Sob holofotes e envolvidos em uma enxurrada de polêmicas, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) começam hoje a cumprir uma agenda que poderá mudar a vida de milhares de pessoas no país.
A pauta da principal corte brasileira comprova que ela avança para se aproximar dos cidadãos, tratando de assuntos que mexem com o dia-a-dia de todos. A investida do STF sobre o mundo real desencadeia a discussão se estaria havendo uma invasão dos limites dos poderes, já que sobre parte dos temas caberia ao Congresso legislar.
A pauta mais popular dos magistrados ecoou no Congresso. O presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), criticou ontem a omissão do Congresso e afirmou que o Judiciário está legislando.
– O Legislativo vive uma situação tensa, que merece providências, atitudes. O Judiciário, aqui e acolá, diante da omissão do Legislativo, está realmente legislando, é a questão do vácuo. Em política não pode haver vácuo – apontou o peemedebista, ressaltando que o Senado está parado devido ao excesso de medidas provisórias.
O impasse da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, a discussão da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos (sem partes do cérebro) e o reconhecimento da união estável para homossexuais concentrarão os debates nos próximos dias – e são exemplos de que a Corte resolveu se aproximar das grandes questões do país.
A mudança de postura não é só retórica. Em busca de subsídios para decidir sobre a polêmica demarcação indígena da Raposa Serra do Sol, os magistrados ousaram. O presidente do STF, Gilmar Mendes, e os ministros Carlos Ayres Britto e Carmem Lúcia Rocha pegaram um avião da Força Aérea Brasileira em maio e se embrenharam na região conflagrada para conversar com os personagens envolvidos no conflito.
Nova postura acende um debate jurídico
Desde o começo do ano, Gilmar Mendesvem defendendo essa nova postura. Em recente audiência com o presidente Lula, por exemplo, ele ressaltou a necessidade de um novo pacto pelo Poder Judiciário “republicano, independente e célere”. Mendes denominou a ação renovada do STF com o termo técnico de “repercussão geral”. Na prática, seria uma aposta do Supremo para que o julgamento de apenas um processo se transforme em regra para outras demandas judiciais semelhantes.
É justamente essa iniciativa que, para os críticos, ultrapassa os limites da Justiça e do parlamento. Além disso, o Supremo vem realizando audiências públicas – como no caso das discussões e no julgamento que liberou as pesquisas com células-tronco no país – tornando as discussões na corte ainda mais polêmicas e midiáticas. Hoje, promove uma para debater a autorização de interrupção da gravidez de anencéfalos.
Para o ex-ministro do STF Paulo Brossard, o Supremo não está legislando com este novo procecimento, pois é preciso distinguir ações legislativas das jurídicas.
– São temas políticos, mas são decisões jurídicas. Não se trata de legislar, não se criam leis no Supremo. Lá, se verifica se existe fundamento constitucional – destaca.
Em contrapartida, o professor de Direito Constitucional da PUCRS Wambert Di Lorenzo aponta que o primeiro julgamento sobre os anencéfalos praticamente criou no código penal uma nova modalidade de aborto:
– O STF agiu como um legislador positivo. Esse fenômeno se deve a um problema de compreensão do próprio Supremo do seu papel.
Para Di Lorenzo, o Supremo deveria ser um tribunal constitucional para tratar essencialmente da carta magna:
– O país precisa de um regime parlamentarista e de um tribunal constitucional. Hoje, o Executivo legisla com medidas provisórias, e o Congresso é abafado por elas. O STF, apesar de abarrotado de ações cíveis e criminais e de analisar uma Constituição imensa, ainda referenda as leis brasileiras.
GUSTAVO AZEVEDO
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