osnilda.
O sonho foi realizado. Com o dinheiro da venda da terra em Santa Rita, cada filho comprou 200 hectares em Lima e ainda sobraram recursos para adquirir equipamentos, recorda Jorge. Durante dois anos, a família trabalhou sem problemas. Até que, no mês passado, um grupo de cerca de 200 trabalhadores rurais cercou o chalé onde vivem Osnilda e dois dos seus filhos.
– Nos chamaram para fora e avisaram que não queriam brasiguaios na região e que estava proibido plantar soja – lembra Jorge.
Dois dias depois, Valídio ligou o trator e foi para a lavoura. Trabalhou durante meia hora e acabou atacado pelos trabalhadores rurais. Não conseguiu completar a semeadura.
– Acho que consegui plantar uns 40% da área. No restante, estou fazendo assim: pego o trator, vou para a lavoura e coloco um ajudante vigiando os sem-terra. Quando eles se dão conta de que estou trabalhando e correm para impedir, o ajudante avisa e volto para o galpão – descreve Valídio.
A maneira como as plantações de soja da família estão sendo cultivadas diminuirá a produção. E, se ela não cobrir os custos, os Echelberger terão problemas que podem colocar em risco o patrimônio. Tudo o que possuíam foi aplicado em Lima. Esse é o drama.
História semelhante é vivida pela família de Ildo Kaefer, 53 anos. No dia 21 do mês passado, um de seus filhos, Marcelo, 23 anos, estava preparando a lavoura para plantar soja. Um grupo de 250 trabalhadores rurais apreendeu o trator e manteve o jovem por cinco horas em cárcere privado. Resolvida a situação, graças à intervenção da Polícia Nacional, a família voltou a plantar soja “às escondidas”, como define Ildo:
– Eles disseram que nos atacarão novamente. Não temos saída. Tudo o que temos foi investido na lavoura. Fazer o quê?
E não falta gente para vigiar os brasiguaios. No interior de Lima, existem 15 acampamentos de sem-terra. Todos na porteira das propriedades de brasiguaios. Para o professor Elvio Romero, um dos mais importantes líderes dos trabalhadores rurais em San Pedro, não interessa se os brasileiros estão dentro da lei. Segundo Romero, eles precisam ir embora porque o modelo econômico que trazem do Alto Paraná, baseado na plantação de soja, acabará expulsando os sem-terra da região.
– Estamos lutando pela sobrevivência do nosso modo de vida – defende-se o líder.
CARLOS WAGNER | Enviado Especial/ Paraguai
No segundo e último dia da série sobre o conflito no Paraguai, ZH detalha a vida na região e mostra por que líderes dos movimentos que protagonizam as invasões querem os brasileiros fora de seu país. Ao contrário do departamento paraguaio do Alto Paraná, onde os imigrantes brasileiros iniciaram a colonização em 1976 e hoje representam uma importante parcela da população, no departamento de San Pedro eles começaram a se instalar há apenas quatro anos e são minoria clara. O conflito com os trabalhadores rurais teve início dias depois da chegada das primeiras famílias de brasileiros. E agora vive o seu período mais radicalizado, com depredação de patrimônio e constrangimentos de toda ordem.
A radicalização da luta tem dois responsáveis. Do lado dos sem-terra, há o apoio e incentivo do governador de San Pedro, José Ledesma, 48 anos – conhecido como Pakova (banana, em guarani), por ter sido produtor da fruta. Ele é aliado e amigo do presidente do país, Fernando Lugo, que foi bispo na região durante uma década. Do lado dos brasiguaios, há a pressão do tempo: o prazo para fazer o plantio de soja está chegando ao fim, e a maioria não consegue trabalhar porque, quando sai para o campo, é atacada por invasores. Para o agrônomo Julio Franco, 40 anos, prefeito de Lima – do Partido Colorado –, a situação pode ser definida da seguinte maneira:
– Perigosa para os dois lados!
No centro dessa disputa está uma área de 120 mil hectares, localizada a pouco mais de 15 quilômetros da sede do município. Em uma parte das terras – 40% – foram assentadas 120 famílias de agricultores nos anos 90. No restante da área, começaram a se estabelecer, há quatro anos, brasiguaios que antes viviam no Alto Paraná e compraram propriedades de fazendeiros paraguaios falidos. Foi o que aconteceu com a família de Osnilda Echelberger, 67 anos – mãe de Valídio, 46, Francisco, 40, e Jorge, 27. Eles venderam os 57 hectares – herdados do patriarca Fredolino José – em Santa Rita, Alto Paraná, depois de saber que o preço do hectare em Lima custava US$ 600.
– Como o preço do hectare em Santa Rita era de US$ 15 mil, eu pensei que podíamos vender e comprar terra para todos os filhos em Lima. E, com isso, realizar o sonho do meu falecido marido, que era dar uma propriedade a cada um deles – comenta Osnilda.
O sonho foi realizado. Com o dinheiro da venda da terra em Santa Rita, cada filho comprou 200 hectares em Lima e ainda sobraram recursos para adquirir equipamentos, recorda Jorge. Durante dois anos, a família trabalhou sem problemas. Até que, no mês passado, um grupo de cerca de 200 trabalhadores rurais cercou o chalé onde vivem Osnilda e dois dos seus filhos.
– Nos chamaram para fora e avisaram que não queriam brasiguaios na região e que estava proibido plantar soja – lembra Jorge.
Dois dias depois, Valídio ligou o trator e foi para a lavoura. Trabalhou durante meia hora e acabou atacado pelos trabalhadores rurais. Não conseguiu completar a semeadura.
– Acho que consegui plantar uns 40% da área. No restante, estou fazendo assim: pego o trator, vou para a lavoura e coloco um ajudante vigiando os sem-terra. Quando eles se dão conta de que estou trabalhando e correm para impedir, o ajudante avisa e volto para o galpão – descreve Valídio.
A maneira como as plantações de soja da família estão sendo cultivadas diminuirá a produção. E, se ela não cobrir os custos, os Echelberger terão problemas que podem colocar em risco o patrimônio. Tudo o que possuíam foi aplicado em Lima. Esse é o drama.
História semelhante é vivida pela família de Ildo Kaefer, 53 anos. No dia 21 do mês passado, um de seus filhos, Marcelo, 23 anos, estava preparando a lavoura para plantar soja. Um grupo de 250 trabalhadores rurais apreendeu o trator e manteve o jovem por cinco horas em cárcere privado. Resolvida a situação, graças à intervenção da Polícia Nacional, a família voltou a plantar soja “às escondidas”, como define Ildo:
– Eles disseram que nos atacarão novamente. Não temos saída. Tudo o que temos foi investido na lavoura. Fazer o quê?
E não falta gente para vigiar os brasiguaios. No interior de Lima, existem 15 acampamentos de sem-terra. Todos na porteira das propriedades de brasiguaios. Para o professor Elvio Romero, um dos mais importantes líderes dos trabalhadores rurais em San Pedro, não interessa se os brasileiros estão dentro da lei. Segundo Romero, eles precisam ir embora porque o modelo econômico que trazem do Alto Paraná, baseado na plantação de soja, acabará expulsando os sem-terra da região.
– Estamos lutando pela sobrevivência do nosso modo de vida – defende-se o líder.
CARLOS WAGNER | Enviado Especial/ Paraguai
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