Maior parte é em financiamentos do BNDES para projetos da Odebrecht
José Casado
O objetivo do governo do Equador é conseguir do Brasil "perdão" para a dívida acumulada de US$554 milhões - a maior parte (US$462 milhões) relativa a financiamentos do BNDES para projetos de infra-estrutura executados pela empreiteira Odebrecht.
Há precedente: no ano passado, a Noruega anulou US$35 milhões em dívidas para a compra de barcos pesqueiros pela estatal Frota Bananeira Equatoriana.
A empresa faz parte de uma parceria do Estado (99% das ações) com a família Noboa Naranjo (1%), uma das mais ricas do país. O sócio privado ficou com a administração da frota, voltada para o transporte das bananas exportadas pela família Noboa Naranjo.
O negócio prosperou até o início desta década, quando os barcos entraram na fase de obsolescência e o clã vendeu suas ações. O governo equatoriano assumiu 100% do capital mais a dívida externa e uma frota sem capacidade de navegação.
Essa fatia da dívida equatoriana já motivava protestos de redes de ONGs no Equador e na Europa quando Rafael Correa assumiu o poder, em janeiro do ano passado. O Parlamento norueguês aceitou a pressão e "perdoou" esses débitos.
Para Correa serviu de estímulo a auditoria com a cooperação de ONGs empenhadas na defesa dos interesses de países pobres. Instaladas na América do Sul, Europa e EUA, desde o fim dos anos 80, parte está agrupada na Rede Jubileu, que tem respaldo da Igreja Católica e do PT - entre os conselheiros nacionais está o senador Eduardo Suplicy. As ONGs brasileiras têm no histórico uma meia-vitória de lobby político: conseguiram inscrever na Constituição de 1988 a obrigatoriedade de auditoria na dívida do país - até hoje não realizada.
Revisão da dívida externa é apoiada por ONGs
Alguns ativistas brasileiros têm reputação de especialistas. Um deles é Maria Lúcia Fatorelli Carneiro, ex-presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco). Outro é Rodrigo Ávila, economista, coordenador da ONG Dívida Cidadã e assessor da liderança do PSOL na Câmara dos Deputados. Ambos trabalharam para o governo do Equador na comissão de auditoria, cujo resultado deflagrou uma crise política com o Brasil. Nessa disputa, o PSOL alinhou-se ao governo Correa: "Ao invés de reconhecer o grave prejuízo causado ao povo do Equador, o governo Lula preferiu tomar partido pela Odebrecht, chantageando e retirando o embaixador brasileiro do Equador" - disse em nota divulgada na semana passada.
Para a auditora e o economista foi algo mais que uma experiência de auditagem:
- Foi extraordinário examinar 30 anos de história pelos contratos bancários. Trabalhei 18 horas por dia, de abril a setembro - conta Maria Lúcia. - Só a análise da dívida comercial tem mil páginas, mais a documentação entregue ao Arquivo Nacional. Encontramos muitas ilegalidades.
Rodrigo Ávila viajou a Quito algumas vezes:
- Constatamos, sim, inúmeras ilegalidades, até títulos de dívida sem registro oficial.
Outros militantes de ONGs e de partidos políticos - do PT ao PSTU - também participaram, fazendo traduções e análises de contratos financeiros. Em Belo Horizonte, por exemplo, atuaram os economistas Dirlene Marques e Gabriel Strautman.
Os contratos do Equador com o BNDES foram examinados por uma ONG carioca, o Instituto de Pesquisas Sociais, Econômicas e Educação, coordenada pelo economista Marcos Arruda:
- Foi uma colaboração pontual. Verificamos como esses contratos combinavam ou não com a legislação brasileira e equatoriana - ele conta.
Como os demais que participaram da auditoria, Arruda acha que o Brasil deveria agir em relação ao Equador como fez a Noruega, "perdoando" a dívida.
- Isso já aconteceu aqui, no início da década de 30. No período Getulio Vargas, o Oswaldo Aranha renegociou e conseguiu reduzir em mais de 50% o estoque da dívida. Com isso, o governo pode preparar o terreno para a modernização do parque industrial do país.
No fim de setembro, quando Maria Lúcia retornou a Brasília, o presidente do Equador já tinha cópia do relatório final. O Brasil era destacado: "Os três contratos principais (com a empreiteira Odebrecht) pelo valor de US$464,2 milhões terminaram em US$831 milhões, quer dizer 80% a mais do que o contratado. O governo do Brasil, através do Banco do Brasil, foi a entidade que financiou. Existe co-responsabilidade das entidades financeiras brasileiras BNDES e Banco do Brasil, ao tomar parte nessa cadeia de operações."
Rafael Correa decretou intervenção com tropas militares nos canteiros de obras da Odebrecht, bloqueou os bens da empreiteira e da estatal Furnas, responsável pela fiscalização, e proibiu que os funcionários brasileiros saíssem do Equador. Por fim, anunciou o calote.
O embaixador do Brasil em Quito, Antonino Porto e Santos, acolheu dois diretores da Odebrecht:
- Disse que seriam muito bem-vindos lá em casa. São criaturas excelentes - contou no Senado, na semana passada.
O presidente Lula recebeu a notícia durante uma viagem a Nova York. E comentou:
- Não tem jeito. O Brasil tem o papel de ser cobrado, porque somos o maior.
José Casado
O objetivo do governo do Equador é conseguir do Brasil "perdão" para a dívida acumulada de US$554 milhões - a maior parte (US$462 milhões) relativa a financiamentos do BNDES para projetos de infra-estrutura executados pela empreiteira Odebrecht.
Há precedente: no ano passado, a Noruega anulou US$35 milhões em dívidas para a compra de barcos pesqueiros pela estatal Frota Bananeira Equatoriana.
A empresa faz parte de uma parceria do Estado (99% das ações) com a família Noboa Naranjo (1%), uma das mais ricas do país. O sócio privado ficou com a administração da frota, voltada para o transporte das bananas exportadas pela família Noboa Naranjo.
O negócio prosperou até o início desta década, quando os barcos entraram na fase de obsolescência e o clã vendeu suas ações. O governo equatoriano assumiu 100% do capital mais a dívida externa e uma frota sem capacidade de navegação.
Essa fatia da dívida equatoriana já motivava protestos de redes de ONGs no Equador e na Europa quando Rafael Correa assumiu o poder, em janeiro do ano passado. O Parlamento norueguês aceitou a pressão e "perdoou" esses débitos.
Para Correa serviu de estímulo a auditoria com a cooperação de ONGs empenhadas na defesa dos interesses de países pobres. Instaladas na América do Sul, Europa e EUA, desde o fim dos anos 80, parte está agrupada na Rede Jubileu, que tem respaldo da Igreja Católica e do PT - entre os conselheiros nacionais está o senador Eduardo Suplicy. As ONGs brasileiras têm no histórico uma meia-vitória de lobby político: conseguiram inscrever na Constituição de 1988 a obrigatoriedade de auditoria na dívida do país - até hoje não realizada.
Revisão da dívida externa é apoiada por ONGs
Alguns ativistas brasileiros têm reputação de especialistas. Um deles é Maria Lúcia Fatorelli Carneiro, ex-presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco). Outro é Rodrigo Ávila, economista, coordenador da ONG Dívida Cidadã e assessor da liderança do PSOL na Câmara dos Deputados. Ambos trabalharam para o governo do Equador na comissão de auditoria, cujo resultado deflagrou uma crise política com o Brasil. Nessa disputa, o PSOL alinhou-se ao governo Correa: "Ao invés de reconhecer o grave prejuízo causado ao povo do Equador, o governo Lula preferiu tomar partido pela Odebrecht, chantageando e retirando o embaixador brasileiro do Equador" - disse em nota divulgada na semana passada.
Para a auditora e o economista foi algo mais que uma experiência de auditagem:
- Foi extraordinário examinar 30 anos de história pelos contratos bancários. Trabalhei 18 horas por dia, de abril a setembro - conta Maria Lúcia. - Só a análise da dívida comercial tem mil páginas, mais a documentação entregue ao Arquivo Nacional. Encontramos muitas ilegalidades.
Rodrigo Ávila viajou a Quito algumas vezes:
- Constatamos, sim, inúmeras ilegalidades, até títulos de dívida sem registro oficial.
Outros militantes de ONGs e de partidos políticos - do PT ao PSTU - também participaram, fazendo traduções e análises de contratos financeiros. Em Belo Horizonte, por exemplo, atuaram os economistas Dirlene Marques e Gabriel Strautman.
Os contratos do Equador com o BNDES foram examinados por uma ONG carioca, o Instituto de Pesquisas Sociais, Econômicas e Educação, coordenada pelo economista Marcos Arruda:
- Foi uma colaboração pontual. Verificamos como esses contratos combinavam ou não com a legislação brasileira e equatoriana - ele conta.
Como os demais que participaram da auditoria, Arruda acha que o Brasil deveria agir em relação ao Equador como fez a Noruega, "perdoando" a dívida.
- Isso já aconteceu aqui, no início da década de 30. No período Getulio Vargas, o Oswaldo Aranha renegociou e conseguiu reduzir em mais de 50% o estoque da dívida. Com isso, o governo pode preparar o terreno para a modernização do parque industrial do país.
No fim de setembro, quando Maria Lúcia retornou a Brasília, o presidente do Equador já tinha cópia do relatório final. O Brasil era destacado: "Os três contratos principais (com a empreiteira Odebrecht) pelo valor de US$464,2 milhões terminaram em US$831 milhões, quer dizer 80% a mais do que o contratado. O governo do Brasil, através do Banco do Brasil, foi a entidade que financiou. Existe co-responsabilidade das entidades financeiras brasileiras BNDES e Banco do Brasil, ao tomar parte nessa cadeia de operações."
Rafael Correa decretou intervenção com tropas militares nos canteiros de obras da Odebrecht, bloqueou os bens da empreiteira e da estatal Furnas, responsável pela fiscalização, e proibiu que os funcionários brasileiros saíssem do Equador. Por fim, anunciou o calote.
O embaixador do Brasil em Quito, Antonino Porto e Santos, acolheu dois diretores da Odebrecht:
- Disse que seriam muito bem-vindos lá em casa. São criaturas excelentes - contou no Senado, na semana passada.
O presidente Lula recebeu a notícia durante uma viagem a Nova York. E comentou:
- Não tem jeito. O Brasil tem o papel de ser cobrado, porque somos o maior.
Um comentário:
O blog do Nassif publicou desmentido sobre o assunto, conforme site abaixo. Aproveito a oportunidade para recomendar a leitura da Nota de Resposta ao Globo, assinada por centenas de entidades e personalidades nacionais e internacionais, e também dos esclarecimentos de Maria Lucia Fattorelli aos parlamentares. Estes materiais se encontram na página www.divida-auditoriacidada.org.br
Rodrigo Ávila
Auditoria Cidadã da Dívida
www.divida-auditoriacidada.org.br
http://www.projetobr.com.br/web/blog?entryId=10157
Por Luis Orlando
Reproduzo aqui alguns trechos de lavra da própria Maria Lúcia, enviados na integra pelo Fantacini hoje cedo, mas infelizmente não publicados, para que os leitores conheçam o outro lado:
"O jornalista autor da matéria, José Casado, tinha conhecimento do fato de que eu não atuei na Subcomissão de Dívida Bilateral, pois durante sua entrevista telefônica ele me perguntou vários detalhes relacionados à Odebrecht/BNDES e eu informei a ele que não possuía aquelas informações, pois meu trabalho havia se restringido à Comissão de Dívida Comercial da CAIC. O jornalista ignorou estes esclarecimentos e publicou matéria altamente tendenciosa e difamatória, por meio da qual faz justamente a conexão que sabia não existir."
...
"É preciso esclarecer cabalmente que fui vítima de jornalismo irresponsável; que fui legalmente cedida ao Equador com base em atos fundamentados em preceitos legais e constitucionais; que não "ajudei a preparar calote" algum; que não participei da investigação do caso Odebrecht; que realizei trabalho técnico na investigação do endividamento com bancos privados, cujo aprendizado pode ter relevância especialmente para o Brasil, que confio um dia cumprirá a Constituição Federal e realizará a auditoria da dívida pública."
Estes esclarecimentos foram lidos em plenário pelo Senador Eduardo Suplicy em resposta à matéria de O Globo, cujo autor parece não ter tido o menor pudor em distorcer a verdade e destruir a reputação de uma funcionária pública para criar um factóide.
enviada por Luis Nassif
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