quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Aumenta tensão em reserva

Um dia antes do julgamento no STF sobre a demarcação da área, marcado para hoje, índios dizem que não aceitam a presença de arrozeiros na região. Segundo ministro, PF cumprirá decisão da Corte
Hércules Barros, Mirella D’Elia e Paloma Oliveto
Da equipe do Correio

Na véspera do início do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol (RR), marcado para hoje e amanhã, a tensão na região cresceu. Segundo o coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza, os cerca de 18 mil índios que vivem no local não abrirão mão de nenhuma parte dos 1,7 milhão de hectares que compõem a reserva, independentemente do que decidir a Corte.
O Supremo julgará uma ação proposta pelos senadores de Roraima Augusto Botelho (PT) e Mozarildo Cavalcanti (PTB) que questiona a demarcação em terras contínuas e defende que a área seja dividida em ilhas, mantendo assim plantadores de arroz na região.
“O STF pode tomar a decisão, mas aquela terra nós vamos continuar ocupando. Ninguém quer viver com bandido. Que tirem os arrozeiros de lá”, afirmou Souza. Em Brasília, o cacique Júlio Macuxi, da comunidade Maturuca, disse estar preocupado com possíveis reações dos agricultores. “O clima esquentou, porque os invasores (fazendeiros) estão levando gente para lá, não sei para quê”, contou. “Os índios relatam que nos últimos dias houve aumento de circulação de motociclistas na reserva. Eles temem que sejam pistoleiros contratados”, conta o representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Paulino Montejo Paulino.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, voltou a dizer que espera uma decisão favorável à demarcação em terras contínuas. Mas afirmou que a Polícia Federal está preparada para enfrentar resistências, se preciso, para fazer cumprir a decisão do STF, “seja qual for”. A região já está ocupada por policiais federais e homens da Força Nacional de Segurança Pública, que chegaram a enfrentar atentados por parte dos arrozeiros em abril passado.
Além dos conflitos, o governo federal teme que uma decisão contrária à demarcação atual abra uma brecha para outras ações. O temor vai ao encontro do que declararam alguns ministros do Supremo na segunda-feira — que a decisão do tribunal vai nortear a discussão sobre conflitos relativos a territórios indígenas no país.

Esplanada
O governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), e o líder dos arrozeiros, Paulo César Quartiero, chegaram ontem a Brasília para acompanhar o julgamento. Também estão na capital cerca de 25 líderes indígenas, que participaram ontem de manifestações e conversaram com ministros do STF. Impedido pela polícia de acampar na Esplanada, o grupo não sabia onde passaria a noite. Os indígenas vieram de avião e, segundo Júlio Macuxi, cada um gastou R$ 1,6 mil. “A gente arrecadou dinheiro com a comunidade para comprar as passagens, mas15 pessoas ainda não têm como voltar”, explicou.
Pela manhã, os índios participaram de um ato organizado pela Câmara Legislativa do DF. À tarde, eles dançaram abençoando a Praça dos Três Poderes e cantaram o “Hino da homologação”.
Um grupo foi recebido pela ministra Ellen Gracie e aguardava, no início da noite, um encontro com Marco Aurélio Mello. Solidários aos indígenas, representantes de movimentos sociais protocolaram uma carta aos ministros defendendo a demarcação contínua. Para a subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, o questionamento no STF é uma demonstração de preconceito. “É o único caso de um estado (Roraima) que entra com ação de juízo contra uma parcela da sua população em favor de particulares (arrozeiros)”, avalia.

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