No linguajar popular “gato escaldado tem medo de água fria”. Na geopolítica do poder e nas relações internacionais não é diferente. A recente recriação, após 58 anos, da IV Frota da Marinha dos Estados Unidos para patrulhar o Atlântico Sul, vem motivando grande polêmica. Criada em abril de 1943, durante a II Guerra, foi desativada em 1950. Ignorando e sem nenhuma consulta aos países latino-americanos, o desastrado governo de George W. Bush está fecundando históricos sentimentos antiamericanos no continente. A América do Sul é a área prioritária para atuação, podendo além do mar, penetrar pelos rios Amazonas, Prata e Orinoco. O Brasil, possuidor de extenso litoral, onde se destaca uma “Amazônia azul” de riquezas monumentais, surpreendido, cobrou explicações oficiais sobre a presença da IV Frota na região. Ao invés de sinais tranqüilizadores, a resposta ambígua fez nascer debate sobre soberania e a integridade territorial nacional.O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, ante essa realidade, foi objetivo: “Agora que descobrimos petróleo a 300 quilômetros de nossa costa, queremos que os Estados Unidos expliquem qual a lógica dessa frota, justamente numa região como esta, que é pacífica”. O embaixador norte-americano no Brasil, Clifford Sobel, justificou: “Foi até sugerido que o restabelecimento da frota foi de alguma maneira relacionado com descobertas recentes de petróleo. É importante deixar bastante claro: não é o caso”. No Ministério de Relações Exteriores brasileiro, destacado diplomata é enfático: “Neste momento é difícil desvincular a IV Frota do alto preço do petróleo e das ameaças de suprimento regular no Oriente Médio.” Pensamento quase na mesma linha, tem o diretor do Departamento de Defesa da Federação das Indústrias de São Paulo, Jairo Cândido: “A IV Frota está sendo ativada porque deveremos estar entre 2013 e 2014 com 1 bilhão a mais de barris de petróleo por ano, subindo para 2,8 bilhões. Não é para tomar ou ocupar, mas para vigiar esse território, coisa que as nossas Forças Armadas não têm condições de fazer”.Outras respeitáveis opiniões vêm alimentando um debate polêmico e fadado a se multiplicar nos próximos anos. O passionalismo, os enquadramentos ideológicos ganharão dinâmica própria. Pensador racional, o norte-americano Frank Mora, professor da National War College de Washington, entende que a reação emocional na América Latina é compreensível ante o histórico de intervenções militares dos Estados Unidos na região. O jornalista Élio Gaspari comprova com fatos esse pensamento do acadêmico Frank Mora ao constatar: “Um levantamento do professor John Coatsworth, da Universidade de Columbia, ensina que, entre 1898 e 1994, os Estados Unidos ajudaram a derrubar 41 governos latino-americanos. Um a cada 28 meses. As intervenções militares diretas foram 17. No Brasil, a primeira intervenção americana ocorreu em 1864, com o seqüestro de um vapor confederado no porto de Salvador”.A reativação da IV Frota recoloca na vida brasileira uma questão que os últimos governos, inclusive o atual, foram irresponsáveis e negligentes: o sucateamento das Forças Armadas. O general Durval de Andrade Nery, estudioso e competente militar vem alertando, há anos, para o descaso oficial no reaparelhamento modernizador das estruturas militares, fundamentais para a soberania nacional.As restrições orçamentárias chegam ao nível da irresponsabilidade. Em 2008, o orçamento da Marinha foi reduzido de R$ 1,9 bilhão para R$ 1,5 bilhão. Ex-comandante da Marinha, no governo Lula, o almirante Roberto Guimarães Carvalho elaborou na sua gestão estratégico plano orçado em R$ 5,2 bilhões para reaparelhamento da Marinha. Infelizmente foi arquivado. A idade média dos navios varia entre 30 e 40 anos, quando deveria no máximo ser de 20 anos. Com o Exército e a Aeronáutica não é diferente.A IV Frota dos Estados Unidos chega à região exatamente quando a estrutura militar do mais importante País latino-americano, encontra-se em situação depauperante. O seu quartel general será a base naval de Mayport, no norte da Flórida. Integrado por cruzadores, destroiers, fragatas e esquadrões de helicópteros, não sendo de se descartar porta-aviões nucleares. O comandante será o contra-almirante Joseph Kernan, especializado em táticas de guerra nos mares e membro do US Navy Sea Air and Land, a elite naval norte-americana. É um oficial com grande currículo construído nas técnicas da guerra submersa e no treinamento de homens rãs.Importantes integrantes dos organismos responsáveis pela defesa da segurança nacional, em termos de soberania, fazem perguntas que não querem calar. Qual o real objetivo dos Estados Unidos, de só agora, reativaram essa poderosa estrutura militar? A idéia lançada de criação de um conselho de defesa regional pelos dirigentes sul americanos se integraria nessa reação? O fato é que a IV Frota se circunscreve não apenas a se expressar na premissa de segurança global, mas tem claros objetivos econômicos. Com sua visão de estrategista, o general Durval de Andrade Nery, observa o currículo desafiador do seu comandante, o contra-almirante Joseph Kernan. Foi chefe da Força Seal, grupo de elite da Marinha norte-americana. Considerado o mais avançado para missões supersecretas. Em 2.001, quando da invasão do Afeganistão, ele comandou a operação Liberdade Duradoura. Dois anos depois, em 2.003, liderou na invasão do Iraque a batizada Operação Liberdade. É figura da maior importância na chamada elite guerreira dos Estados Unidos. Quem melhor definiu os objetivos da IV Frota e o seu comandante foi o almirante James Stavridis, do Comando Sul, divisão a que estará subordinada: “Ele é o homem certo para as tarefas desafiadoras da região”.Em síntese, tempos turbulentos estão se desenhando no horizonte. Oxalá não sirva para ressuscitar fantasmas de um passado que parecia sepultado.Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi deputado federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.
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