terça-feira, 5 de agosto de 2008

Capitalismo: a salvação para a Amazônia


Só o desenvolvimento econômico pode eliminar o principal predador da floresta: a pobreza extrema
Por Por Angela Pimenta, de Juruti


Dizem os geólogos que a bauxita, a matéria-prima do alumínio, é um recurso mineral tão caprichoso que adora se esconder debaixo de florestas virgens. É isso justamente o que ocorre em Juruti, uma pequena cidade amazônica do noroeste do Pará, placidamente sentada há dois séculos sobre uma jazida de 700 milhões de toneladas de bauxita. Há três anos, motivada pela escalada de preços do alumínio, a americana Alcoa chegou a Juruti para investir 1,3 bilhão de reais na instalação de uma mina. Desde então, a cidade, com 35 000 habitantes, vive um frenesi. Brotaram ali dezenas de novos empreendimentos, como hotéis, restaurantes e até mesmo uma filial da rede de lojas de cosméticos O Boticário. A perfumaria fica defronte ao barulhento porto, espécie de rodoviária fluvial às margens do rio Amazonas, que lá chega a ter 22 quilômetros de largura. Antes pacata, a cidade agora exibe um trânsito — por vezes temerário — de motos (boa parte delas transportando três ou mais pessoas), carros e picapes. Para arrancar a bauxita escondida debaixo da floresta — a área de lavra situa-se na mata virgem a 50 quilômetros do centro da cidade —, a Alcoa segue o primeiro plano de sustentabilidade do setor de mineração na Amazônia. Previsto para entrar em operação em 2009, o empreendimento inclui 280 milhões de reais para projetos socioambientais. Antes da chegada da Alcoa, Juruti era um retrato acabado da Amazônia rural. Sua população, com renda média mensal de 58 reais, não tinha acesso à educação, à saúde ou à água tratada. Agora, estão em construção hospitais e escolas e há perfuração de poços artesianos, iniciativas que integram uma lista de compromissos da empresa com o Ibama e o governo paraense. Na fase de pico do projeto, a Alcoa emprega 8 000 funcionários, dos quais 80% são paraenses. “No começo, eu não gostava dessa história de mina, porque achava que os gringos só queriam roubar nossa riqueza”, diz o líder comunitário João Gomes do Nascimento, de 53 anos. “Mas agora, quando penso no futuro dos meus filhos, quero que eles arrumem um emprego na Alcoa.”
O projeto da Alcoa em Juruti — e os efeitos que já produz na cidade — diz respeito aos desafios do futuro da Amazônia, uma região cujo potencial de geração de riqueza é tão vasto como sua própria imensidão, correspondente a 61% do território nacional. A exploração da região se impõe tanto do ponto de vista econômico quanto do interesse da população, que precisa de renda, educação e saúde. Treze milhões de brasileiros, a maioria paupérrimos, vivem no bioma amazônico. Deles, cerca de 7 milhões encontram-se na mata, sem as oportunidades que agora se abrem ao povo de Juruti. A pobreza extrema e a falta de alternativas econômicas são os maiores predadores da Amazônia. Para esses brasileiros, sejam eles gente da região ou migrantes vindos do Maranhão ou do Piauí, a motosserra é um ganha-pão. Por 1 500 reais, compra-se uma delas usada. Dois homens e uma motosserra derrubam até duas grandes árvores por dia, que depois são vendidas no mercado negro. Um caminhão de toras rende cerca de 1 000 reais. Quando o dinheiro acaba, liga-se de novo a motosserra.
Mas a história pode ser diferente. Trilhões de dólares estão ocultos na região, à espera de projetos que combinem a força motriz do capital com a visão de que a região requer tratamento especial, dada sua importância mundial. Hoje, a Amazônia é uma bênção natural transformada em usina de problemas. Eles vão do catastrofismo de certas ONGs antidesenvolvimento à devastação, da falta de controle que a transforma em terra de ninguém ao sistema público que permite que bebês morram como moscas em maternidades e crianças sejam misturadas a bandidos em cadeias. Apenas nos últimos 20 anos, a região perdeu 360 000 quilômetros quadrados de floresta. No total, cerca de 20% dela já foi devastada, boa parte em atividades de baixo resultado econômico, como pecuária extensiva e corte ilegal de madeira. Só em 2007, o desmatamento aumentou 15%. Nesse ritmo, a floresta poderá implodir em menos de um século. Antes disso, as pressões para a internacionalização da região, já audíveis em platéias cada vez mais estreladas, devem se acentuar — embora ninguém até hoje tenha proposto nada além de bravatas. Em tempos de mudança climática, aos olhos da opinião pública mundial, a Amazônia está para o Brasil assim como o Tibete está para a China. A destruição da mata acarretaria uma severa condenação internacional, manchando a imagem do país e a reputação de empresas como Petrobras, Vale e Embraer, que se lançam ao mercado externo. Por isso, é vital o Brasil virar o jogo: deixar de ser visto como predador e mostrar que está no caminho da exploração sustentável — e rentável.
Nos últimos dois meses, EXAME visitou oito cidades de dois estados, Amazonas e Pará, e ouviu dezenas de cientistas e especialistas ligados a instituições líderes em pesquisas sobre climatologia, economia ecológica, engenharia florestal, agronomia, geologia e biotecnologia em busca de respostas para a Amazônia. A principal conclusão é que o desenvolvimento da região passa necessariamente — surpresa! — por empreendimentos de grande escala, sejam eles pólos de mineração, hidrelétricas ou exploração florestal. Esqueça as pequenas iniciativas para ajudar comunidades ribeirinhas. Quem busca uma efetiva solução deve, antes de tudo, mirar grandes obras que sejam tocadas por empresas de porte com o objetivo de lucrar com a floresta. “Desde que executados de forma sustentável, tais projetos cumprem um papel vital na formalização da economia, levando também serviços básicos a comunidades carentes”, diz o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.

Diferentes maneiras de ver a região
Amazônia Legal
Delimitada pelo governo em 1953, engloba os estados da Região Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) mais Mato Grosso e parte do Maranhão
Área
5,2 milhões de km2, equivalentes a 61% do território brasileiro
População
23 milhões
Participação no PIB
7,5%
Bioma Amazônico
Representa a área original da fl oresta. No Brasil, 20% foram devastados
Área
4,1 milhões de km2
População
13 milhões
Fontes: IBGE, João Meirelles Filho ( O Livro de Ouro da Amazônia), Ipea e Inpe (mapa)

Dona dos maiores estoques de biodiversidade, madeira e água doce do mundo, a Amazônia é uma riqueza cujos significado e valor financeiro não têm sido corretamente avaliados. Estimativas colhidas por EXAME mostram que apenas os recursos minerais e florestais somam, por baixo, 24 trilhões de dólares. Concentradas nos estados do Pará e do Amapá, as reservas minerais conhecidas da região chegam a 15 trilhões de dólares. Tal cifra foi calculada a pedido de EXAME pela consultoria Tendências com base em dados do Ministério de Minas e Energia. Mas tudo leva a crer que a mata esconda mais tesouros. Após uma interrupção de 18 anos, o governo promete retomar o mapeamento amazônico, projeto que deverá consumir 310 milhões de reais nos próximos cinco anos. “Há 1,8 milhão de quilômetros quadrados, no Pará e no Amazonas, que ainda não foram mapeados”, diz Manoel Barretto da Rocha, diretor do Serviço Geológico do Brasil, órgão do Ministério de Minas e Energia. O governo suspeita que Pará, Rondônia e Roraima possam revelar novas jazidas de bauxita, ouro e cassiterita. “A tendência é que a Amazônia se consolide como o maior pólo minerador da América Latina e um dos maiores do mundo”, diz o geólogo Alberto Rogério da Silva, consultor do Instituto Brasileiro de Mineração.
É inegável que, em termos ambientais, os grandes projetos amazônicos têm um histórico adverso. Deflagrada no governo JK, a primeira onda de colonização da região aconteceu antes do surgimento do conceito de sustentabilidade. Vistas pela óptica atual, obras como a Transamazônica e a implantação da mina de Carajás, da Vale, deixaram enorme passivo ambiental. Além do impacto direto, elas provocaram a colonização desordenada da floresta por migrantes pobres. Os vilarejos criados se converteram em focos de poluição, doenças e prostituição. Contudo, hoje é possível seguir um modelo sustentável. “A saída para mitigar o impacto ambiental é a criação de zonas de descompressão em torno dos novos projetos, limitando o trânsito e a fixação humana”, diz Virgílio Viana, doutor em engenharia florestal pela Universidade Harvard e ex-secretário do Meio Ambiente do Amazonas. No caso da Alcoa, depois da implantação da mina, a empresa irá desativar os alojamentos de operários e manterá por lá apenas os técnicos estritamente necessários. Por ser um empreendimento com data para acabar — a bauxita deve se esgotar em 70 anos —, a Alcoa deve mitigar o impacto gerado e criar condições para que no longo prazo a economia de Juruti ande com as próprias pernas. Além de desenvolver projetos de agricultura familiar, a empresa fechou parceria com o Senai para criar uma escola profissionalizante. E, para cada grande árvore cortada, a Alcoa deve replantar pelo menos dez. “Estamos comprometidos com o bem-estar de Juruti, mas tentamos evitar o paternalismo, pois nosso papel não pode ser confundido com o do Estado”, diz Tiniti Matsumoto Júnior, diretor de desenvolvimento da Alcoa.
Nenhum outro lugar do planeta reúne tantos recursos naturais quanto a Amazônia brasileira
Estoque de reservas minerais conhecidas
15 trilhões de dólares(1)
As principais jazidas são de e stanho, cobre, níquel, ferro e bauxita. Explorando ferro desde os anos 80, o pólo de Carajás, da Vale, no Pará, é o maior em oper ação. Também no Pará, a Alcoa está na fase fi nal de implantação de uma mina de bauxita, o primeiro projeto minerador a nascer com base em um plano sustentável
Estoque de madeira
8,6 trilhões de dólares(2)
Desse total, o equivalente a 5 trilhões de dólares poderia ser explorado em regime de manejo sustentável, mas hoje 80% do corte é ilegal. Se o setor madeireiro se modernizar, poderá tirar vantagem do esgotamento das fl orestas asiáticas, previsto para o final da década. O Brasil pode se tornar líder mundial em madeir a certifi cada
Serviços ambientais prestados
692 bilhões de dólares por ano(3)
Novo ramo da ciência, a economia ecológica calcula o valor fi nanceiro de 17 tipos diferentes de serviços ambientais prestados por um ecossistema, como fornecimento de água, polinização, regulação climática e controle da erosão. A Amazônia é um dos maiores fornecedores de serviços ambientais do mundo
Fontes: (1) Tendências Consultoria, com base em dados do MME (2) Niro Higuchi, pesquisador do Inpa (3) Tendências Consultoria, com base em dados de Robert Costanza, pesquisador da Universidade de Vermont

Quando se pensa em reduzir os efeitos da ação humana, uma solução é o adensamento populacional. A saída está em reter, por meio de boas condições de vida, as pessoas nas zonas urbanas. Hoje, 70% da população amazônica vive em cidades. Tanto Belém como Manaus são típicas metrópoles brasileiras, com arranha-céus, trânsito caótico e palafitas, a versão local das favelas. Assim como o restante do país, a Amazônia é marcada pela desigualdade e por mão-de-obra desqualificada. A conjunção do baixo nível educacional e econômico com um ambiente inóspito ao empreendedorismo impede que as cidades amazônicas sejam centros de prestação de serviços e de excelência biotecnológica, uma vocação óbvia da região.
No ambiente urbano, a Zona Franca de Manaus é exceção. Criada em 1967, ela se tornou um pólo de montagem de eletroeletrônicos e veículos leves. Suas 500 empresas, como Nokia e Honda, faturaram 46 bilhões de reais em 2007, cerca de 80% do PIB do Amazonas, empregando 80 000 pessoas. Sustentada por incentivos fiscais, a Zona Franca virou a área mais dinâmica da Amazônia. Recentemente, o governo amazonense obteve a renovação do regime fiscal até 2023. “A Zona Franca tornou-se o melhor projeto ambiental do governo federal”, diz o governador do estado, Eduardo Braga.

Um retrato desigual
Apesar das riquezas naturais e de ocupar mais da metade do território brasileiro, a Amazônia é a região menos desenvolvida do país
33%
da mão-de-obra da Região Norte tem carteira assinada. No país, a média é 42,4%
5%
dos domicílios da Região Norte contam com rede de esgoto. No país, a média é 48%
4%
das terras privadas da Amazônia Legal têm títulos de propriedade válidos
14%
das terras da Amazônia Legal são de donos que o governo desconhece
Fontes: Ipea, com base no Pnad/IBGE 2005, Incra, MMA, Imazon e ISA

Mas, ainda que reúna dois dos mais respeitados centros de pesquisa básica de florestas tropicais do mundo — o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o Museu Emílio Goeldi —, a ciência amazônica está perdendo a corrida do conhecimento. De acordo com Adalberto Val, diretor do Inpa, menos da metade das pesquisas científicas publicadas sobre a floresta tem a participação de um pesquisador brasileiro. “É difícil competir com os estrangeiros, pois a Amazônia representa 7,5% do PIB brasileiro, mas recebe 2% das verbas do governo para ciência e tecnologia”, diz Val. Maior instituto de biologia tropical do mundo, o Inpa não dispõe de conexão de internet banda larga. A maior parte de seu corpo científico já passou dos 50 anos, e não há verba para contratar jovens doutores. Enquanto isso, a vizinha Guiana Francesa investe em ciência. Estima-se que na última década os franceses aplicaram mais de 600 milhões de reais em cinco instituições de pesquisa da Guiana. “Pretendemos criar uma parceria com os franceses para estudar a floresta”, disse a EXAME o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A corrida científica também esquenta em Cingapura, onde o laboratório suíço Novartis investe 880 milhões de dólares num complexo de laboratórios para estudar princípios ativos — substâncias naturais, como veneno de cobra e enzimas vegetais, com potencial de produção de drogas e cosméticos — provenientes das florestas asiáticas. Não fosse a xenofobia brasileira, o que se passa em Cingapura poderia ocorrer em Manaus. No final dos anos 90, a Novartis e o Brasil firmaram um acordo pelo qual os suíços investiriam na prospecção de princípios ativos amazônicos. Caso a pesquisa resultasse em novas patentes, ambas as partes compartilhariam os ganhos. Em 1999, o governo criou em Manaus o Centro Biotecnológico da Amazônia (CBA), que deveria realizar as pesquisas com a Novartis. Em 2002, ficou pronta a suntuosa sede do CBA. Mas, àquela altura, diante da gritaria de parte da comunidade científica brasileira, o governo rompeu o acordo com os suíços, que fizeram as malas para Cingapura. O CBA viveu desde então praticamente no limbo até que, em janeiro deste ano, o governo decidiu concluir sua implantação. A instituição, agora subordinada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, está na fase inicial de projetos nas áreas de alimentos, cosméticos e fitoterápicos. “Se tivermos condições de trabalho, daqui a dez anos poderemos produzir uma patente de importância mundial”, diz Imar Araújo, coordenador de implantação do CBA. Recentemente, a Academia Brasileira de Ciências propôs ao governo um plano para fortalecer os centros de pesquisa existentes, contratar jovens doutores e criar novas universidades, ao custo de 1 bilhão de reais por ano. O governo ainda não respondeu. “É possível que não tenhamos todo esse dinheiro, mas reconhecemos que a ciência, especialmente a biotecnologia, é o campo mais promissor para a Amazônia”, diz o ministro Minc.
No curto e no médio prazo, um dos caminhos mais viáveis para a floresta é o manejo florestal. Segundo os pesquisadores Charles Clement e Niro Higuchi, do Inpa, o estoque de madeira dos 3,3 milhões de quilômetros quadrados remanescentes da floresta valeria 8,6 trilhões de dólares no mercado internacional. “Pode parecer ironia, mas nas áreas florestais só a madeira, explorada em regime de manejo, pode dar o retorno financeiro capaz de frear o desmatamento ilegal”, diz Clement. No plano de manejo sustentável proposto, a madeira geraria faturamento anual de 36 bilhões de dólares. Mas, hoje, 80% da madeira retirada da floresta é ilegal. Quase tudo se destina ao mercado interno, absorvido pela construção civil, pela indústria moveleira e pela siderurgia, na forma de carvão vegetal para a fabricação do ferro-gusa. A extração criminosa é ineficiente, pois desperdiça 70% da madeira. Quem já se embrenhou na floresta sabe que as árvores de grande porte têm copas e raízes fortemente entrelaçadas. Quando abatidas criminosamente, castanheiras que chegam a 50 metros de altura e pesam 300 toneladas destroem tudo à sua volta. Caso o setor madeireiro se modernize, ele contará com uma tremenda janela de oportunidade. “Em razão do esgotamento das florestas tropicais da Malásia e da Indonésia, os maiores fornecedores do mundo, o preço da madeira deve subir no mercado global a partir de 2010”, diz Higuchi. “Se souber se beneficiar, o Brasil poderá vir a ser o maior produtor mundial.”
Igualmente superlativos são os papéis desempenhados pela Amazônia no equilíbrio climático. Criada nos anos 90, a economia ecológica é um novo ramo da ciência dedicado a precificar o capital natural. Há 11 anos, um time de cientistas liderado pelo americano Robert Costanza, hoje pesquisador da Universidade de Vermont, trabalha no desenvolvimento de um modelo que avalia um conjunto de 17 tipos de serviços prestados pelos ecossistemas — do abastecimento de água e seqüestro do gás carbônico que causa efeito estufa ao fornecimento de alimentos, como peixes, frutas e castanhas. Reunidos, originaram a sigla ESV — valor dos serviços ambientais, na tradução do inglês. Atualizado pela consultoria Tendências, com a orientação de Costanza, o valor dos préstimos da Amazônia brasileira ao mundo atinge 692 bilhões de dólares por ano. Um dos recursos mais valiosos é a água presente na cobertura vegetal e nos mais de 2 000 rios e igarapés da floresta. Além de abastecer o próprio ecossistema, a umidade amazônica cumpre papel vital na regulação climática de boa parte do continente sul-americano. Estudos desenvolvidos desde os anos 70 pelo físico brasileiro Enéas Salati constataram que a floresta “exporta” parte da umidade para o centro-sul do Brasil. “Uma árvore de grande porte chega a transpirar 200 litros de água por dia”, diz Salati. “Esse vapor d’água sobe para a atmosfera e viaja na forma de correntes de ar que funcionam como se fossem rios voadores.”

Mitos e verdades da Amazônia
O que faz sentido e o que não faz no que se fala a respeito da região
Mito
O etanol desmata a Amazônia

Verdade
Apenas 0,3% dos canaviais estão na Região Norte. As regiões produtoras no Sudeste, Sul e Centro-Oeste respondem por cerca de 90% do etanol brasileiro e estão a pelo menos 2 000 km de distância
Mito
A madeira e a agricultura são o motor econômico da região
Verdade
A Zona Franca e a mineração são as principais atividades econômicas da Região Norte. A agricultura e a madeira representam 7% do PIB
Mito
A pecuária extensiva está concentrada em Mato Grosso e Tocantins

Verdade
Mato Grosso é o estado com o maior rebanho do país. Mas o Pará tem 17 milhões de cabeças e Rondônia conta com 11,5 milhões

Estudos recentes realizados em parceria pelo Inpa, pelo Inpe e pela Nasa, a agência espacial americana, acusam redução da quantidade de vapor d’água na atmosfera amazônica, no chamado arco do desmatamento. “O recado dos cientistas não poderia ser mais claro: o avanço do desmatamento vai reduzir dramaticamente o volume de chuvas no centro-sul do país”, diz o ecologista Philip Fearnside, do Inpa. “O resultado pode levar a racionamentos e perdas para o agronegócio.” Daí a necessidade de que se pague para manter a floresta de pé. “Um dos caminhos mais promissores é o mercado de créditos de carbono, que deve explodir na próxima década”, diz o biólogo americano Thomas Lovejoy, uma das maiores autoridades mundiais sobre a região. Criado no âmbito do Protocolo de Kyoto, o mercado de carbono prevê que países e firmas poluidores remunerem projetos de reflorestamento e também os donos de florestas para mantê-las de pé. Segundo o Banco Mundial, em 2007 o mercado de carbono movimentou 64 bilhões de dólares, mas o quinhão brasileiro foi de apenas meio bilhão. Com o término do governo Bush, os Estados Unidos devem investir pesadamente em créditos de carbono: a previsão é que só o mercado americano chegue a 2 trilhões de dólares em 2020.
O governador Braga aposta nesse filão para conservar a floresta, que cobre 97% do estado do Amazonas. “Só a repressão não vai reduzir o desmatamento. Já com o mercado de carbono a floresta vale mais em pé que derrubada”, diz Braga. Isso já é realidade com o programa Bolsa Floresta, a versão local do Bolsa Família, que deve fechar o ano pagando 50 reais ao mês para 10 000 famílias carentes que vivem em unidades de conservação. O Amazonas fechou um acordo com a rede americana de hotéis Marriott com base no mercado de carbono. Para compensar suas emissões, até 2012 a Marriott se comprometeu a repassar pelo menos 2 milhões de dólares à Fundação Amazonas Sustentável, que foi criada pelo governo do estado em parceria com o Bradesco para administrar o Bolsa Floresta. Em 2010, o programa deverá atender 60 000 famílias, ou 240 000 pessoas. Mas, considerando-se que a população rural do Amazonas é de 2 milhões de habitantes, o Bolsa Floresta será um antídoto necessário, mas parcial, contra o desmatamento.
Um dos grandes problemas da Amazônia é o caos fundiário. Até hoje o governo ignora a quem pertencem 710 000 quilômetros quadrados da floresta, mas desconfia que boa parte desse território esteja nas mãos de grileiros. Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a região tem meio milhão de famílias assentadas. Como muitas delas carecem de noções básicas de agricultura, boa parte das glebas acaba desmatada e vendida a grileiros. Muitos ex-assentados retornam à condição de sem-terra, alimentando o círculo vicioso.
O capitalismo pode mudar esse panorama — é o que comprova uma iniciativa da empresa Agropalma em parceria com o Incra, o governo do Pará e o Banco da Amazônia (Basa). Sediada entre os municípios de Tailândia, Acará e Moju, no nordeste paraense, numa das áreas mais devastadas do estado, a Agropalma é líder na produção de óleo de palma, extraído da palmeira do dendê e utilizado na indústria alimentícia e na fabricação de biodiesel. Promissor, o óleo de palma vem sendo testado pela Boeing como combustível para a aviação comercial. Devido ao caos fundiário, a Agropalma, com 32 000 hectares plantados, não tem como se expandir, já que as propriedades em volta são irregulares. Além disso, a empresa precisa estar sempre atenta ao risco de invasões. Há cinco anos, ela resolveu lançar o programa Agropalma Familiar, que hoje beneficia 200 famílias de agricultores. “O sucesso desse projeto poderia servir de modelo para assentamentos em áreas que precisam ser reflorestadas”, diz o ambientalista João Meirelles Filho, da ONG Peabiru, que mantém convênios de formação profissional com a Agropalma. Enquanto o Incra e o governo paraense entraram com a regularização da terra, o Basa forneceu o crédito, além de garantir renda de um salário mínimo aos assentados para cobrir o período de carência entre o plantio e a colheita. Até aí, o projeto segue o modelo tradicional do Incra. Mas o pulo-do-gato da Agropalma está na gestão do programa. Enquanto nos assentamentos tradicionais do governo os fiscais aparecem a cada três meses, no projeto da Agropalma os assentados têm assistência técnica intensiva.
Na época das chuvas, como o governo paraense não fez a manutenção da estrada, os assentados do município de Moju corriam o risco de não ter como escoar a produção. Se os atoleiros não fossem eliminados, o resultado seria uma onda de inadimplência — e o conseqüente fiasco da empreitada. O jeito foi a Agropalma enviar suas máquinas. “Nunca fui tão feliz na vida”, diz a assentada Benedita Almeida do Nascimento. “Tenho 5 000 reais na poupança e construí uma casa de alvenaria com geladeira e TV.” Na condição de minifundiária, a única queixa de Benedita é que está faltando mão-de-obra qualificada para ajudar sua família na colheita do dendê. Como se vê, em qualquer tipo de atividade econômica, em se tratando da floresta Amazônica, a natureza já fez sua parte, dotando-a de um patrimônio ímpar. Agora, cabe ao país ter a visão, o talento e o empenho necessários para criar um modelo de desenvolvimento sustentável. Seria o triunfo de um novo tipo de capitalismo — selvagem, no bom sentido do termo — contra o ronco predatório da motosserra.

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